Um ministro da Justiça a serviço dos ruralistas

Apesar de estar em vigor desde 1988, grupos ligados ao agronegócio sempre se opuseram a lei de demarcação de terras

Guilherme Xukuru*, no Brasil de Fato

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, é o que preconiza o artigo 231 da nossa Constituição.

Apesar de estar em vigor desde 1988, os grupos ligados ao agronegócio sempre se opuseram e buscaram formas de inviabilizar as demarcações. A mais recente ofensiva dos latifundiários aos direitos indígenas foi publicada no Diário Oficial da União do último 18 de janeiro, pelo ministro da “Justiça”, Alexandre de Moraes, alterando o decreto 1.775 de 1996, que regulamenta o procedimento administrativo de demarcação.

Dentre as alterações está a possibilidade de o ministro rever estudos antropológicos elaborados durante o procedimento administrativo realizado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Traz também como novidade, em um dos pontos, “o cumprimento da jurisprudência do STF sobre a demarcação de terras indígenas”. É uma referência à pauta da Bancada Ruralista no Congresso Nacional, que defende o “marco temporal” – ideia de que o direito dos povos indígenas à posse de seus territórios tradicionais teria como condição que o povo estivesse na referida terra na data de promulgação da Constituição.

Mas o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem outro entendimento. No processo em que decidiu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ficou definido que o acórdão do caso não se aplicaria automaticamente a outras terras. A ideia do “marco temporal” despreza toda a perseguição com os povos indígenas durante 500 anos antes da Constituição.

A alteração feita pelo ministro fala na possibilidade de criar “meios de participação das partes interessadas, diretamente ou por meio de organizações”. Mas, apesar de citar várias organizações, não coloca nenhuma entidade indígena, como por exemplo o Conselho Nacional de Política Indigenista, que é constituído dentro do próprio Ministério da Justiça, com indicações das organizações indígenas.

Sem dialogar com o movimento indígena, a alteração desrespeita a consulta livre, prévia e informada que está assegurada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Ao submeter a demarcação a uma decisão política do ministro, fica claro que essa é uma medida para atender aos interesses de quem invade as terras indígenas.

*Guilherme Araújo, ou Guila, é estudante de direito e integra a Poya Limolaygo, articulação de juventude do seu povo, e participa da Comissão de Juventude Indígena de Pernambuco (COJIPE).

Imagem: Guilherme Araújo, ou Guila, é jovem indígena Xukuru do Ororubá / Arquivo pessoal

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