Em um ano, 5% da população sofreu mobilidade descendente. Crise social não tem paralelo com décadas de 80 e 90. Entrevista especial com Waldir Quadros

Patricia Fachin – IHU On-Line

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad 2015, que analisa, entre outros fatores, o trabalho e o rendimento da população, demonstram que “ocorreu uma mobilidade descendente em todas as camadas sociais” em um ano, informa o economista Waldir Quadros à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone. Isso significa, explica, que aproximadamente “5% da população”, ou seja, “algo em torno de 11 milhões de pessoas sofreram mobilidade descendente em apenas um ano”. Segundo o economista, os dados preocupam porque, “ao que tudo indica, 2016 será no mínimo igual ao ano anterior e 2017, pelo que estamos vendo, também será um ano bastante problemático. Com isso estamos falando em um retrocesso de três anos”.

Para termos dimensões do que está acontecendo no país, frisa, basta “olhar para a década de 1990”. “O que vimos na década de 1990? Aumento da miséria, mais marginalidade, criminalidade, pois o desemprego desestrutura as famílias. Então, pode haver um aumento da miséria e da pobreza, porque as pessoas não têm perspectiva, porque não têm como se virar. O que vai acontecer? Ninguém sabe”, pondera.

Na avaliação do economista, a “causa básica” que explica esse quadro é a “falta de crescimento econômico, a crise no mercado de trabalho, o aumento do desemprego e a redução da renda entre aqueles que continuam ocupados”.

Waldir Quadros possui graduação em Economia pela Universidade de São Paulo – USP e mestrado e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, onde atualmente é professor associado do Instituto de Economia.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Os dados da Pnad 2015 confirmam o retrocesso social esperado? Quais são os dados que indicam que houve um retrocesso na estrutura social do Brasil?

Waldir Quadros – Como já era esperado, os dados da Pnad 2015 revelaram um quadro bastante grave em termos de retrocesso na estrutura social, ou seja, ocorreu uma mobilidade descendente em todas as camadas sociais que analisei. Então, é algo grave, porque o número de pessoas envolvidas é bastante expressivo – estamos falando de algo em torno de 11 milhões de pessoas que sofreram mobilidade descendente em apenas um ano. Esse número equivale, aproximadamente, a 5% da população. É uma tragédia. Em três anos não temos paralelo na década de 1980 ou 1990, é uma crise de proporções inéditas, é uma hecatombe, infelizmente.

O mais preocupante é que, ao que tudo indica, 2016 será no mínimo igual ao ano anterior e 2017, pelo que estamos vendo, também será um ano bastante problemático. Com isso estamos falando em um retrocesso de três anos, algo muito grave, ou seja, um impacto muito grande na sociedade brasileira.

IHU On-Line – Qual foi o tamanho do encolhimento e do retrocesso social da alta, da média e da baixa classe média? Qual delas foi mais impactada pela crise econômica, segundo a Pnad 2015?

Waldir Quadros – Como você pode ver, a tabela quatro mostra a variação na estrutura social e familiar. A tabela mostra que, na alta classe média, um milhão e duzentas mil pessoas foram afetadas. Esse número é bastante expressivo, uma vez que estamos falando de um montante de 18 milhões de pessoas na alta classe média, conforme dados de 2014. Na média classe média havia 29 milhões e 700 mil pessoas em 2014, e houve uma queda de dois milhões cento e cinquenta mil pessoas, ou seja, é um número também muito expressivo. Na baixa classe média havia, em 2014, 92 milhões e 500 mil pessoas, das quais cinco milhões e oitocentas mil sofreram mobilidade descendente. Por fim, a massa trabalhadora, que era composta de 46 milhões e 500 mil pessoas, teve redução de um milhão e oitocentas mil pessoas. É justamente esse número de um milhão e oitocentas mil pessoas que fez aumentar o número de miseráveis no país.

Desse modo, quando olhamos para as classes sociais, percebemos que todas foram impactadas. E esse justamente é o dado preocupante, pois não apenas uma ou outra classe foi afetada, mas o conjunto das classes sociais. A recessão e o desemprego afetam a todos, sem dúvida.

IHU On-Line – Quais são os fatores que contribuíram para o retrocesso?

Waldir Quadros – A razão fundamental que levou a essa queda social foi a recessão de 2015, basicamente provocada pelo ajuste fiscal – corte nos gastos públicos de forma abrupta e radical -, o que paralisou a economia. Por conta disso, todos os governos estaduais foram para uma situação de inadimplência, e os municípios também. Então, houve uma “paradeira” geral em 2015, assim como em 2016, e tudo indica que em 2017 estamos indo na mesma toada. A causa básica é a falta de crescimento econômico, a crise no mercado de trabalho, o aumento do desemprego, a redução da renda entre aqueles que continuam ocupados. Esse é o quadro da crise social, que é uma crise que vem pela recessão, pelo mercado de trabalho deprimido, e isso vai impactar na situação das famílias.

