Entidades nacionais apoiam as ocupações dos estudantes secundaristas e consideram que a MP 746 deve ser retirada
por Jorge Atilio Silva Iulianelli – Observatório Fluminense
A meta 3, do PNE 2014-2024, previa a universalização do Ensino Médio até este ano de 2016 para toda população de 15 a 17 anos. No entanto, todos os movimentos políticos que culminaram no, para dizer o mínimo, questioinável impedimento do mandato da presidenta Dilma Roussef e sua substituição pelo atual mandatário, Michel Temer gerou uma série de retrocessos no cumprimento das metas do plano. Juntamente a isto houve atos de revisão da nomeação dos conselheiros do Conselho Nacional de Educação (nota neste blog sobre o tema aqui) e a emissão de Medida Provisória que propõe alterações graves no Ensino Médio, como a supressão de disciplinas como Sociologia, Filosofia, Educação Física e Artes, a MP 746 (sobre esta medida, leia nota do blog, nota da Anped e nota do Conanda que publicamos).
Conforme reportagem da Rede Brasil Atual, a Audiência Pública que foi realizada aos 1º de novembro de 2016 no Congresso, avaliando a MP 746 teve depoimentos de instituições nacionais que apoiaram as ocupações dos jovens secundaristas e que rejeitaram a MP 746. Segundo a reportagem, o Prof. João Monlevade afirmou que as ocupações indicam “determinação dos estudantes”. Tal determinação está vinculada a necessidade de um diálogo que a MP não promoveu – nem teria como fazê-lo, pois é uma medida arbitrária. O representante do Forum Nacional de Educação, Antonio Lacerda, conforme a mesma reportagem, mais enfático, solicitou a retirada da MP pelo Congresso. A íntegra da reportagem pode ser lida aqui.
No Rio de Janeiro, em função da luta contra a MP 746 e a PEC 55 (anteriormente na Câmara, PEC 241), que está a ser analisada no Senado, existem ao menos 17 ocupações em curso em instituições federais, trata-se de vários campi do Colégio Pedro II (Tijuca, São Cristovão, Humaitá e Engenho Novo), dos Insitutos Federais de Educação (que iniciou em Realengo) e das Universidades Federais – sobre essas ocupações no estado do Rio de Janeiro, matéria no Jornal Cruzeiro, pode ser lida aqui. No site da União Brasileira de Estudantes Secundaristas há uma lista com as escolas ocupadas em todo o Brasil, atualizada aos 28 de outubro de 2016, que constava 1197 escolas, a lista pode ser consultada aqui. A maior parte das ocupações concentra-se no estado do Paraná. O movimento Ocupa Paraná indica em seu manifesto que o objetivo naquele estado é fazer com que o governador Richa cumpra a palavra de não efetivar a MP 746 naquele estado. Lá estão ocupadas 850 escolas, 14 universidades e 3 núcleos. Naquele estado o movimento realizou uma assembleia na qual foi elaborado um manifesto com cinco reivindicações, dentre as quais a já citada e a exigência de uma realização de Conferência Estadual Livre e Aberta pela Reforma do Ensino Médio. O manifesto pode ser lido na íntegra aqui.
No Congresso, durante a Audiência Pública, Rossieli Soares da Silva, Secretário de Educação Básica, do MEC, buscava justificar a MP 746, afirmando a urgência da reforma do Ensino Médio em função dos resultados que são apresentados no ENEM. O Presidente da Comissão de Educação do Senado disse que pretende reverter a MP em um anteprojeto, e torná-lo “o mais democrático possível”. Justamente nesta questão se apresentam os dois problemas que não configuram o atual projeto, ter a dimensão democrática e estar aberto às possibilidades que estão indicadas tanto no PNE 2014-2024, quanto nas discussões em torno da Base Nacional Curricular Comum para o Ensino Médio. De qualquer modo, os efeitos da MP 746 já estão incorporados por meio de 41 alterações ao texto da LDB 9394/1996, como pode ser lido no site do Planalto e consultado aqui.
Vale notar que as ocupações dos estudantes secundaristas têm sofrido repressões arbitrárias. Em Tocantins, aos 27/10/2016, os estudantes foram retirados da escola sob algemas, por ordem do MPTO, como pode ser lido aqui. No Distrito Federal, um juiz do TJDFT, Alex Costa, determinou ação de privação de funcionalidades de habitabilidade e uso de instrumentos sonoros para privação de sono, determinando ainda que os pais ou professores dos alunos não poderiam ter acesso aos adolescentes, contrariando assim o ECA, essa medida arbitrária pode ser lida aqui. Em Santa Catarina, a escola Irene Stonoga foi descocupada com o uso de força excessiva da PM, que estava armada com fuzis gerando insegurança psicológica nos adolescentes, como no relato da aluna Clara Stempkowski, em matéria no site da UBES: “Foi muito assustador para nós, todos estávamos muito amedrontados, eu nunca havia visto uma arma daquele porte, não sabia o que fazer, fiquei tremendo por horas até conseguir me acalmar. Nós pedimos para que eles aguardassem nossos advogados, mas eles insistiram em manter aquela situação”. A matéria completa sobre o caso de Santa Catarina pode ser lido aqui.
Esses relatos têm efeito apenas heurístico. É uma indicação de como está a se reagir diante dessa mobilização das juventudes. Tão temeroso quanto a repressão física é a construção do discurso dessa ação ser “impedimento do ENEM”. Este discurso promovido pelo MEC sobretudo gerou várias desavenças, tendo até entre os estudantes secundaristas aquelas e aqueles que passam a entender o movimento das ocupações como inoportuno. No entanto, o foco é a necessária revisão do projeto de Ensino Médio, imposto pela MP 746, e a discussão sobre o financiamento da Educação, colocado pela PEC 55, em discussão no Senado – para a qual pode ser emitida opinião no site do Senado, que tem Consulta Pública sobre a PEC, que pode ser acessado aqui. E para tanto também se usou o fato lastimável da morte do jovem Lucas Eduardo Araújo Mota, 16, na Escola Estadual Santa Felicidade, no Paraná, em função de desavença entre dois estudantes – matéria pode ser lida aqui – Note na matéria da Agência Brasil como se procura vincular assassinato e ocupação, já no título da matéria.
Tornou-se emblemático o depoimento da aluna do Colégio Estadual Senador Manuel Alencar Guimarães, Ana Júlia, 16, na Assembleia Legislativa do Paraná, que oferece uma visão bem complexa sobre quem são as juventudes que estamos a formar na Educação Básica. Isso oferece pelo menos suspeitas sobre a qualidade social da educação. Vale resgatar aqui o vídeo do depoimento da jovem Ana Júlia: