Entrevista com Jorge Luiz de Barros dos Santos, Presidente da Pereira da Silva em Laranjeiras

Sophia Zaia – RioOnWatch

A favela Pereira da Silva situa-se entre os bairro de Laranjeiras e Santa Teresa na Zona Sul do Rio. Entrando na comunidade, há pequenas placas de madeira com palavras de incentivo: “Pense sobre as coisas que te faz feliz” e “Não desista!”–espalhadas pelo Projeto Morrinho, um modelo em miniatura de favelas do Rio construído por um grupo de jovens moradores da Pereira da Silva que ganhou fama internacional. A comunidade de 8.000 moradores ainda não recebeu uma UPP, mas sofreu a intervenção militar no passado. Apesar da pequena comunidade estar em uma proeminente localização na Zona Sul, os moradores sentem que estão esquecidos para os projetos do governo e a maioria das melhorias são realizadas pela própria comunidade.

RioOnWatch sentou-se para falar com Jorge Luiz de Barros dos Santos–que tem atuado como presidente da Associação de Moradores e Amigos da Vila Pereira da Silva desde novembro de 2015–para saber mais sobre a comunidade Pereira da Silva, a história de vida e o papel de liderança de Jorge, e sua esperança para a comunidade.

RioOnWatch: Há quanto tempo você mora na Pereira da Silva?

Jorge: Nasci aqui no bairro de Laranjeiras e vim direto para a Pereira da Silva. Morei em Sepetiba um ano, mas depois voltei. O bom filho à casa retorna.

RioOnWatch: Quais são suas primeiras memórias da sua comunidade?

Jorge: A gente tinha a liberdade de brincar até a madrugada, subir correndo, jogar futebol até dez horas, soltar pipa.

Tenho algumas memórias daqui que são meio chatas também. Já teve época que foi muito perigoso aqui. Tinha muito tiroteio.

RioOnWatch: Quais foram as maiores mudanças que aconteceram na comunidade de lá para cá?

Jorge: Há 7 anos ou 10 anos aqui era considerado área de risco. Tinha tiroteio constantemente. Hoje em dia já diminuiu bastante, quase não se ouve tiro aqui.

Hoje os caminhos estão concretado, o saneamento básico está melhor. A Comlurb atua melhor. Antigamente, era tudo barro. Chovia e caia tudo. A comunidade já foi urbanizada. Já têm barreiras de proteção nos barrancos que têm risco de desabamento. Quase não têm casas em áreas de risco.

Você conhece o campeão Bebeto? Ele nos ajudou aqui. Ele conseguiu que a gente construísse a creche e deu suporte para vários outros projetos, na época.

RioOnWatch: Quais mudanças você realizou como presidente? Quais mudanças você gostaria de realizar ainda?

Jorge: Coloquei a academia da terceira idade lá embaixo, com aparelhos para os idosos malharem. Nós agora estamos também com academia para as crianças com jiu jitsu, boxe e muay thai. Estamos reformando a primeira Casa da Cultura, pretendemos botar aulas de inglês, espanhol. O intuito é tirar as crianças da rua e colocá-las para terem objetivos.

Às vezes também nós tampamos os buracos quando os canos estouram. Fizemos uma barreira e colocamos uma canaleta que desce no entorno da comunidade, antes do morrinho, e vai até lá embaixo e despeja a água de toda a comunidade para fora, para não cair dentro das casa das pessoas. Estamos trabalhando com a Comlurb na comunidade para nos livrarmos do lixo, e com a Cedae para consertar os canos quebrados. Vamos fazer um cercado para a comunidade não se expandir para a área de proteção ambiental.

Agora nós vamos fazer um processo de reciclagem aqui, por conta própria. Há catadores de material reciclável aqui, e nós podemos usar este material para gerar oportunidades de estágios na comunidade, gerar consciência. Este material também pode ser usado para manutenção. Seriam dois garis comunitários recolhendo garrafas PET, e óleo de cozinha usado, pois óleo pode ser utilizado para fazer sabão, essas coisas. E ali a gente pretende fazer um armazenamento para guardar esse lixo, para distribuir a uma empresa adequada, que possa trazer benefício pra a comunidade. Outro benefício seria trazer os jovens da comunidade para fazerem um curso sobre reciclagem, para que estes jovens possam atuar nessa atividade.

RioOnWatch: O que você faz hoje como presidente de Pereira da Silva? Qual é o seu papel?

Jorge: Meu dever é fazer com que a comunidade evolua, providenciando manutenções, reparos, tudo que traga melhorias para a comunidade. Implantar cursos, representar da melhor forma a comunidade em outros lugares, fazer com que ela seja uma comunidade modelo.

O trabalho de presidente é de 24 horas por dia. Se acontece alguma coisa de madrugada, faltar luz, estourar um cano, você tem que ir. É 24 horas, o tempo todo. Não tem folga.

Nós fazemos reunião, temos mutirões. Fazemos também mutirões para tirar o lixo da encosta. Temos reuniões não só aqui, mas em outras comunidades. Fazemos parte da União Comunitária que realiza várias reuniões para o benefício das comunidades, e falamos muito sobre a Light, sobre a Comlurb, sobre a Cedae e sobre o que pode significar melhorias para a comunidade. A Light é uma das que dá mais dor de cabeça. Não vem consertar postes que estão caídos, inclusive temos um aqui, há bastante tempo, para o qual já solicitamos conserto, e ela não vem. Alguns moradores estão entrando com ação contra a Light, porque estão pagando um valor exorbitante por um serviço que não usam. Em nossas reuniões da União Comunitária falamos sobre isso. Apesar de que também se fala muito de política. Aí eu corro logo, porque não gosto. Tenho um chefe que me ensinou que para fazer o seu trabalho, você não tem que ficar puxando saco de político.

