Fonte: Terra
No século 19, pesquisadores promoveram caçadas por crânios de diferentes povos no Brasil para realizar estudos evolucionistas. Ao menos 28 seguem em museus na Alemanha – e forma de lidar com acervo é atualmente debatida.Durante dois anos, no início do século 19, o príncipe alemão Maximiliam zu Wied-Neuwied (1782 – 1867) se aventurou por terras brasileiras em busca de aprofundar conhecimentos etnológicos, zoológicos e botânicos. No fim de sua jornada, em fevereiro de 1818, além de amostras de animais e plantas, trouxe da expedição Joachim Kuêk, um botocudo que o acompanhou no vale do rio Doce.
Longe de sua terra natal, o “exótico visitante” tornou-se objeto de estudo, exposto numa das salas do palácio do príncipe. A vida na Alemanha não foi fácil para Kuêk, que sucumbiu ao álcool e teve um fim trágico: no Ano Novo de 1833, teria caído de uma janela e não resistido ao frio. Wied-Neuwied doou o crânio do antigo serviçal ao instituto de anatomia da Universidade de Bonn.
Depois de quase 200 anos do início da jornada alemã de Kuêk, seu crânio foi devolvido à cidade de Jequitinhonha, em 2011, e repassado a uma tribo krenak descendente do indígena.
O caso de Kuêk é o mais emblemático do período, no qual pesquisadores europeus promoveram verdadeiras caçadas por crânios de diferentes povos ao redor do mundo, inclusive no Brasil, para realizar controversos estudos evolucionistas e comportamentais.
Atualmente, o legado desta “caçada científica” faz parte de acervos de museus na Alemanha, e o destino destas coleções ainda é tema delicado. A forma mais correta para tratar esses restos mortais, seja por meio da devolução ou da permanência onde estão, é uma questão que gera debates entre especialistas e etnias que foram vítimas deste episódio histórico.
Pelo menos 28 crânios oriundos do Brasil fazem partes de acervos em museus na Alemanha, segundo apurou a DW Brasil. Três de botocudos, da coleção do viajante Georg Wilhelm Freyreiss, estão no museu de história natural Senckenberg, em Frankfurt am Main. O Museu Cinco Continentes, em Munique, possui duas cabeças-troféus de mundurukus, trazidas por Carl Friedrich Philipp von Martius e Johann Baptist von Spix.
O Instituto de Etnologia da Universidade de Göttingen possui também um exemplar de cabeça-troféu. Já a coleção do anatomista alemão Johann Friedrich Blumenbach, considerado o pai da zoologia e da antropologia física, tem pelo menos um crânio de botocudo e pertence ao Centro de Anatomia da universidade.
Em Berlim, os museus da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano (SPK) possuem cerca de 20 crânios do Brasil. Mas tanto na capital alemã, como em Göttingen, informações sobre a origem e procedência destes restos mortais foram perdidas durante a Segunda Guerra Mundial.
Caçada mórbida
Apesar desta perda, fontes históricas e relatos de viajantes podem ajudar na identificação da origem destes acervos e revelar o lado esquecido, muitas vezes intencionalmente, da mórbida “caçada científica”. Para especialistas, o esclarecimento sobre a procedência, circunstâncias da aquisição das coleções e sua utilização na Alemanha é o passo mais importante no debate que envolve a destinação deste controverso legado.
“Durante um longo período, e parcialmente até hoje, não houve quase nenhuma consciência da injustiça relacionada a estas coleções. Isso é uma consequência da continuidade de padrões coloniais de percepção e de um hábito de exibição do ‘outro’ classificado em termos raciais”, afirma o historiador Jürgen Zimmerer, da Universidade de Hamburgo.
A busca por crânios no século 19 visava principalmente traçar linhas evolutivas e classificar “raças”. No Brasil, a prática foi impulsionada pelo desejo de Blumenbach em traçar a linha evolutiva do macaco até os seres humanos. Para isso, o anatomista solicitou a seus alunos, entre eles o príncipe Wied-Neuwied e Ludwig von Eschwege, que trouxessem crânios de suas viagens.
