João Vitor Santos – IHU On-Line
A miopia é uma doença ocular que faz com que os objetos próximos sejam vistos claramente, mas os objetos distantes não. O governo de Michel Temer tem se colocado bem próximo de ruralistas e do grande agronegócio e, ao mesmo tempo, distante outras demandas que vem do campo. Um exemplo claro é a demarcação de terras indígenas, assim como todo política indigenista. A partir da entrevista com Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, podemos concluir a miopia na relação do governo com os povos originais, enxergando claramente apenas dos diretos de ruralistas. “Tivemos demonstrações de que não há uma visão política sobre isso, a não ser o interesse em fragilizar os direitos territoriais, demonstrado com as propostas de mudança dos procedimentos de identificação de terras indígenas”, aponta.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Adriana também analisa o desmonte a que vem sendo submetida a Fundação Nacional do Índio – Funai. “Já há tempos a Funai sofre com falta de recursos orçamentários e com a pressão política sobre a área responsável por analisar os licenciamentos, entre outros problemas”, dispara. Para ela, a miopia governamental também faz com que o órgão seja visto somente como um entrave para projetos de infraestrutura. Perspectiva que, aliás, segundo Adriana, não vem de hoje. “A ofensiva contra os direitos constitucionais dos povos indígenas já vem sendo gestada por vários setores como o do agronegócio e da mineração há tempos. Sempre esteve aí, mas ganhou força no governo anterior”, recorda. Para ela, o problema é que hoje “entidades representativas do agronegócio assumiram como prioridade a paralisação e a mudança dos processos de demarcação de terras indígenas, e têm pressionado fortemente os governos nesse sentido”.
Adriana Ramos é coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental, é membro da diretoria executiva da Associação Brasileira de ONGs – ABONG e representante das organizações da sociedade civil no Comitê do Fundo Amazônia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia as ações do governo de Michel Temer no que diz respeito a política e atenção aos povos originais?
Adriana Ramos – Não tivemos até agora ações do governo sobre a política e a atenção aos povos indígenas. Tivemos demonstrações de que não há uma visão política sobre isso, a não ser o interesse em fragilizar os direitos territoriais, demonstrado com as propostas de mudança dos procedimentos de identificação de terras indígenas. Ou seja, a avaliação é ruim, porque não há ações no sentido de implementar uma política.
IHU On-Line – Qual sua avaliação sobre as trocas de comando na Fundação Nacional do Índio – Funai? Qual é a situação do órgão hoje?
Adriana Ramos – A Funai tem sido prejudicada pela inexistência de uma política clara, e o loteamento partidário de seus cargos é preocupante. Já há tempos a Funai sofre com falta de recursos orçamentários e com a pressão política sobre a área responsável por analisar os licenciamentos, entre outros problemas. Infelizmente a Funai é vista dentro do governo como o órgão que trava os projetos de infraestrutura porque impactam terras indígenas.
IHU On-Line – Como interpreta, em termos de política indigenista, a presença de militares no comando de órgãos como a Funai?
Adriana Ramos – O que é fundamental é o governo ter claro e público o que pretende com a política indigenista. Sem assumir objetivamente uma estratégia, a nomeação por indicação partidária de pessoas que não tem posição pública sobre a questão indígena é sempre preocupante.
IHU On-Line – Em que medida é possível se afirmar que a ofensiva contra direitos constitucionais a povos indígenas começou a ser gestada ainda no governo petista?
Adriana Ramos – A ofensiva contra os direitos constitucionais dos povos indígenas já vem sendo gestada por vários setores como o do agronegócio e da mineração há tempos. Sempre esteve aí, mas ganhou força no governo anterior. Nos últimos anos, entidades representativas do agronegócio assumiram como prioridade a paralisação e a mudança dos processos de demarcação de terras indígenas, e têm pressionado fortemente os governos nesse sentido.
IHU On-Line – Quais foram os limites e avanços nas demarcações de terras durante os governos de Lula e Dilma Rousseff?
Adriana Ramos – O governo Lula avançou bem, mas o governo Dilma foi o que teve a pior performance historicamente, segundo o trabalho de monitoramento de demarcações que é feito pelo Instituto Sócio Ambiental – ISA. Acesse o trabalho aqui.
IHU On-Line – No início de seu governo, Michel Temer anunciou que revisaria todas as portarias declaratórias e decretos de homologação de Terras Indígenas feitas durante a gestão de Dilma Rousseff. Mas, no que consiste essa revisão? E como está a questão hoje?
Adriana Ramos – A revogação das decisões tomadas pelo governo anterior seria inconstitucional, uma vez que os atos que reconhecem direitos territoriais indígenas não podem ser simplesmente revogados pelo Poder Executivo. Isso não aconteceu, mas vemos pelas tentativas de mudanças nos procedimentos de demarcação que persiste a pressão pelo não reconhecimento dos direitos territoriais.
IHU On-Line – O que está em jogo nas discussões de hoje do Ministério da Justiça sobre a revisão de procedimentos para demarcações de terras indígenas?
Adriana Ramos – Não há discussões públicas do Ministério da Justiça sobre esse tema, então não se pode dizer o que está em jogo. Mas o que está na pauta política dos que defendem a revisão dos procedimentos é tentar reverter o alcance dos direitos constitucionais. Seja impedindo novos reconhecimentos, seja revendo processos já em andamento. É um equívoco achar que a alteração do procedimento demarcatório vai resolver o problema.
IHU On-Line – No que consiste a portaria editada pelo Governo Temer que alteram os procedimentos de demarcação de terras indígenas no país, instituindo o Grupo Técnico Especializado – GTE?
Adriana Ramos – A última versão da portaria cria um grupo que deverá assessorar o ministro da Justiça na análise dos processos de identificação que vem da Funai para publicação. O risco é que esse seja um modo de politizar a decisão, que é de um grupo técnico.
IHU On-Line – Qual a situação de demarcação de terras no Brasil hoje e quais as regiões mais conflituosas e críticas?
Adriana Ramos – O Brasil já demarcou aproximadamente 2/3 das terras indígenas. O processo avançou mais na Amazônia, e o terço restante está nas regiões onde a situação é mais complexa. A região mais conflituosa é o Mato Grosso do Sul, onde a população indígena é grande e vive em terras pequenas, uma parte ainda não reconhecida.