Por Mauro Santayana, em seu blog
Reza a lenda – em piada tudo é possível – que, nos tempos em que estava liberada a caça, uma numerosa turma de turistas que fazia um safari em certo país africano, saiu pela manhã do acampamento, deixando, nas barracas, apenas um cozinheiro gago.
Perto da hora do almoço, estava o nosso nobre portador de disfemia cortando grandes filés de um imenso pedaço de carne bovina que havia descongelado, quando, atraído pelo cheiro de sangue, um leão introduziu-se, silenciosamente, na tenda, por trás dele.
Caçando, também, há dias, sem sucesso, ao ver a carne recém cortada e o cozinheiro, que – para o leão, naturalmente – não era de se jogar fora, já que estava, digamos assim, um pouco acima do peso, foi natural que o estômago da fera se manifestasse, com um longo, profundo e poderoso ronco, que fez com que o homem se virasse, apavorado, dando de cara com o felino, a enorme juba desgrenhada e os olhos vermelhos, já retesado para o salto, com a bocarra semi-aberta, de onde escorriam, viscosos, grossos fios de saliva.
Paralisado pelo medo, primeiro, apenas, com o barulho que saía das entranhas do bicho, e depois pela pavorosa visão que estava à sua frente, o cozinheiro, tremendo como vara verde, apoiou, para não cair, o cabo da faca enorme que estava em sua mão na mesa, e, sentindo as pernas desfalecerem, foi escorregando lentamente para o chão, na expectativa de desmaiar de pavor debaixo do móvel, e a esperança de que o leão comesse primeiro a carne que já estava fatiada e só depois a dele.
Foi nesse mesmo instante que deu-se o desenlace, trágico – para um dos lados – do episódio.
O leão, rugindo, saltou por cima da mesa, certamente para alcançar, primeiro, o cozinheiro, mas acabou caindo sobre a faca que o outro estava segurando, e, ferido de morte, arrastou-se, moribundo, para fora, onde, em frente à entrada do acampamento, deu, deitado, o último grunhido.
Tremendo, sem acreditar que o animal estava mesmo morto, o gago aproximou-se do leão, e, com muito cuidado, levando nisso quase meia hora, aproximou o pé da sua cabeça, cutucando de leve seu pescoço com a ponta da bota.
E estava ele nessa atitude, com a faca ensanguentada ainda na mão direita, quando surgiu, no horizonte, o grupo de turistas, que, frustrados por não terem caçado nada, voltava ao acampamento para o almoço.
À medida em que se aproximavam, se apercebendo da cena, os caçadores davam vivas e batiam palmas para o mestre-cuca, que, tudo indicava, havia matado o leão praticamente à unha, sozinho e armado apenas de seu instrumento de trabalho.
O cozinheiro, por sua vez, parecia que, excitado com a situação, também comemorava efusivamente o acontecido.
Com surpreendente agilidade, ele havia subido para cima de umas grandes caixas de madeira, e, dirigindo-se aos companheiros que chegavam, levantando as mãos para o céu, descia o braço direito, apontando repetidamente a faca para eles, gritando Hip… Hip….Hip…. Hip…Hip…Hip… aos quais, a cada vez que isso ocorria, os outros respondiam, ruidosamente, Hurra! Hurra!, Hurra!
E foi assim, na maior euforia, que, em poucos minutos, morreram todos, incluído o cozinheiro, esmagados pela manada de hipópotamos cuja aproximação não tinham ouvido, por trás deles, e que, esmigalhando tudo, passou sobre o acampamento como um tsunami.
Como aqueles que desenvolveram a tese de que a queda da União Soviética correspondia à vitória do Ocidente sobre o mundo e a uma espécie de “Fim da História”, – até que a história esmurrou brutalmente os EUA em uma certa manhã de setembro, com a sutileza de dois boiengs cheios de passageiros batendo nas torres do World Trade Center – tem gente que, no contexto da morte de Fidel Castro, ocorrida ontem, só está vendo o cozinheiro pulando em cima dos caixotes.
Enquanto os conservadores e os anticomunistas de plantão estão dando hurras ao gago, comemorando a morte do velho leão barbado e, mais uma vez, o fim do socialismo como alternativa utópica a um capitalismo e a uma democracia muitas vezes imperfeitos e hipócritas, como se vê pela controversa eleição indireta de Donald Trump, nos EUA, fingindo, malandramente, que só existem dois países comunistas no mundo, Cuba e a Coréia do Norte; a China faz o papel do improvável, porém didático, tropel de hipopótamos, atropelando e atrapalhando, velozes e furiosos, a história segundo os privilegiados, o faz de conta dos imbecis, o seu discurso superficial, artificial, midiático, manipulado, tão sólido, consistente e profundo como um colarinho de chopp.
Tirando um bilhão de pessoas do subdesenvolvimento.
Transformando-se, embora com um regime de partido único e um sistema financeiro e produtivo altamente estatizado – e 5 trilhões de dólares em reservas internacionais – no maior credor do planeta e na segunda maior economia do mundo – por enquanto.
Sem deixar de ser, ao lado da Rússia e da Índia, também uma poderosa potência espacial e atômica.
Ora, o que seria do azul se todos gostassem do amarelo?
Se o mundo não tivesse opções, e fosse unipolar e hegemônico, alguém duvida de que já viveríamos sob um governo único, autoritário e tirânico?
A História só irá acabar, senhores, quando e se um dia, acabar a desigualdade, a hipocrisia, a exploração do homem pelo homem, de países por outros países, a humilhação, a maldade e a covardia.
Por uma razão muito simples, cristalina:
Dinâmica e incontrolável, caprichosa como uma amante volúvel, ou uma folha ao vento que precede as tempestades, a História ainda é o melhor, senão o único, antídoto, de que dispõem o Homem, a Humanidade, contra a opressão, a injustiça e a infâmia.
–
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.