Devido a relatos de que praticariam a antropofagia e à sua aparência física, considerada por europeus na época como exótica, os botocudos, que, no século 19, habitavam a região do vale do rio Doce, no Espírito Santo e em Minas Gerais, tornaram-se um dos principais alvos de viajantes alemães.
“No século 19, os botocudos eram como os ianomâmis hoje. Eles eram considerados, por vários motivos, os mais selvagens e primitivos. Devido a essa classificação, os pesquisadores suspeitam que os botocudos seriam possivelmente o povo mais próximo ao macaco”, afirma o historiador Titus Riedl, da Universidade Regional do Cariri.
A febre por restos mortais de botocudos na Europa teve um impacto extremamente negativo para a etnia. Além de saques de túmulos, uma verdadeira caçada foi promovida na região em busca de indígenas para a venda de crânios. De acordo com Riedl, em Salvador, chegou a surgiu um mercado negro de ossos.
Mas essa caçada não foi promovida somente por viajantes europeus – crânios tornaram-se um popular presente oficial do Império brasileiro. “Em 1875, por exemplo, Dom Pedro 2º presentou o Museu Etnológico de Berlim com quatro crânios de botocudos”, afirma o historiador Georg Fischer, da Universidade de Aarhus.
Além de crânios de botocudos, as cabeças-troféus produzidas pelos mundurukus, que habitavam a região da Amazônia, também chamavam a atenção de viajantes. Esses troféus de guerra eram preparados durante rituais de mumificação e possuíam um significado simbólico e espiritual.
Devolver para onde?
Trazidos para a Alemanha no auge do colonialismo europeu, mesmo após o fim deste período, essas coleções foram expostas em museus ou utilizadas em pesquisa científicas sem que houvesse uma reflexão ética sobre o tema durante décadas. Há poucos anos, algumas instituições começaram o debate sobre o destino correto para o acervo.
Em 2015, a SPK em Berlim desenvolveu um manual de práticas para o trato com restos mortais que pertencem a sua coleção, que prevê um estudo para esclarecer as origens destes objetos e não descarta a restituição. Já o Museu Cinco Continentes, em Munique, iniciou um processo para identificar restos mortais em seu acervo e contatar países de origem para a devolução.
Em Frankfurt, o processo para comprovar a procedência dos restos mortais, que pode resultar na restituição, é iniciado se houver algum pedido oficial de governos. A exposição destes crânios é proibida pelas três instituições.
A restituição, porém, pode ser no fim tão problemática quanto a manutenção destes restos mortais se não envolver as comunidades atingidas. Para Ailton Krenak, uma das principais lideranças indígenas do Brasil e descendente de botocudos, a devolução em si não faz sentindo se ela não vier acompanhada de um debate amplo na sociedade, que incluiu a contextualização sobre crimes cometidos contra indígenas e suas consequências.
“Mais do que ficar imaginando o que vamos fazer com um objeto que saiu do lugar de memória, peregrinou pelo mundo e agora pode voltar para casa, a pergunta que resta é: que casa? No caso dos botocudos, a casa não existe mais, o território que nossos antepassados circulavam ou faziam suas aldeias foi totalmente desmemorializado”, afirma Krenak.
O ambientalista questiona ainda a maneira como foi feita a repatriação do crânio de Kuêk. “Aquela circunstância toda foi um evento fortuito, meio sem sentido. Alguém aproveitou, de maneira superficial, a oportunidade de repatriar esse material e juntaram com a celebração do centenário do município. Não teve nenhuma repercussão no Brasil, ficou uma coisa local e foi frustrante”, avalia.
