Os guerreiros teriam capturado um homem não-indígena, o que aumentou a tensão dentro da reserva. Na imagem acima, área da terra Uru-Eu invadida
Por Elaíze Farias e Fábio Pontes, em Amazônia Real
Os índios Uru-Eu-Wau-Wau decidiram investigar a grilagem de terra no território indígena sozinhos, depois de esperar por quatro meses por uma ação da Polícia Federal, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério Público Federal (MPF) para expulsar os cerca de 5.000 invasores da reserva indígena, que fica no sul de Rondônia. Na terça-feira (14), um grupo de sete guerreiros partiu da aldeia Alto Jamari com destino ao loteamento clandestino aberto na localidade Linha 5, no município de Monte Negro (distante 250 km de Porto Velho).
Desse grupo, um indígena idoso retornou à aldeia ainda no dia 14. Os guerreiros teriam capturado um homem não-indígena, disse a indígena Mainá Uru-Eu-Wau-Wau. Segundo ela, nesta quarta-feira (15) um grupo de mulheres resolveu ir atrás dos guerreiros. Elas estavam preocupadas com a demora deles em retornar e do risco de conflito. “Os dois grupos [homens e mulheres] não retornaram até o momento”, disse Mainá, na noite desta quarta-feira.
Procurada, a Fundação Nacional do Índio, em Brasília, disse que está monitorando a situação na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e que uma equipe da Coordenação Regional de Ji-Paraná foi enviada à reserva.
A aldeia Alto Jamari fica a 35 quilômetros de caminhada dentro da floresta até o loteamento clandestino, onde vivem cerca de 5.000 invasores na parte oeste da terra indígena. A reportagem apurou que os guerreiros levaram flechas, máquinas fotográficas e celulares para investigar a grilagem.
Mainá Uru-Eu-Wau-Wau disse à reportagem que os guerreiros que estão investigando a invasão são o cacique Tarobá e os índios Puruem, Monguitá, Erovak, Uka, Boakara e Awapu. O indígena Warino Uru-Eu-Wau-Wau passou mal durante a caminhada e voltou à aldeia do Alto Jamari.
“Eles partiram para ver o que está acontecendo. Não foram para confrontar os invasores. Só se eles encontrassem essas pessoas é que poderiam reagir. Eles não aguentaram a espera da Funai e a providência dos órgãos para o problema da invasão”, disse Mainá à reportagem.
A Amazônia Real apurou na noite desta quarta-feira (15) que o grupo de Uru-Eu havia encontrado alguns dos invasores durante a vigilância e aguardava a presença da Funai e da Polícia Federal para tomar as providências.
No final da tarde desta quinta-feira (16), a reportagem apurou que o grupo retornou à Aldeia Jamari. A informação foi confirmada por Mainá Uru-Eu-Wau-Wau, que se comunicou com os indígenas do Alto Jamari via radiofonia. Mainá mora na aldeia Jamari. A distância entre as duas aldeias é de 60KM.
Ela afirmou que o temor agora que é haja revide contra a população dos Uru-Eu-Wau-Wau da aldeia Alto Jamari por causa da ação do grupo de indígenas. A reportagem não conseguiu falar com a Polícia Federal e com a Funai nesta sexta-feira.
Como publicou a Amazônia Real, a invasão à Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau se intensificou nos últimos quatro meses, período em que aumentaram os desmatamentos, as atividades de garimpo e de pesca predatória dentro do território dos índios, que se autodenominam Jupaú, os que usam jenipapo.
Os grileiros (pessoas que tomam posse de terras ilegalmente) abriram lotes de 100 hectares dentro da reserva indígena e passaram a comercializá-los por até R$ 20 mil com os invasores. Garimpeiros e pescadores também invadiram a reserva.
O cacique Djurip Uru-eu-wau-wau, presidente da Associação Jupaú, disse que o caso foi denunciado em janeiro à Superintendência da Polícia Federal, mas o órgão não agiu ainda no sentido de expulsar os invasores da reserva.
Segundo Mainá, as lideranças pediram ajuda também à Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau, que atua na vigilância e fiscalização do território, mas o coordenador Rieli Franciscato não atendeu ao pedido dos índios. A reportagem não localizou o coordenador para falar sobre a invasão no território Uru Eu.
Israel Vale, conselheiro da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que atua em defesa dos povos indígenas de Rondônia, disse à Amazônia Real que os índios Uru-Eu-Wau-Wau estão cansados de esperar por uma operação para retirada de invasores de suas terras, apesar das inúmeras denúncias feitas desde o início de 2016.
“Isso demonstra o descaso do governo. Há muito tempo essas invasões vêm ocorrendo. Então, eles resolveram por conta própria ver o que está acontecendo. Eles não foram fiscalizar, mas fazer uma vigilância. A área está desprotegida. Antes tinha uma base da Funai que hoje está sem funcionar. Os invasores ocuparam até esse prédio, tomaram de conta. Virou a base dos invasores”, disse Vale.
Segundo o conselheiro da Kanindé, a área mais desprotegida do território é a parte norte, onde há seis aldeias. Duas delas – Alto Jamari e Jamari – são as mais vulneráveis. “Como ficou desprotegida, não tem base da Funai e nem fiscalização, ficou mais fácil de ser invadida”, afirmou.