IHU On-Line – Quais problemas sociais podem surgir em decorrência dessa retração na renda das famílias?

Waldir Quadros – São muitos problemas sociais. Se quisermos ter uma ideia é só olhar para a década de 1990; a situação de hoje está ainda mais grave. O que vimos na década de 1990? Aumento da miséria, mais marginalidade, criminalidade, pois o desemprego desestrutura as famílias. Então, pode haver um aumento da miséria e da pobreza, porque as pessoas não têm perspectiva, porque não têm como se virar. O que vai acontecer? Ninguém sabe. Acredito que a sociedade não aceitará isso a frio. A primeira reação, sempre, é a criminalidade, mas será só isso? Trata-se de uma situação preocupante, a qual temos que acompanhar e torcer para que seja revertida, mas, infelizmente, não há nada no cenário que nos deixe mais aliviados, pelo contrário.

IHU On-Line – Em seu relatório sobre as causas do retrocesso social, o senhor aponta duas condições que contribuíram para esse fenômeno: de um lado, o ajuste fiscal implementado no segundo governo Dilma e, de outro, “os impactos nos investimentos e na atividade econômica que a operação Lava Jato provocou na importante cadeia do petróleo”. Pode explicar melhor esse segundo ponto? O que deveria ter sido feito de diferente?

Waldir Quadros – Eu, quando era jovem, trabalhei no setor financeiro. Naquela época, meados de 1970, havia bancos que ficavam em dificuldades e havia uma intervenção nesses casos: o Banco Central intervia no banco, colocava uma junta diretiva, afastava os proprietários, mas no dia seguinte o banco era aberto, todos podiam realizar suas movimentações financeiras. A Lava Jato poderia ter feito algo nessa linha: intervém na empresa, afasta os controladores, apura o que tem que apurar, mas tem que deixar a empresa trabalhando. O que aconteceu foi que se misturou a investigação e a paralisia, e isso travou o país.

A cadeia do petróleo é muito grande, assim, no momento em que se paralisa a Petrobras, todos os fornecedores e prestadores de serviços vão paralisando. Desse modo, o quadro se generalizou. Acredito que seria possível apurar a corrupção e os desvios – isso, obviamente, tem que ser apurado porque é um patrimônio público -, mas ao mesmo tempo manter as empresas trabalhando. Estou falando em termos genéricos, pois não sou nenhum especialista, mas é óbvio que tem como fazer a apuração da corrupção sem paralisar as empresas. Até onde conheço, isso foi feito nos Estados Unidos: várias empresas envolvidas em corrupção foram punidas, mas não pararam de funcionar, porque isso gera desemprego.

IHU On-Line – O que seria preciso fazer para reverter esse quadro de retrocesso social? Quanto tempo se levará para retomar o estágio de renda anterior?

Waldir Quadros – No momento eu não vejo nenhuma perspectiva nesse caminho, porque a orientação do atual governo é a manutenção do ajuste e limitação de gastos para os próximos anos. Isso está dando uma engessada no Estado e nos gastos públicos. Não vejo saída nenhuma. Qual a alternativa? Teria que reverter esse quadro, mas, no momento, não vejo força política para isso. Quem conduziria essa mudança? Este governo, com certeza não. Mas qual é o governo alternativo? Isso será resolvido pela política, não há outro caminho. Portanto, teria que ter uma nova política econômica que viabilizasse os gastos em infraestrutura, ou seja, que viabilizasse que o Estado voltasse a investir. Além disso, é preciso sanear as finanças públicas. É um receituário bastante difícil no momento.

IHU On-Line – Muitos têm apostado em duas saídas à esquerda para as próximas eleições presidenciais, a candidatura de Lula e a candidatura de Ciro Gomes. Uma dessas vias poderia gerar alguma mobilização política para a resolução dessas questões?

Waldir Quadros – Há setores que apostam nessa linha. Por exemplo, Lula é o que tem mais densidade eleitoral, ao menos nas últimas pesquisas, mas não podemos esquecer que o Lula foi a favor do ajuste fiscal. Ele teria que vir com uma proposta totalmente diferente do modo como tem agido. Lula passou 10 anos no governo, mas qual foi a política industrial que ele implantou? A política industrial foi efetiva? Não foi. Mexeu na política de câmbio? Não. Mexeu na política de juros? Muito pouco. E, no início do governo Dilma, Lula vivia falando que tinha que mobilizar para apoiar o ajuste fiscal; ele não era contra o ajuste. Logo, ele também se equivocou nesse aspecto. Infelizmente, não vejo nenhuma alternativa no momento.

Quanto ao Ciro Gomes, ele é muito instável. O discurso dele é mais consistente em termos de enfrentamento da crise; eu normalmente concordo com o que ele diz, o que não sei é se ele tem densidade política para isso. Essas mudanças precisam ter uma base social muito forte, com uma parcela expressiva do eleitorado e da população apoiando, não pode ser uma aventura do tipo “vamos ganhar e fazer tudo isso”.

Imagem: Tabela fornecida pelo entrevistado.

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