Graça e paz. Entristeço ao ver uma entrevista com um dito pesquisador afirmando que os Krenak não possuem memória. Ainda adolescente, na minha cidade Resplendor, acompanhei e participei com orgulho da luta pela conquista daquela pequena parte da porção de terra que é de direito dos Krenak. Fui professora de alguns e vi a importância dada para que sua linguagem e costumes fossem preservados entre os mais jovens. Ainda possuo um dos primeiros livros que editaram para que sua história fosse preservada. Me orgulho por conhecer e ter feito parte, mesmo que pequena, de suas conquistas. Meus filhos conhecem e sempre lhes ensinei que Sete Salões é dos Krenak. Sofro vendo a destruição do Rio Doce e estarei junto pela recuperação deste rio pela importância para esse povo. Os Krenak tem memória e história. Que lhes seja dado o direito de resgata-la com dignidade. Ererré
A urgência de ter de volta o que a violência colonial nem deveria ter tirado das terras dos Krenak antecede qualquer debate. Tive a honra de conhecer o povo krenak, e sei como isso é importante, ter de volta seus ancestrais, pois eles caminham e vivem até hoje, pelos mesmos lugares onde caminhavam e viviam seus parentes (mesmo que ainda numa parcela muito reduzida da terra); só eles vão sentir de verdade a importância desse retorno. Manter viva, e no dia a dia a história de seus antepassados, como até hoje eles mantém. É muito sério e muito dolorido saber que alguns do seu povo foram levados pra tão longe, e ainda como parte de um projeto de exposição. Tenho muita admiração pelos borun do Watu, pelas pessoas que estão lutando ainda hoje muitas lutas que já lutavam seus antigos, onde ainda há muita violência colonial, e estão de pé e fortes. Tudo o que foi roubado precisa retornar pro lugar onde estão vivos os krenak. Acho que a devolução já faz sentido total, o debate, depois, caberá da escolha dos borun, caberá da escolha daqueles que receberão de volta em suas terras parte de sua memória.
Estive na organização deste evento do Retorno do Kuêk.De fato aqui nesta região leste,alvo da guerra justa de 1808 contra os “Borum” e que atingiu a todos os demais povos que aqui viviam,as coisas acontecem sem muita divulgação na midia.O leste ainda continua palco de uma “guerra sem fim!”Veja agora a tentativa de despejo de 500 pataxó( 5 aldeias)no sul da bahia.Era aniversariop da cidade-200 anos.Mas tb era o periodo da declaração fatal da guerra dos quarteis. que dizimou varios povos,nuam verdadeira limpeza etnica para que a região servisse aos interesses da “sociedade nacional”.Uma brasileira,jornalista que viveu em Berlim fez esta importante ponte entre os indigenas do Jequitinhonha e do Rio Doce.Durante varios meses houve muita discussão nas aldeias obre este inédito acontecimento e chegava-se a conclusão de que ra importante trazer o Kuêk e sua memoria de volta.Afinal,alem dos povos que resistiram e estão vivos, Kuêk era também a prova material de que esta guerra existiu e que tb este comercio fatidico existiu .Nada mais honroso que ele ser trazido pelo Embaicador Alemão,ser recebido com todas as as honras pelo Tiro de guerra,ser homenageado na Camara municipal onde durante o dia a populaçao fez enormes filas para vê-lo,assim como os indigenas que ali fizeram rituais.>Foi muito emocio nante quando um Velho Krenak disse:”Sonhei com voce.Sabia que voce iria voltar!”Ali estava não apenas um cranio!
Durante as festividades houve debates na Camara com a população,exposição de fotos e de livros,visitação das escolas que a cada momento chegavam,vindo da a area rural.Uma calorosa recepção aos indigenas Krenak,Maxacali,Pataxó,Pataxó Hã hã hae,Pankararu,Aranã e .Pataxó .Foi então inaugurada a Alameda Kuek e um Painel com o nome d e cada um dos povos que participaram do evento, sobreviventes das guerras, e que ainda estão vivos no Rio Doce,Jequitinhonha e Mucuri..
A cidade de Jequitinhonha,antigo Quartel de São Miguel, foi a sede da guerra comandada por Julião Fernandes Leão.
Alem do bairro da Aldeia,anitiga area dos Maxakali,da rua do Quartel na beira do rio Jequitinhonha,reviu sua historia e tem agora dois marcos que nos farão sempre lembrar da bravura destea povos que estão para sempre em nossa historia!