Homologada em 1991 pelo ex-presidente Fernando Collor, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau tem 1.867.117 hectares. A terra é sobreposta ao Parque Nacional de Pacaás Novos, a maior unidade de conversação do estado. Esta região é uma das mais impactadas pelo agronegócio e a exploração ilegal de madeira.
Levantamento realizado em 2014 pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) identificou 209 índios Uru-Eu-Wau-Wau vivendo no território tradicional, que abriga também os povos Amondawa e os Oro Win. Ainda há referências sobre a presença de índios não-contactados. Os Japaú falam a língua Tupi-Kawahib.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), três grupos isolados já foram identificados no território Uru-Eu, entre eles os Yvyraparakwara e os Jururcy.
Funai diz que monitora situação
“A Funai aguarda informações qualificadas sobre a denúncia para adotar as medidas necessárias”, diz trecho da nota enviada para a reportagem.
À Amazônia Real, o coordenador regional da Funai em Ji-Paraná, William Nunes da Silva, disse que a TI Uru-Eu-Wau-Wau está sob jurisdição da coordenação. Ele confirmou que um servidor foi enviado para a aldeia Alto Jamari para averiguar o que de fato estava acontecendo. A partir das informações levantadas por ele, diz William Nunes, as equipes da Funai e da Polícia Federal iriam adotar as medidas necessárias.
William Nunes confirmou que foi procurado pelos índios Uru-Eu-Wau-Wau um dia antes – isto é, em 13 de fevereiro – de eles decidirem investigar a grilagem e irem até o loteamento. O coordenador disse que pediu aos indígenas “um pouco mais de paciência já que a Funai atuaria para expulsar os invasores”. Os índios, contudo, não foram convencidos.
“A gente sempre conversa com eles que não é apropriado que eles entrem em conflito com qualquer tipo de invasor, seja ele madeireiro, seja para acampar”, afirma o coordenador regional.
William Nunes diz que a coordenação envia desde 2014 relatórios à Polícia Federal em Porto Velho informando o problema dentro da TI Uru-Eu. De acordo com ele, as investigações e as ações de expulsão dos invasores são de responsabilidade da PF ante a limitação legal do órgão indigenista.
“A Funai é um órgão fiscalizador. Nós não temos o poder de polícia. Para que possamos atuar nestes casos de invasão nós precisamos de um órgão parceiro, seja ele a Polícia Federal, o Ibama ou a Polícia Militar Ambiental. Nós já solicitamos a Brasília para que fosse feita uma conversa com a Polícia Federal”, explica o coordenador.
A Superintendência da PF em Rondônia foi procurada, mas as ligações não foram atendidas, nem os e-mails respondidos.
Já o MPF disse ter tido conhecimento sobre a tentativa dos Uru-Eu-Wau-Wau de defender o território. A assessoria de imprensa informou que uma reunião foi realizada entre MPF e PF para tratar da questão. Disse, ainda, que uma investigação criminal sobre a invasão ao território Uru-Eu-Wau-Wau está em andamento pela Polícia Federal, e que por conta do sigilo mais informações não poderiam ser repassadas à reportagem da Amazônia Real.
Região invadida teve ação do Incra
Na década de 1970, na região do Rio Floresta, houve um grande conflito entre indígenas e não-indígenas depois que o Incra expediu 122 títulos definitivos a agricultores no interior da TI Uru-Eu-Wau-Wau. Conforme o documento do ISA, a Funai notificou o instituto e interditou a área, mas até hoje o problema não foi resolvido.
Na década de 1980, o Incra concedeu mais 113 títulos indevidamente na parte sul do Projeto Burareiro, localizado dentro da TI Uru-Eu-Wau-Wau, diz o documento do ISA. Apenas em 1985, o Incra reconheceu que o assentamento era inviável devido à falta de estradas de acesso. Mas não reassentou os titulados em outra região.
A demarcação da reserva foi homologada em 1991. Segundo o ISA, a Funai ingressou com uma ação judicial contra o Incra para anulação dos títulos na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em 1994. O parecer da Justiça, em 1996, foi desfavorável aos índios, pois interpretou que a ação movida pela Funai não deveria ser contra o Incra, mas sim contra cada um dos 122 proprietários de títulos definitivos. “Como a maioria destes títulos já foi vendida a terceiros, isto acarretaria um grande número de ações judiciais a ser movido contra os detentores dos títulos, o que é inviável a curto ou médio prazo”, diz o ISA.
Em 2001, a Funai, Polícia Federal e Ministério Público, com apoio da associação indígena Jupaú e a associação Kanindé, realizaram uma operação de expulsão de dezenas de invasores. Muitos foram presos e levados à penitenciária central em Porto Velho.
Mas sem definição judicial para o litígio entre o Incra e a Funai, a ação relativa ao Burareiro está sendo usada de forma distorcida, segundo o ISA, por empresários e políticos de má fé dos municípios de Ariquemes e Monte Negro para incentivar a invasão.
É justamente na região da TI Uru-Eu-Wau-Wau, que fica em Monte Negro, que os guerreiros partiram para investigar a grilagem e o loteamento clandestino, onde vivem 2.000 invasores do território, e ainda não retornaram à aldeia Alto Jamari. (Colaborou Kátia Brasil)