Injustiça ambiental e resistência na rotina dxs pescadorxs da Ilha de Maré

Em respeito e apoio à luta dos pescadorxs da Ilha de Maré (BA) que ocuparam na manhã de ontem (14/02/17), a sede da Companhia das Docas do Estado da Bahia, apresentamos impressões de representantes da Rede Brasileira de Justiça Ambiental que estiveram na Ilha, no final de janeiro, e viram a dramática realidade e os desafios de comunidades pesqueiras.

Por Zoraide Vilasboas, do Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania

De férias no Nordeste, o ativista socioambiental, Sebastião Raulino, não só pôde apreciar, e se deliciar, com as belezas naturais que a Bahia ainda conserva, em meio ao processo crescente de especulação imobiliária e à consequente devastação da Mata Atlântica. Ele usou boa parte do seu tempo “livre” para rever amigxs e falar da campanha que combate a “civilização petroleira”, defende áreas livres de petróleo e ”territórios livres para a vida”!  

Certamente o militante, que trouxe na bagagem, muito papo sobre a campanha “Nem um poço a mais”, ficou visto por algumas das pessoas do grupo –com quem veio do Rio de Janeiro – como um aplicado ambientalista.  Afinal, o tema parecia lhe interessar mais, do que usar todos os minutos da viagem para tentar descobrir “o que a Bahia tem”.

Da primeira parada (Morro do São Paulo) em diante, Sebastião só queria encontrar xs amigxs de luta.  Na sexta-feira (27/01) foi bater na Reserva Ecológica Ilha de Maré, que fica na Área de Proteção Ambiental da Baía de Todos os Santos, em meio a empresas transnacionais de industrialização e hotelaria, terminais marítimos como o Porto e a Base Naval de Aratu (a cerca de 1 Km da Ilha), além de atividades de extração e beneficiamento de petróleo. Na foto acima, um papo com marisqueiras e um pescador-mirim que, na comunidade de Martelo, “tratavam” o molusco a ser consumido e vendido.

A caminho de Maré passou por Candeias, município que está entre os primeiros colocados no ranking de participação no PIB baiano por pertencer à cadeia de produção de petróleo, abrigando poços e tubulações enormes que levam o óleo até a Refinaria Landulfo Aves, em São Francisco do Conde, ambos no entorno do Polo Petroquímico de Camaçari. Na cidade de Candeias viu um centro urbano desordenado e condições de vida precárias. Passou também pelo distrito de Passé, onde embarcou para a Ilha, observando um córrego, transformado em valão de esgotos e lixo a céu aberto, desembocando num rio próximo, comprometendo a qualidade da água e a saúde coletiva. “Apesar da prefeitura receber os royalties do petróleo, este drama  local reflete a realidade nacional de falta de investimento, transparência e controle em saneamento e saúde”, comentou.

Maré abriga as comunidades de Itamoabo, Botelho, Santana, Neves, Praia Grande, Bananeiras, Maracanã, Caquende e Martelo. Em Porto dos Cavalos, Sebastião encontrou a pescadora Eliete Paraguaçu e outros pescadores. Em frente à casa de Eliete, fincada praticamente entre o mar e o mangue, e em outros pontos de encontro na Ilha, a conversa fluiu tranquila sobre violação de direitos humanos, a poluição química –que tem contaminado o ambiente e adoecido muitos dos pescadorxs –, ameaças à pesca artesanal, racismo ambiental e a necessidade de resistir contra a “civilização petroleira”.

Sebastião conheceu essa líder das comunidades quilombolas, na Rede Brasileira de Justiça Ambiental e tudo que queria era ver a pessoa em seu território, alegre, apesar das dificuldades do dia a dia. “A gente, que atua em rede, nos vemos em seminários, dançamos em rodas de cirandas e vamos estabelecendo uma relação de amizade, de solidariedade. Conhecer o outro em seu local de moradia, reforça mais os laços. Acho que traz mais humanidade para a nossa luta, pois passamos a compreender melhor o que elas falam, e a realidade fica fazendo parte da nossa própria existência. A felicidade dela, no ambiente que vive, tem a ver com a própria luta local.”