Parabéns às jovens lideranças Krenak que, seguindo o aprendizado de seus ancestrais, têm conseguido manter vivo a luta pelos direitos e respeito aos Borun do Watu! OS Krenak merecem respeito! Devolvam não só os crânios!!! Devolvam todo o território tradicional desta etnia, como é o caso dos 7 Salões… mas sobretudo, devolvam o Rio Doce, vivo e renovado, local sagrado deste povo indígena que vive em Minas Gerais. Ererré!
Obrigado Carlos Farias,sei do seu total apoio para com meu povo krenak.Ererré.
Deixo aqui o meu apoio e solidariedade para com a luta dos povos indígenas brasileiros, em especial ao povo Krenak, os Borun do Watu, cujo território existe, de maneira histórica e concreta, às margens do Rio Doce, em Minas Gerais. Shirley Krenak, seus irmãos Douglas e Geovani Krenak, assim como todos os seus parentes nas aldeias situadas no município de Resplendor, são descendentes diretos do índio Kuêk e de outros contemporâneos deste, vítimas que foram dos caçadores de crânios, no século XIX. Na minha opinião, não há que se falar em falta de memória ou de território. Os Krenak estão vivos e celebrando a sua cultura milenar numa porção ínfima do seu terrítório original. Espero que sejam criadas as condições para que os restos mortais de seus antepassados sejam acolhidos no seio da comunidade atual. Baí! Saravá! Paz e Bem.
Ererré douglas krenak e Daniel tum krenak
Apesar de tantas lutas e sofrimentos, ainda continuamos firmes e fortes, a nossa cultura e tradição passado de geração a geração “DE PAI PRA FILHO” sou Krenak, morro pelo meu povo, assim como meus ancestrais morreram. Liderança Krenak jamais se opõe ao seu povo, sempre buscando melhorias pra sua etnia, liderança Krenak tem linhagem e raiz forte ,devolvam o que é nosso, o que nos foi tirado à força não precisamos de plateia para que isso aconteça, quanto ao paraquedista , oportunista”Ailton Lacerda “nunca foi índio , muito menos liderança , querem saber à verdade? Vem aqui na minha aldeia.
De fato e de direito é uma boa oportunidade para discutir a situação dos povos indígenas do brasil e especialmente os povos de Minas principalmente o povo krenak que continua firme no vale do rio doce (Mun. de Resplendor MG), que apesar de ser expulso destas terras por instituições públicas de Minas Gerais, nunca perdeu a memória histórica de seu território e dos seus antepassados até por que lutaram com toda bravura que lhe é peculiar para retornar triunfante àquele território e definitivamente tomaram posse e se recolocaram naquele espaço. Tem razão a liderança Douglas Krenak quando diz que aqueles restos mortais de seus antepassados devem retornar “aos braços da sua comunidade” que continua firme forte na conquista de seus direitos que por vários séculos foram e continua sendo desrespeitados por colonizadores e neobrasileiro. salva,salve e que viva por milênios os Borum do Watu. (povo Krenak)
Um verdadeiro krenak nunca fala contra a memória de seu povo.Meu povo é guerreiro,forte que luta para manter viva a tradição que muitos dos nossos antepassados morreram para não deixarope acabar. Aí me aparece um paraquedista desmemorializado falando um absurdo desses.Eu sou krenak,porque eu sei quem são meus ancestrais,e por isso quero que td o que foi roubado e levado a força da minha terra seje devolvido. Tenho dito.Recado para esse desmemorializado.
Com certeza, Douglas Krenak!
Olá saudações indígenas. Realmente é um tema importante a ser debatido. Mas se os restos mortais pertencem a um povo que ainda sobreviveu durante todo esse tempo não há o que se discutir. Os restos devem voltar aos braços dos parentes e os mesmos decidirem o que fazer.
Agora existem oportunistas que querem mais seminários para se promover através da desgraça do povo e universidades para fazerem mais pesquisas científicas. Como se já não bastasse as que foram feitas anos atrás. Não precisa ter repercussão, ou Grande evento para devolução desses restos mortais basta devolver. Esse ato por si só já demonstra a enorme dívida que a sociedade não índigena Nacional e Internacional tem conosco. Só nós na aldeia indígena sabemos o que fazer e como fazer. Na luta sempre