Nós temos reuniões com órgãos públicos de segurança para falar das nossas demandas, do que estamos precisando. Eles nem sempre fazem as mudanças que solicitamos. Na verdade, é difícil o poder público atuar aqui na comunidade, porque ele só procura agir em áreas que interessam a ele, que possam dar mais visibilidade, publicidade, como áreas de muito risco ou áreas pacificadas. Aqui não se trata nem de uma nem de outra, então não iremos gerar mídia para eles.

RioOnWatch: Como os moradores têm recebido esse trabalho?

Jorge: Nós temos a página da comunidade no Facebook, e nela publicamos o que vamos realizar. Os moradores sentem-se agradecidos porque estamos batalhando por algo que irá trazer benefícios para eles. Apesar de que alguns reclamam, aliás, todos reclamam de mudanças. Se há uma obra no meio do caminho, os moradores reclamam: “Ah, vou ter de passar no meio dessa obra!”, mas é preciso entender que a obra vai trazer benefícios, melhorias para eles. Na verdade, ninguém gosta de mudanças, todos sempre ficam com o pé atrás. “Vai fazer obra ali para quê?” Mas depois de finalizada, dizem: “nossa, como ficou bom!”. É sempre assim.

RioOnWatch: O que te levou a concorrer à presidência? Qual foi a motivação?

Jorge: A última presidenta renunciou ao cargo devido à saúde comprometida de seu filho, que precisou se submeter a várias cirurgias. Ficamos quase um ano sem presidência. Então nesse período, a comunidade ficou meio negligenciada. Até que formaram uma chapa pra concorrer à presidência e me chamaram para apoiar, mas algumas pessoas me perguntaram porque eu não concorria à presidência, já que o pessoal da comunidade me respeita e gosta muito de mim. Eu disse que só concorreria se a Paola Victor fosse minha vice. Paola é uma jovem muito respeitada e gosta de fazer um bom trabalho. Então formamos a chapa e concorremos, e foi a maior votação que já ocorreu aqui na comunidade. O pessoal daqui gosta muito de nós.

Fizemos um acordo com a comunidade para que, em vez de um mandato de quatro anos, fosse um mandato de dois anos, pois se a chapa eleita não fizesse um bom trabalho, poderia ser destituída após dois anos, e uma nova eleição seria convocada. Fizemos isso para dar oportunidade à presidência de efetivamente fazer um trabalho que beneficie a comunidade, ou de ser substituída por quem realmente queira fazê-lo. Foi um acordo entre as chapas para o beneficio da comunidade. Caso a presidência esteja fazendo um bom trabalho e a comunidade estiver de acordo, o mandato poderia se estender por mais dois anos.

RioOnWatch: Qual é o seu ideal para a comunidade? Quais são suas esperanças para a comunidade daqui há 10 anos?

Jorge: Maiores mudanças e um centro esportivo que vai ser administrado na quadra. Esse é meu maior objetivo. E também ajudar as pessoas nas áreas mais precárias da comunidade, e que a comunidade fique mais tranquila. Esse é um sonho meu, que acabou sendo também o sonho da minha administração.

RioOnWatch: Você planeja concorrer à presidência de novo?

Jorge: Não vou concorrer à presidência de novo. Só me tornei presidente para fazer as coisas que eu pensava que poderia consertar e quero dar oportunidade para que outros possam vir depois de mim e fazer as coisas ainda melhores.

RioOnWatch: Quais têm sido os maiores desafios que você tem enfrentado como presidente da Pereira da Silva? E as maiores recompensas?

Jorge: O maior desafio são os moradores, porque você tem de convencê-los de que vai fazer o seu melhor. A maior recompensa é quando está tudo pronto. Quando você vê as coisas que planejou acontecendo, que as pessoas estão gostando de ver o trabalho, estão elogiando, quando você ouve as crianças dizendo “Que legal, presidente, ficou bonito!” Essa é a maior recompensa. Não é dinheiro, nós não recebemos nada, é um trabalho voluntário.

RioOnWatch: Quais são as intervenções do governo na comunidade?

Jorge: Como a comunidade não é considerada uma área de risco nem uma favela pacificada, as autoridades não querem vir aqui para resolver as coisas ou assegurar a manutenção das melhorias, por causa da falta de visibilidade, de mídia. Então nós dependemos de nós mesmos para fazer as melhorias, com o apoio de amigos que vêm para ajudar.

RioOnWatch: As Olimpíadas  tiveram algum impacto na sua comunidade? Você acha que os Jogos deixaram um legado?

Jorge: Impacto aqui dentro da comunidade? Nenhum. Nenhum benefício, nada. Legado? Pode até ter. Depende do poder público, que pode deixar um legado duradouro. Mas isso depende deles, de aproveitarem para se reunirem com as comunidades em vez de se fecharem e serem os únicos beneficiários. Mas se eles deixarem o legado apenas para o alto poder executivo, nada vai acontecer. A comunidade vai continuar abandonada.

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