A grande questão é a insegurança de não saber até quando os filhos e netos, vão poder desfrutar daquele ambiente, daquele modo de vida, do banho de água salgada nos fundos da casa, convivendo com os manguezais. Um estilo de vida ameaçado pela refinaria, pelos poços e dutos, que atravessam a ilha, impondo o risco de acidentes, como ocorreu outras vezes.

A AMEAÇA DO XISTO

Acompanhei a visita de Sebastião à ilha de Maré e fiquei igualmente impressionada com a capacidade de resistência das comunidades pesqueira e quilombolas, a energia, a decisão e a coragem de lutar contra as ameaças à sua cultura, subsistência, à vida, demonstrada pelas pessoas com quem tivemos contato mais direto, como Josemar Ferreira de Jesus, de Martelo, que critica a falta de vigilância e segurança em poços de petróleo, onde pessoas e animais podem circular livremente e crianças brincam em cima de equipamentos, expostas a riscos.

Eles demonstram preocupação crescente com a decisão da Agência Nacional de Petróleo autorizar a extração do gás de xisto no recôncavo baiano. Já se fala que vão fazer esta extração, na comunidade de Santana. Mas também compreendem muito bem a importância e o alcance que a campanha ”por áreas livres de petróleo” pode ter para os moradores da Ilha. Representantes do Movimento de Pescadores e Pescadoras do Estado da Bahia falam das dificuldades de sobreviver na área de maior produtividade pesqueira da Baía de Todos os Santos por causa do modelo de desenvolvimento imposto ao país. Por isto, costumam afirmar: “Quem tem que sair é a Petrobrás. Por que quando ela chegou já nos encontrou aqui.”

No Seminário Nacional, realizado em novembro passado, a campanha “Nem um poço a mais!” afirmou que “por onde se instala e desenvolve, a exploração petroleira violenta a vida Humana e a Natureza, desde a floresta amazônica, passando pela costa brasileira até as águas profundas do pré-sal, no Atlântico Sul (ES/RJ/SP/PR/SC).” E acusou as indústrias petroleiras de usarem tecnologias de altíssimo risco, para extrair as “energias extremas”, como na exploração do Pré-Sal e do gás de Xisto.

A declaração, assinada por entidades e movimentos que tocam a campanha, afirma que as petroleiras criam, no mar, áreas de exclusão; em terra, áreas de servidão e, nas cidades, áreas de contaminação; desestruturam as economias locais, protetoras da biodiversidade; desregulam seus sistemas próprios de direito, profanam seus entes e lugares sagrados; envenenam a água e os alimentos. Da sua lama tóxica, gerada durante a extração, emanam metais pesados, que entram na cadeia alimentar do ser humano através do peixe e das águas. Provocam câncer! Manter o petróleo no subsolo é a única saída para se evitar o pior da crise climática e o colapso da vida no planeta. A expansão petroleira espelha uma civilização suicida. Precisa ser barrada!

A campanha exige que em lugar da expansão petroleira, o Plano Nacional de Energia priorize as fontes renováveis e descentralizadas, os circuitos locais, e os usos populares das famílias, comunidades, distritos e cidades e as experiências de vida social independente de petróleo, herdadas e atualizadas pelas culturas tradicionais; saúda os indivíduos, coletivos e movimentos de contra-cultura-petroleira que, por todo país, se empenham em construir alternativas de transição: na habitação e na permacultura, na produção agroecológica e sistemas agroflorestais, na alimentação livre de agrotóxico, nos diferentes meios e coletivos que disputam a mobilidade urbana contra os automóveis, nos projetos de brinquedos sem plástico, nos processos comunitários de energia solar etc. saúda todxs que defendem territórios de utopia e despetrolizam a vida no planeta!

A campanha conclama as pessoas, suas organizações, redes e fóruns a barrar a expansão petroleira.  Não por acaso, a declaração do Seminário foi divulgada no Dia Internacional dos Direitos Humanos. Se você concorda pode buscar a íntegra do documento e mais informações sobre a campanha AQUI.

Imagem: Sebastião com a pescadora Eliete Paraguaçu e outros pescadores que criticam a falta de vigilância e segurança em poços de petróleo, violação de direitos humanos, a poluição química e ameaças à pesca artesanal.

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