Indígenas manifestam-se contra cortes no orçamento da Funai em Brasília

Tiago Miotto (DF) – CIMI

Indígenas de pelo menos 18 povos diferentes dos estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Rondônia fizeram uma marcha pela Esplanada dos Ministérios, nesta quarta-feira (9), em protesto contra os cortes de recursos no orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e para as políticas públicas voltadas aos indígenas, já completamente precarizadas pela falta de verbas.

A proposta de orçamento apresentada pelo governo Temer ao Congresso Nacional para o ano de 2017 traz, para a Funai, o menor teto de gastos em 10 anos – apenas 110 milhões de reais para despesas no dia-a-dia, um valor que, considerada a inflação acumulada no período, é quase 70% menor do que o orçamento do órgão indigenista em 2007.

Esta situação pode se agravar ainda mais caso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 – agora, no Senado, PEC 55 – seja aprovada. O arrocho de 20 anos que a proposta do governo Temer, conhecida como “PEC da morte”, pretende impor aos investimentos sociais agravaria a já crítica situação da Funai, assim como de outros serviços básicos e indispensáveis aos povos indígenas, como a educação e a saúde indígena.

“Por que eles querem tirar o recurso da Funai? Porque é a Funai que demarca as terras, que vê as coisas dos índios para poder organizar os índios direitos. Agora, eles querem cortar mais dinheiro para não poder demarcar mais as terras”, critica a indígena Gecilha Kraho, presente na manifestação desta manhã, que ocorre enquanto muitos povos indígenas estão presentes em Brasília, lutando contra a retirada de direitos pelo governo na área da saúde indígena.

Depois de serem barrados pela polícia à frente do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), o chefe de gabinete do ministro recebeu uma delegação de cerca de dez indígenas, que manifestaram sua insatisfação com os cortes no orçamento da Funai e sua total contrariedade à PEC 241. Na avaliação dos indígenas, tais medidas inviabilizam por completo as demarcações de territórios tradicionais, já paralisadas, e aumentam o grau de conflito em áreas invadidas por fazendeiros, madeireiros e mineradoras, entre outros.

Menos verbas, mais conflitos

“Lá no base nós morremos pelas balas, aqui em Brasília nos matam pelo papel e pela caneta. Isso vai trazer muito prejuízo para nossas comunidades indígenas Guarani Kaiowá e outros povos de todo o Brasil. Além de ser pequeno o recurso que nós temos, ainda vai cortar mais, isso vai trazer a morte para os Guarani Kaiowá, sem ter acesso à terra demarcada”, criticou o Guarani Kaiowá Elson Canteiro Gomes.

“Nosso futuro depende da demarcação, depende de cumprir o direito que está na Constituição, fruto da luta de muitas lideranças indígenas. Nós estamos morrendo de várias formas, e quando o governo tenta mudar a Constituição ele também está nos matando”, complementou o indígena do Mato Grosso do Sul, estado onde são constantes os ataques paramilitares de milícias organizadas por fazendeiros e o assassinato de lideranças.

“Nós, povos indígenas de Rondônia, ainda tem muita terra que não é demarcada. O meu povo é um que não tem terra demarcada, e o que vai acontecer? Nós já vivemos em uma área invadida por fazendeiros”, critica Hozana de Oliveira Purubora, representante de um dos treze povos indígenas de Rondônia presentes em Brasília nesta semana, que têm, em comum, a insegurança territorial: todos eles ainda aguardam a demarcação de suas terras tradicionais, indispensável para garantir seu modo de vida, sua autonomia e sua sobrevivência.

“Na minha terra mesmo, teve dois grupos de trabalho [da Funai, para identificação e delimitação do território] já, mas desde 2014 o antropólogo não foi mais lá para terminar o estudo, por causa desse enfraquecimento da Funai”, complementa Hozana, que salienta também que o corte de gastos sociais e a PEC 241/55 representam um retrocesso também no acesso dos indígenas ao ensino superior. “Só agora que nós tivemos a oportunidade de colocar nossos filhos para estudar. Com esse teto na educação, os filhos vão ficar à mercê da sorte como nós, os mais velhos, que não tivemos a oportunidade de estudar, de saber se defender na caneta”.

Mudas pelo Cerrado

Durante a caminhada até o MPOG, os indígenas também entregaram mudas de plantas para motoristas na Esplanada dos Ministérios, em um protesto criativo contra o Matopiba, programa de expansão da fronteira agrícola sobre o Cerrado, que incide diretamente sobre territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais.

“As plantinhas que a gente entregou para as pessoas foi para eles verem e sentirem no coração que as plantas também precisam viver, precisam ter as frutinhas delas para os bichos comerem”, explica a indígena Gecilha Kraho, do Tocantins. “Tem a ver com esse Matopiba, tem a ver com a PEC 215, porque eles querem acabar com tudo, eles estão desmatando tudo. Por que o rio tá secando? Justamente por esses desmatamento que eles tão fazendo”.

Barrados na Câmara

Pela tarde, os indígenas iriam acompanhar a sessão da nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra a Funai e o Incra, reaberta depois de vigorar por oito meses e ser concluída sem sequer apresentar um relatório final, em agosto. Apesar do assunto lhes dizer respeito, foram barrados na entrada do Anexo II pela Polícia Legislativa, que logo recebeu o reforço de cerca de 20 policiais.

“A gente veio para poder falar, que nós existimos dentro desse Brasil aqui e o pessoal não respeita nós. Eles pensam que nós somos bandidos, e as pessoas que são bandidos que tão aqui dentro ninguém toma providência”, indignou-se Gecilha.

Apenas cerca de cinco indígenas, dos quase 200 presentes, conseguiram furar o bloqueio, mas foram quase todos novamente barrados, desta vez na porta do plenário onde os parlamentares elegiam a presidência da CPI. Como na edição anterior, nenhuma novidade: o presidente, os três vice-presidentes e o relator – respectivamente os deputados Alceu Moreira (PMDB-RS), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Henrique Mandetta (DEM-MS), Nelson Marquezelli (PTB-SP) e Nilson Leitão (PMDB-MT) – são todos ruralistas e defensores de pautas anti-indígenas, como a PEC 215.

“A gente não pôde ter voz. Ficamos só ouvindo mesmo as barbaridades que os deputados falavam”, relatou Hozana, uma das únicas indígenas que acompanharam a sessão da CPI.

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