Por Claire Jones, no Rio On Watch
No último sábado, 1 de abril, o projeto comunitário Raízes Locais acompanhou um grupo de visitantes em um tour histórico no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. A visita uniu os moradores da favela e novas organizações, assim como professores e pesquisadores de fora da comunidade, como parte do empenho de um projeto para criar um diálogo entre saberes acadêmico e popular.
O Alemão, que está entre as maiores favelas do Rio, tem uma rica história. Uma das primeiras paradas do tour foi a Travessa Laurinda, uma das ruas mais antigas do Complexo, onde duas vezes no ano passado, e novamente no último mês de janeiro, a comunidade organizou um mutirão para plantar árvores e instalar escadas no morro íngreme. Conforme conta Alan Brum Pinheiro –fundador do Raízes em Movimento– nos anos 1920 o terreno onde agora é o Alemão pertencia a duas famílias, que venderam parte dessas terras ao imigrante polonês Leonard Kaczmarkiewicz.
“O Alemão” –como o imigrante ficou conhecido graças à sua aparência europeia e seu sobrenome peculiar– começou a alugar partes de seu terreno aos moradores locais, em um sistema conhecido como “aluguel de chão”, em que os inquilinos tinham permissão para construir casas em lotes de terra sem serem realmente donos. A partir da origem do “Morro do Alemão”, a favela se espalhou pelos morros vizinhos e nos anos seguintes, se estendeu para se tornar o Complexo de hoje.
A visita fez também paradas em lugares com significados recentes para os moradores. Uma cruz próxima ao topo do morro, originalmente construída pela Igreja Católica, foi demolida em 2007 pela ocupação policial que visava impedir que fosse utilizada como um ponto de drogas, até que a intervenção de um padre da região obrigou o estado a reconstruí-la. Em outro local, no limite do espaço verde reflorestado pelos moradores, iniciado em 1997, os moradores apontaram um prédio abandonado no meio de um campo. Os jovens guias do Raízes Locais revelaram que o espaço costumava ser um campo de futebol, mas foi fechado pelo estado para construir um parque de ciclismo para as Olimpíadas. O parque foi abandonado há seis anos e os guias relembram que, nos bons tempos, moradores de todo o Alemão costumavam frequentar o campo aos domingos, jogando na liga de futebol da comunidade ou andando de bicicleta e socializando.
Raízes Locais é um projeto do Instituto Raízes em Movimento, uma organização comunitária fundada no Alemão em 2001. Procurando unir os moradores da favela e estudantes de fora da comunidade, nas próximas semanas, o Raízes em Movimento organizará visitas voltadas a saneamento, mobilidade urbana e legalização e descriminalização das drogas, bem como a preparação de matérias sobre religião no Alemão e as raízes africanas da comunidade.
A iniciativa Raízes Locais procura documentar a memória da ocupação do espaço que levou à formação do Alemão. O projeto une jovens da comunidade a moradores mais velhos para conduzir entrevistas sobre suas memórias de tempos mais antigos. Estas entrevistas chegam em boa hora, uma vez que a primeira geração dos moradores já chegaram à terceira idade. Raízes Locais busca conduzir a maior parte de seu trabalho em locais públicos, para conscientizar e despertar nos moradores o interesse pelo projeto.
Pamela, 17, juntou-se ao projeto em fevereiro depois de conhecê-lo através de sua amiga Gabriela, 15, que participa desde dezembro. “Eu estava na casa dela, e ela teve que trabalhar no sábado”, Pamela explicou. “Para não me deixar sozinha, eu fui com ela. Ela me levou para um mutirão, e eu acabei gostando, então entrei no projeto”.
Como moradora de Olaria, um bairro vizinho ao Alemão, Pamela gostou da oportunidade de saber mais sobre o Complexo. Ela se lembra de ouvir histórias de membros mais velhos da comunidade sobre juntar crianças para jogos de futebol na juventude e sentar com amigos à sombra de uma árvore no jardim para sentir o vento durante o verão escaldante. “Naquela época tinha amizade entre os vizinhos, todo mundo se ajudava. Agora, todo mundo tem televisão, celular, Internet, e sempre é preciso pagar por qualquer coisa”. Lorrana, também de 17 anos, moradora do Alemão, concorda que sua entrevista com o avô lhe deu uma chance para aprender e pensar mais sobre o passado de uma forma que ela nunca imaginou. “Nunca tive tempo para as coisas da vida dele. Além disso, estou aprendendo a me comunicar mais com as pessoas”.
Com o encorajamento de Alam, Pamela e Lorrana compartilharam algumas informações que aprenderam com suas entrevistas em alguns pontos do tour. Como ele explicou, “É para ajudá-las a falar de memórias. O objetivo do projeto é mais pessoas falando, divulgando a história do Alemão. Essas meninas são as novas protagonistas do processo. Podem ser professoras, ativistas, mobilizadoras sociais. O objetivo sempre é alcançar essa massa crítica de participação dentro da comunidade”.