No Justificando
O Juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal determinou no último domingo, 30, que a polícia militar promova a desocupação do Centro de Ensino Asa Branca de Taguatinga, com métodos torturantes frente aos estudantes.
Na decisão, o juiz autorizou que a polícia:
a) suspenda o fornecimento de água, energia e gás;
b) suspenda o acesso de terceiros, em especial parentes e conhecidos ao local;
c) suspenda o acesso de alimentos ao local;
d) use instrumentos sonoros contínuos voltados para os estudantes;
O isolamento físico e privação de sono estão entre técnicas de tortura autorizadas pela agência de inteligência (CIA) para combater o terrorismo após setembro de 2011. Como explica o colunista e Procurador do Estado, Márcio Sotelo Felippe – “uso de sons para infligir sofrimento a uma pessoa, privando-a do sono, é conhecida e antiga técnica de tortura”.
Ao Justificando, Gorete Marques, Doutora pela Universidade de São Paulo (USP), integrante do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e do Núcleo de Estudos de Violência (NEV-USP), afirmou que a decisão legitima a tortura e explica o porquê:
Uma das definições da tortura é submeter alguém a intenso sofrimento físico e mental. Todo o tipo de restrição, seja do sono, de alimentos ou de água podem causar os mais diversos danos ao individuo. Discute-se muito a “tortura ligth”, utilizada por soldados americanos, que se baseia em formas de gerar sofrimento com utilização de sons, iluminação, restrição de alimentos e do sono. Especialistas alertam para os danos que tais práticas causam ao organismo, sobretudo quanto ao aspecto emocional e psicológico.
Para Gorete, decisões como essa devem nos fazer questionar em que Estado nos encontramos: “Quando a tortura é autorizada e oferecida como estratégia por juízes, que deveriam zelar pelas garantias de direitos fundamentais, precisamos nos perguntar em que Estado nos encontramos. Sobretudo quando tais atos são direcionados contra adolescentes”.
Além disso, o magistrado reforçou que os métodos devem prevalecer sobretudo na presença de crianças e adolescentes. Veja o andamento do processo no site oficial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
A redação procurou contato com a Assessoria de Imprensa do TJDFT, mas não obteve retorno.
Discordo da afirmação no sentido de que a decisão se presta à promoção da tortura, que os meios ali indicados para seu cumprimento seriam atos típicos de tortura propriamente.
E o motivo é muito simples: as supostas vítimas não estão sendo obrigadas a aceitar tais medidas. Diferentemente daquele que é de fato submetido à clássica tortura, os jovens ocupantes não o são, eis que, salienta-se, tais métodos só hão de ser perpetuados se, e somente se, houver resistência ao cumprimento da decisão. Quer dizer, não se está impondo tais medidas, apenas autorizando que se as concretize na hipótese de não acatamento da ordem judicial.
Além disso, é sabido, o que dispensa maiores digressões, que ao magistrado compete estipular medidas coercitivas visando ao cumprimento de suas ordens, o que, se proporcional e adequado, é de todo legítimo e legal, como no caso.
Dentre tais medidas, em sendo necessário, pode o juiz valer-se até do uso da força (coação física), o que não é raro se verificar na prática, sobretudo em tormentosas reintegrações de posse. Porém, em casos tais, não há sério alvoroço político, como no caso, em torno de tal proceder, o qual, a rigor, é mais severo do que as medidas estipuladas na decisão em comento.
No caso, preferia-se a utilização (moderada) da força para retirada dos ocupantes ou a realização das medidas referidas na decisão, que só hão de serem concretizadas se descumprida a determinação judicial, e que não implicam em qualquer contato pessoal, físico, direto?
Em suma, entendo não se tratar de hipótese de tortura, não havendo se falar em abuso, eis que as medidas se revelam proporcionais no caso concreto, não implicando contato físico com os ocupantes, bem assim é sobremaneira menos incisiva do que a utilização da coação, da efetiva força física, comumente perpetrada em casos símiles ao presente.