MPL e o eterno 2013

Movimento nega que tenha cooperado com queda de Dilma, expõe polêmicas com Haddad e anuncia que não fará mais protestos enquanto tarifa em SP não estiver definida

Por Igor Carvalho – Outras Palavras

No último dia 12 de janeiro, como acontece desde 2006 toda vez que há um aumento das tarifas de transporte público em São Paulo, o Movimento Passe Livre (MPL) saiu às ruas. Protagonista de um dos maiores levantes populares da história brasileira, o movimento convive, e deverá conviver ainda por muitos anos, com o fantasma do junho de 2013.

Desde então, estabeleceu-se um fetiche em torno do MPL. Dos atos menores, que passavam desapercebidos pela população, o movimento passou a ter seus passos acompanhados de perto pela imprensa, que costuma povoar as manifestações.

No âmbito político, por ser uma organização horizontal, sem uma liderança estabelecida que fale em nome de todos e avesso a publicidade ou aparições constantes, o MPL é alvo de diversas teorias que passam a ser repetidas, sem qualquer resposta. Uma delas, de que o movimento seria responsável pela queda da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), um golpe parlamentar.

Há muito rancor ainda sobre 2013…Quem afirma que o MPL de alguma forma favoreceu ou cooperou com o golpe contra ela [Dilma] não entendeu nada e ainda está completamente perdido sobre tudo que aconteceu em 2013”, afirmam militantes do movimento, que preferiram não se identificar, em entrevista exclusiva.

Em 2017, a primeira manifestação chamada pelo MPL foi marcada pelo imbróglio envolvendo a Justiça paulista e os governos municipal e estadual. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito João Dória Jr (PSDB) anunciaram o aumento no valor da integração, um reajuste camuflado. Porém, dias depois, a manobra foi impedida nos tribunais.

Agora, o movimento anuncia que não irá mais chamar manifestações enquanto não for definido se haverá aumento. “O ato do Capão Redondo [marcado para esta quinta-feira, 26] é uma demanda da população local, que nos chamou e pediu para que ajudássemos com uma manifestação lá, já para pressionar o Dória que quer cobrar R$ 1 na baldeação em alguns terminais de São Paulo, entre eles o do Capão Redondo.”

Confira a entrevista na íntegra:

Por que o próximo ato (dia 26 de janeiro) será no Capão Redondo, um bairro afastado da região central?

O movimento avaliou que não há muito sentido continuar chamando atos contra o aumento enquanto a Justiça continuar barrando o aumento. Se o aumento se confirmar, chamaremos as manifestações com certeza. O ato do Capão Redondo é uma demanda da população local, que nos chamou e pediu para que ajudássemos com uma manifestação lá, já para pressionar o Dória que quer cobrar R$ 1 na baldeação em alguns terminais de São Paulo, entre eles o do Capão Redondo.

Os últimos atos do MPL em 2016 e os dois primeiros de 2017, voltaram a ter o mesmo tamanho que tinham antes de 2013, ficaram menores. Apesar da proporção tomada pelas manifestações de 2013, a população não manteve seu interesse pelas pautas de mobilidade e transporte público. Por que?

As manifestações de rua no Brasil ganham grande proporção em momentos esporádicos, não é uma tradição brasileira. Se formos ver, antes de 2013 a grande mobilização foi a campanha das “Diretas Já”, porque o “Fora Collor” foi algo manipulado pela mídia. Antes das “Diretas Já”, só na década de 1960 pelas reformas de base. Antes de 2013, quem fazia manifestações pelo Brasil eram os sindicatos, com boa capacidade de mobilizar as pessoas mas sem incomodar o sistema. Acontece que criou-se uma fantasia sobre 2013 e todo mundo acha que pode se repetir a cada manifestação contra o aumento das tarifas. Agora em 2017, a Justiça barrou o aumento da passagem e isso foi divulgado incessantemente pela grande mídia durante todo o dia. Por conta disso as pessoas não foram às ruas. Quando realmente aumentar a passagem, porque achamos que vai aumentar, quando o usuário do transporte sentir esse aumento, a manifestação vai aumentar. Vale lembrar que as primeiras manifestações de 2013 também não eram grandes, elas foram crescendo de um ato para o outro.

Alguns setores acusam o MPL de permitir que em 2013, durante as manifestações, começasse um processo que culminou no golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff. Um dos episódios utilizados para justificar tal afirmação era o pedido de que não houvesse bandeiras de partidos, de qualquer orientação, nas manifestações. O que o movimento pensa dessa acusação?

Sobre as bandeiras, é importante dizer que o MPL é apartidário mas não é anti-partido, o movimento luta por outro tipo de sociedade, uma sociedade anticapitalista, mas vivemos em um Estado democrático de direito e a organização partidária é um importante avanço, não é o que nós vislumbramos, mas você poder se organizar em um partido é um avanço dentro da democracia burguesa e nós reconhecemos isso. Então, todo partido que quiser lutar contra a tarifa, é bem vindo. Todo partido que quiser lutar pela tarifa zero é bem vindo. Na verdade, a hostilização à bandeiras de partidos havia desde o primeiro ato, já que o movimento conseguiu aglutinar nas ruas anarquistas, punks e muita juventude de esquerda. Os anarquistas já pediam a retirada de bandeiras desde o primeiro ato e isso gerava conflitos que nós conseguíamos administrar.

