Por Zacarias Gama, no Justificando
A terceirização no âmbito da educação, de todos os níveis e modalidades, pode ser o maná de empresários fornecedores de mão de obra barata. Mas resolverá o problema crônico de falta de professores por déficits produzidos pelo Estado, ausências e licenças temporárias? Claro que sim! Em tese os estudantes somente ficarão sem aulas e sem professores se os administradores escolares deixarem de recorrer a alguma empresa terceirizadora.
Penso, entretanto, que aplaudir a aprovação da lei de terceirização irrestrita com base nesse olhar, é de uma miopia ou cegueira de fazer gosto. A escola, pública ou privada, está longe de ser uma empresa onde a linha de produção precisa sempre estar completa para se realizar. O processo escolar de ensino e aprendizagem é muito mais complexo do que qualquer processo do âmbito produtivo ou comercial. Ele supõe interações cognitivas, emocionais, afetivas e comprometimentos. É impossível de se realizar com professores para tapar buracos. Só os incautos, míopes e cegos defensores da Escola sem Partido, ao pensarem a possibilidade falaciosa de uma educação completamente neutra ou imparcial, podem pensar e querer a escola funcionando deste jeito.
Todas as escolas têm os seus projetos político-pedagógicos erigidos sobre valores e princípios para desempenhar determinada função de formação. Todas têm por missão a formação de estudantes que se insiram adequadamente como adultos em determinadas sociedades. O desprezo aos projetos político-pedagógicos, valores e princípios contidos nas missões das escolas tanto pode liberar os piores instintos humanos quanto impedir as aquisições indispensáveis ao apropriado convívio social. Ninguém em sã consciência pode pretender que a juventude se forme ao seu bel prazer, apenas tendo adquirido competências cognitivas ou práticas descoladas dos seus contextos sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos etc. O competente e brilhante físico Julius Robert Oppenheimer somente depois da morte de milhares adquiriu consciência do poder destrutivo da bomba atômica que ajudou a fabricar e teria dito: eu me tornei a morte.
A terceirização de professores é o desprezo completo à missão formativa mais ampla das escolas. Um professor nestas condições somente tem compromisso com a realização da sua tarefa imediata e com as prestações de contas ao seu terceirizante. Deixa de estar comprometido com o projeto político-pedagógico de qualquer escola. Seu único compromisso é com quem paga as suas horas de trabalho. Cabe-lhe exclusivamente apresentar-se conforme o que foi contratado para realizar num período curto de até três meses, no máximo. Seu caráter fica fora de cogitação, prevalecendo exclusivamente o seu desempenho aos olhos do empresário fornecedor de docentes de aluguel interessado na continuidade e lucratividade do seu negócio.
A sociedade nada ganha com isto. Quaisquer efeitos, por acaso positivos, advindos de professores terceirizados, se houver, serão colaterais, resultarão da atuação do que Adam Smith chamou de “mão invisível”. Os empresários terceirizadores jamais pensam em promover o interesse público e sequer se apresentam interessados em saber se o promovem. Eles têm em vista apenas a sua própria segurança, seu próprio ganho. É somente alguma mão invisível que pode promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções primeiras.
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Zacarias Gama é Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).