Abobrinhas: a Reforma Política

Por Rui Cezar dos Santos

No “país do futebol” temos uma produção perene de máximas, quase sempre de origem popular como as do famoso Neném Prancha, fanático torcedor do Botafogo. Algumas se perdem no desgaste do uso, clichês ocos, mas as circunstâncias às vezes produzem o milagre da ressurreição. Vamos empregar duas. A primeira é a célebre, “em time que está ganhando não se mexe”. A segunda é o chamado “gol espírita”, tipo a folha-seca do Didi na “heroica” vitória por um a zero contra o Peru, que classificou o Brasil para a copa de 1958. Didi cobrou uma falta e a trajetória da bola foi caprichosa, caindo abruptamente e traindo o golpe de vista do guarda-metas. Um gol que acontece e ninguém sabe como, talvez por mágica, talvez por uma intervenção mediúnica, ou divina (mas não tem nada a ver com “la mano de Dios” de Maradona).

O Congresso brasileiro sempre foi refratário a discutir reforma política. Agora que está perdendo o jogo (de goleada pior que o 7X0 p’ros “alemão”) para a opinião e censura pública decidiu-se, de chofre, e, é claro, atabalhoadamente, enfrentar a vara curta com a onça. Seria engraçado se não fosse … criminoso. Além da vida nababesca e de cortesã do dinheiro tomado aos republicanos a que se auto intitularam, querem evitar, a qualquer preço e gambiarra, evitar a visão de o sol nascer quadrado. Ora, se estão levando uma lavada homérica não seria, segundo a sabedoria popular, chegada a hora de mudar o time? Ninguém, ali chegando, sequer imagina, mesmo no pior dos pesadelos, mudar o time e ter de voltar à vida como ela é, sem carros oficiais, sem “chauffer” sem os penduricalhos (noventa mil de verba para contratar auxiliares(!), auxílio isto, auxílio aquilo) sem internet grátis, sem selos para correspondência … Não se trata de “largar o osso”, expressão apropriada aos cães, mas de largar os turnedôs e filés-mignons, os longos recessos, a semana de três dias com passagens pagas, a inexistência de ponto e, acima de tudo, dependendo do cacife, os “por fora” (jatinhos, relógios de grife, joias para madame e o cacho, et cetera e tal).

A redescoberta da lista fechada, descobriu-se agora, é o xarope milagroso, uma nepentes. Vota-se no partido, controlado por alguns cartolas, que criam uma lista amigavelmente ordenada entre os cortesãos. Evita-se a exposição à censura dos republicanos nas próximas eleições. Se perpetuam mantendo todas as prerrogativas e, no momento, a principal: o salvo-conduto do foro privilegiado. A desculpa esfarrapada, dita com a cara lambida, ou de paisagem, é a de que sem a concorrência dos desembolsos milionários das pessoas jurídicas torna-se inviável custear as eleições. Qua-quara-qua-quá …

Nestas glebas nunca houve um só partido que mantivesse um programa claro e definido de governo e propostas, bem como um elenco de atores totalmente afinados com tal ideologia e comandados por um líder democraticamente escolhido pelos pares. Alguns dos antigos partidos até se aproximavam como o antigo PTB e, mais recentemente, o PT, mas nenhum deles teve a coesão e identidade que se vê, por exemplo, nos conservadores e nos trabalhistas britânicos. Ora, a votação em lista fechada requer exatamente isto. Coesão e fidelidade, coisas que não brotam ao sul do Equador (o partido, então se compõe de membros uniformizados, soldados da causa). E, se não por este motivo, o custo desta eleição seria surpreendentemente alto já que os monitores da cabine de votação teriam que ser convertidos em enormes telões para acomodar, com tipos legíveis a olho nu, a pequena lista de mais de trinta partidos.

Uma reforma política não é como um chumaço de algodão doce. Tem de ser para valer, se não eternamente, pelo menos para umas duas gerações (ou seja, uns trinta anos ou mais). Ela emana das necessidades de conformar-se à estrutura e caráter da democracia idealizada e, nunca, ser apenas um punhado de asserções que dizem respeito apenas às conveniências, quase sempre espúrias e incivis, dos mandatários. Deve pressupor representatividade, ou seja, deve ser distrital, o que já diminuiria os custos da campanha, reduzidas do estado para uma microrregião. Segundo, deve ser abolido o sistema de cotas e de alianças. Os eleitos são os que obtiveram, em seus respectivos distritos, a maioria dos votos. Em terceiro lugar é necessário reduzir à metade, ou até menos, o número de deputados. Em cálculos aproximados de dois milhões/ano por deputado, diminuindo, digamos uns duzentos e cinquenta teríamos um corte de gastos de meio bilhão por ano, que a saúde e a educação viriam a calhar. Terceiro, reduzir os vencimentos apenas aos salários, já altos. Cada partido teria seu próprio corpo de assessores para áreas relevantes como advocacia, economia, sociologia, legislação, etc. que serviria de apoio aos seus parlamentares dispensando a coorte de assessores. Carros oficiais devem ser banidos – que empreguem o transporte público. A presença deve ser obrigatória e faltas devem ser descontadas dos vencimentos. E mais, impor um limite para a infrequência, digamos, como é usado no atendimento às aulas – vinte por cento e perde … o mandato. E, claro, fim de foro privilegiado. Ninguém deve estar acima ou fora do alcance da justiça e esta deve ser modificada para aprisionar os réus condenados já na primeira instância – chega de enriquecer causídicos com ações proteladoras e evasivas intermináveis e profissionalmente gratificantes (a OAB é, também um monopólio que defende seus interesses monetários.Eles não são “loucos”). A questão dos gastos com o Congresso Nacional deveria ter como base uma comparação entre o PIB per capita brasileiro e, digamos, o PIB per capita dos norte-americanos (melhor seria o dos noruegueses, a maior renda per capita atual). Se somos um país pobre, sim senhores, nosso PIB é metade do da Grécia que, como se sabe, está sobrevivendo na UTI da União Europeia, vivamos como tal.

Sugeriria, afinal, mas não finalmente porque há muito mais a ser discutido, que uma reforma política deve ser formulada por estudiosos: cientista políticos, geógrafos, economistas, sociólogos que poderiam, se assim o entender, fazer consultas à classe interessada. E, voltando à ideia inicial, que tal reduzirmos os partidos a cinco, e apenas cinco. Ponta-direita, meia-direita, centroavante, meia-esquerda e ponta esquerda.

O facebook é cheio de pequenas diversões tal como conseguir identificar cores, o significado de seu nome, com qual filósofo você se parece … Proponho uma nova: que tal escalar, com os atuais deputados, os jogadores nas posições dessa formação padrão do ataque?

“Cave at”. Votar em lista fechada é como assinar um cheque em branco e coloca-lo nas mãos espertas de pilantras de grife.

Foto: The Mirror.

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