Porém, quando a mídia começou a divulgar essa prática ganhou outra proporção. Pessoas que não necessariamente eram de direita, já que a grande maioria dos manifestantes que foram às ruas em 2013 não estavam acostumadas a ir em atos e não dominavam o conceito de direita ou de esquerda, começaram a se virar contra os partidos, já que o modelo está realmente esgotado. A cada eleição que passa, aumenta o número de votos brancos e nulos e a esquerda não faz essa leitura, é mais fácil jogar a culpa nos outros. A luta de 2013 ainda vai nos trazer muitos frutos, muitos jovens se inseriram na luta e na política a partir da experiência de junho de 2013. Sobre a queda da Dilma, quem afirma que o MPL de alguma forma favoreceu ou cooperou com o golpe contra ela não entendeu nada e ainda está completamente perdido sobre tudo que aconteceu em 2013. Aliás, essas críticas normalmente nascem do campo ligado ao PT, mas em 2013, desde o começo dos atos, a Juventude do PT, a UJS, o Levante Popular e todo o antigo campo popular estavam presentes desde o primeiro ato. A verdade é que toda análise sobre 2013 ainda é muito passional no Brasil, ainda há muito rancor nas análises.

Em que medida a imprensa cooperou para que a pauta fosse politizada e não discutida?

Os partidos tradicionais e a mídia são responsáveis por politizar a pauta, deixando de lado o debate sobre o que ela significa para a população que precisa realmente do transporte público. Numa cidade como São Paulo, se você fica sem acesso ao transporte público, perde o direito de ir e vir. A grande mídia está vinculada ao capital e aos interesses das elites que estão no poder. A mídia dita de esquerda, que surgiu na última década, está debaixo do PT, defende o projeto de poder do partido e atrapalham o debate por conta disso.

Por que a relação com o ex-prefeito Fernando Haddad foi tão complicada?

O Haddad é fruto de uma crise do PT, já que a grande mídia minou, perseguiu e massacrou as principais lideranças do partido, que ficou sem alternativas fortes para disputar as eleições. Haddad e Dilma foram escolhas de Lula, dois quadros absolutamente técnicos. A margem de lucro dos empresários de ônibus em São Paulo é de 18% em média. O Haddad havia prometido ainda na campanha que faria uma nova licitação para baixar esse lucro absurdo. Porém, ele se comprometeu com os empresários e não realizou a nova licitação, pelo contrário, renovou o contrato com as mesmas empresas. O Haddad quis implantar o modelo do PT, de pacto de classes, promovendo uma aliança com o empresariado para buscar alguns benefícios para a população mais pobre. Porém, esse modelo está em crise.

Isso é muito triste, porque o Haddad é bem preparado, um intelectual importante, mas ele tem um problema ideológico, é um social democrata que acredita no pacto de classe, um modelo que se mostrou ineficaz. Sobre a relação com o MPL, o Haddad só ocupou cargos técnicos antes da Prefeitura e a inexperiência dele pode ter interferido. Em 2013, o [Geraldo] Alckmin, uma raposa velha, conseguiu levar melhor a crise do que o Haddad.

O Haddad poderia ter aproveitado aquelas manifestações e recuar do aumento antes do Alckmin. No final agiu como o Alckmin, se absteve do debate e sobre o tema da tarifa, falou muita bobagem. Como alguém tão capacitado e que se anuncia de esquerda pode falar que “não existe almoço grátis”?  No começo do ano, muitos que nos acusavam de focar no Haddad, pediram atos contra o Doria. Não precisa pedir, quem anunciar aumento de tarifa será alvo de protestos do MPL, não importa se PSOL, PT, PSDB, DEM ou PMDB.

Vocês são acusados de não se envolverem em outras pautas, focando apenas na questão do transporte e da tarifa. Se sim, por que essa opção?

Antes, é importante falar que qualquer coisa envolvendo o MPL gera polêmica. Os ataques que o MPL sofre hoje, são os mesmos que o PT sofria lá atrás, após sua fundação. Isso porque o PT incomodava muito, assim como 2013 incomoda muita gente, há muito rancor ainda. O MPL representa uma ameaça para a direita e para a esquerda tradicional, porque é um movimento que eles não conseguem colocar sob controle deles. O MPL é um movimento social que luta pelo transporte público e pela mobilidade urbana. Porém, isso não significa que os integrantes do movimento não atuem em outras lutas, os nossos militantes são de diversos segmentos da esquerda. O MPL tem parceria com diversos movimentos autônomos e ajuda com diversas pautas, temos importantes lutas ao lado do MTST, com o Coletivo DAR e com os secundaristas, por exemplo.

O movimento encolheu de 2013 para cá? Quantos militantes estão nas fileiras do MPL hoje?

Tivemos um aumento de militantes. É importante as pessoas entenderem que um movimento de transporte tem uma dinâmica de funcionamento diferente, por exemplo, de um movimento de moradia, em que as pessoas estão aglutinadas em um mesmo local, na ocupação ou no assentamento. Agora, um movimento como o nosso possui uma militância diversa e de diferentes partes da cidade, que tem dificuldade de atuar em bloco por conta até das distâncias. Hoje, na Grande SP, o MPL deve ter aproximadamente 150 integrantes orgânicos. Porém, há muita gente que participa e atua de atividades do MPL mas que não estão nas reuniões e nem atuam organicamente dentro do movimento.

E a participação dos Black Blocs nos atos?

O MPL não pauta como as pessoas devem se comportar na manifestação. O movimento não fará papel de polícia, chamamos um ato e vai quem quer, não somos vanguarda dos manifestantes e nem queremos ser. Nos preocupa mais a postura da PM, que é usada politicamente pelo governo. Uma coisa que ninguém refletiu é: ano passado fomos até a casa do Haddad e a PM nos deixou chegar lá, onde fizemos nosso protesto e muito barulho. Agora, em 2017, iríamos à casa do (João) Dória, mas a PM nos impediu de chegar ao local. Mais uma vez ficou evidenciado que a PM é um braço político do Alckmin. A polícia é irresponsável nos atos, provocam massacres.

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