Se a cada dia parecemos mais vencidos, a derrota tem uma vantagem: ela nos força a pensar de outra maneira. É preciso fazer do pensamento uma conspiração cotidiana, uma insurgência indomável (Texto de abertura da série de cordéis político Pandemia, constituída pela N-1 edições, editora parceira em Outros Quinhentos)
Por Peter Pal Pelbart* – Outras Palavras
Estamos em guerra. Guerra contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres, contra os indígenas, contra os craqueiros, contra a esquerda, contra a cultura, contra a informação, contra o Brasil. A guerra é econômica, política, jurídica, militar, midiática. É uma guerra aberta, embora denegada; é uma guerra total, embora camuflada; é uma guerra sem trégua e sem regra, ilimitada, embora queiram nos fazer acreditar que tudo está sob a mais estrita e pacífica normalidade institucional, social, jurídica, econômica. Ou seja, ao lado da escalada generalizada da guerra total, uma operação que a abafa em escala nacional. Essa suposta normalização em curso, essa denegação, essa pacificação pela violência — eis o modo pelo qual um novo regime esquizofrênico parece querer instaurar sua lógica, em que guerra e paz se tornam sinônimos, assim como exceção e normalidade, golpe e governabilidade, neoliberalismo e guerra civil. Nada disso é possível sem uma corrosão da linguagem, sem uma perversão da enunciação, sem uma sistemática inversão do valor das palavras e do sentido do próprio discurso, cujo descrédito é gritante. (mais…)
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