“Caros administradores, sejam mais justos.” Artigo de Zygmunt Bauman

“Se estamos de acordo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ou seja, de que a distinção social só pode se basear na utilidade para a comunidade, então devemos conjugar o critério de utilidade com o de solidariedade: isto é, com o propósito de compartilhar a melhoria da vida humana com todos os outros membros da comunidade.”

No IHU

A opinião é do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em artigo publicado no jornal Avvenire. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto:

Eu acredito que a questão central que envolve a liberdade no mundo contemporâneo é representada pela alternativa entre o conceito de competição e o de solidariedade.

A competição, de fato, é uma concorrência que leva cada ser humano a levar adiante a sua posição e que leva a defender: “Eu quero que as coisas sejam como eu as desejo”.

A solidariedade, em vez disso, pressupõe a ideia de que todos os homens e as mulheres podem viver juntos de modo colaborativo e podem tentar se tornar, todos, mais felizes.

Na sociedade atual, acho que é possível detectar que existem alguns elementos da liberdade humana que estão ao menos em discussão, senão até em perigo. As capacidades de escolha que estão à disposição dos seres humanos, de fato, estão se restringindo gradualmente; a responsabilidade pela tomada de decisões, além disso, é negada a muitas pessoas; e a esperança, por fim, para muitos jovens, de poder realizar e pôr em prática o que lhes foi ensinado pela escola, pela família e pela sociedade parece desaparecer.

Uma porcentagem muito elevada desses jovens, de fato, depois de completar a sua formação – mesmo que apenas o Ensino Médio – está muito feliz com a formação recebida e com o compromisso que transmitiu para alcançar determinadas competências. No entanto, uma vez concluído o ciclo escolar, eles se encontram entrando em um mercado de trabalho extremamente difícil, onde é muito complicado encontrar emprego. Muitas vezes, eles não conseguem encontrar o tipo de trabalho para o qual se prepararam, no qual investiram o seu tempo, que reflita os seus desejos e que dê um sentido à própria vida, tornando a própria existência o mais gratificante possível.

A sociedade atual, de fato, está lenta e progressivamente se tornando uma sociedade oligárquica em que a classe política – cada vez mais autorreferencial –, em vez de se encarregar dos problemas da sociedade e de se interessar por aqueles que mais precisam de ajuda e assistência, continua garantindo a possibilidade de que a riqueza se acumule nas mãos de poucas pessoas. E isso não deve ser apenas condenado em nível moral e ético, mas também é perigoso para os valores da democracia e da meritocracia.

O que significa meritocracia? Os princípios da meritocracia já foram definidos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, cujo primeiro artigo afirma que “as distinções sociais não podem se fundamentar na utilidade comum”. Ou seja, sobre aquilo que uma pessoa individual pode dar para o desenvolvimento do bem-estar de toda a sociedade.

Hoje, porém, está acontecendo exatamente o contrário. Thomas Piketty, a esse respeito, evidenciou bem como o aumento da desigualdade reflete amplamente uma explosão “sem precedentes” das mais altas rendas de trabalho e a separação social que existe, de fato, entre a vida dos altos administradores das grandes empresas e o resto da população.

Os mais importantes dirigentes empresariais, de fato, tendo o poder de estabelecer as suas próprias compensações, se atribuíram remunerações que, em muitíssimos casos – e “sem nenhuma contenção”, escreve o economista francês –, não têm uma relação evidente com a sua “produtividade individual”.

Se estamos de acordo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ou seja, de que a distinção social só pode se basear na utilidade para a comunidade, então devemos conjugar o critério de utilidade com o de solidariedade: isto é, com o propósito de compartilhar a melhoria da vida humana com todos os outros membros da comunidade.

iMAGEM: O professor Zygmunt Bauman. Foto: Leonardo Cendamo /AFP

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