Oito homens têm tanta grana quanto metade do mundo. E há quem ache bonito, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

O patrimônio somado de oito bilionários é equivalente à riqueza conjunta dos 3,6 bilhões mais pobres do planeta, ou seja, metade do mundo, de acordo com estudo da Oxfam divulgado por ocasião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Em 2010, eram 388 bilionários possuindo o mesmo que a metade mais pobre. A concentração foi aumentando ao longo dos anos até agora. E a tendência, segundo a organização, é piorar.

Os oito, todos homens, são Bill Gates, da Microsoft, Amancio Ortega, da Inditex (que controla a Zara), Warren Buffett, da Berkshire Hathaway, Carlos Slim, do Grupo Carso, Jeff Bezos, da Amazon,Mark Zuckerberg, do Facebook, Larry Ellison, da Oracle, e Michael Bloomberg, da Bloomberg.

Antes de mais nada, vale desenhar porque muita gente tem a cognição afetada quando o assunto é riqueza.

O problema não é ter dindim, erva, bufunfa, grana, mas a desigualdade de Justiça e de oportunidades ser tão gritante que dói.

O problema não é alguém ter um apartamento de 400 metros quadrados enquanto outro mora em um de 40. O que desconcerta é uma sociedade que acha normal um ter condições para desfrutar de um apê de 4 mil metros quadrados enquanto o outro apanha da polícia para manter seu barraco em uma ocupação de terreno, seja em Itaquera, Grajaú, Osasco, Pinheirinho, Eldorados dos Carajás, onde for.

Não é inveja, incauto leitor. É indignação diante de uma cena de terror.

A Oxfam propõe que governos aumentem impostos sobre grandes fortunas e de rendas mais altas e que atuem para que os mais ricos não conseguiram adotar formas de pagar menos imposto proporcionalmente com os mais pobres.

As recomendações são as mesmas que este blog vem defendendo há anos. A taxação de lucros e dividendos de empresas, impostos decentes sobre grandes fortunas e sobre grandes heranças, uma alteração da tabela do Imposto de Renda (cobrando alíquotas de 35% a 40% de quem ganha muito e isentando a maior parte da classe média) e a redução do teto da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário são ações no sentido de desconcentrar renda.

Se alguns pagarem mais imposto, a maioria pode pagar menos, considerando que, hoje, os muito ricos pagam, proporcionalmente, menos imposto que os mais pobres.

Essas ações não resolvem os problemas do país. Mas seriam ótimas ações para indicar o tipo de sociedade que gostaríamos de construir: Um país que acredita na redução da desigualdade como elemento fundamental para o desenvolvimento coletivo ou um que tem um orgasmo coletivo toda vez que um bilionário brasileiro sobe um degrau no ranking de bilionários globais.

Sim, pobre que sente prazer com o tamanho da fortuna alheia é patologia recorrente por aqui.

Ao invés disso, vemos circular declarações de advogados de gente rica reclamando da ”criminalização da riqueza” no país.

No dia em que a parte rica, a caminho da praia de domingo, ser revistada pelo poder público e ter que voltar para casa pois é suspeita de futuros crimes, como o novo secretário municipal de Ordem Pública afirmou querer retomar com os mais pobres da periferia da capital carioca, daí acho que essa ”solidariedade” de classe faria sentido. E, olha, os crimes dos ricos são mais danosos à sociedade do que o crime dos pobres…

Não é criminalizar quem é rico. Mas é rediscutir um sistema que faz com que os muito ricos sejam ainda mais ricos, enquanto os mais pobres vão virando geleia.

O então senador Fernando Henrique Cardoso, antes de pedir que esquecessem o que ele escreveu, defendeu a taxação de grandes fortunas no Congresso Nacional. Luiz Inácio Lula da Silva, antes de chamar os usineiros e não os cortadores de cana de ”heróis”, também defendia a redução na jornada de trabalho. O poder muda as pessoas, é fato. O pior é ter que ouvir que isso não é mudanças, apenas resultado da ampliação da consciência.

Infelizmente, estamos indo na contramão. E os mais pobres no Brasil foram, novamente, os escolhidos para pagar o pato pela crise. O governo Michel Temer conseguiu a aprovação de uma emenda constitucional que, na prática, vai impedir novos investimentos em áreas como educação e saúde pelos próximos 20 anos. Ao mesmo tempo, está propondo uma reforma da Previdência Social que fará com que trabalhadores, principalmente os braçais, sofram e talvez nem consigam se aposentar. Isso sem contar um reforma trabalhista que vai tirar direitos que garantem um mínimo de dignidade aos mais pobres.

O déficit público precisa ser equacionado e soluções amargas devem ser propostas e discutidas. Mas, como venho dizendo aqui, o governo Michel Temer demonstra um carinho grande com o andar de cima ao propor uma medida que limitará gastos públicos – o que afeta a xepa – e evitar as que tirem uma pequena lasca dos mais ricos, como as já citadas.

Entendo que este grande barco chamado Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto em suas cabines. Não estou propondo uma revolução imediata para que cabines deixem de existir – apesar de ser uma maravilhosa utopia. O ideal, pra já, seria que as cabines de terceira classe contassem com a garantia de um mínimo de dignidade e as de primeira classe pagassem passagem proporcional à sua renda.

E que, ao contrário do Titanic, houvesse botes salva-vidas para todos e não apenas aos mais ricos.

Na prática, contudo, seguimos sendo um navio que carrega escravos, como vem se provando, com parte dos passageiros chicoteando a outra parte. Afinal, o Brasil ao invés de buscar medidas que amortecessem o sofrimento dos mais pobres, que são os que mais sentem uma crise econômica, tenta preservar os mais ricos e as associações empresariais que os colocaram lá. Esquece (ou ignora) que democratizar a chicotada também é por uma questão de justiça social.

Já passamos da hora de rediscutir esse sistema que, em todos os momentos, de crise ou de bonança, faz com que os muito ricos sejam poupados, enquanto os mais pobres virem geleia.

O que será muito difícil, pois são os representantes dos muito ricos que fazem geleia dos muito pobres.

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