Paulo de Tássio Borges da Silva[1]
Eu sempre gostei de observar a circulação de comidas nas escolas. Já partilhei por aqui uma experiência de produção curricular numa escola periférica do município da Serra – ES a partir de processos de subjetivação com a merenda escolar. Talvez seja interessante voltar a esta história.
As coordenadoras e as merendeiras sempre reclamavam que nos dias em que o cardápio era polenta (muitos dias na semana), as crianças comiam pouco, sobrando uma grande quantidade de comida, e nos dias em que o cardápio oferecia farofa, as crianças se mostravam mais animadas não havendo restos. Levei a reflexão para os momentos de debate com os pares e coloquei que havia uma questão que pulsava na escola a partir da comida. As crianças da escola em sua maioria era nordestina, baiana ou filhos (as) de baianos (as) que vieram em busca de trabalhos no Espírito Santo, instalando-se nas periferias da chamada “Grande Vitória”. Neste sentido, as crianças estavam colocando uma questão potente para se discutir a produção curricular da escola, indo além das críticas de senso comum das escolas da “Grande Vitória” que justificam o baixo IDEB às crianças vindas da Bahia.
Esta semana eu estive a refletir sobre as comidas que circulam durante a Páscoa nas escolas. E nesta circulação de comidas, saberes e cultura está o chocolate, alimento de origem indígena, a palavra “chocolatl” vem da língua Nahuatl no México, de “choco” que significa “cacau” + “latl” que significa “água”. Tendo se popularizado e mercantilizado pelo ovo de chocolate, havendo uma ligação a rituais pagãos no anúncio da primavera, quando realizavam rituais de adoração para Ostera, a deusa da Primavera. O peixe, alimento sagrado e símbolo da Páscoa para os cristãos (não falarei muito do seu significado por já estar bem difundido), além de ser comida de Yemanjá nas religiões de matriz africana. A pipoca e a canjica, alimento de Omolu e de Oxalá (a sexta-feira já é um dia santo para as religiões de matriz africana e em algumas casas no sábado de Aleluia se cultua Omolu), mais presente nas escolas periféricas.
Comida é cultura! Comida é um idioma que nos circunda o tempo todo. Neste caso, trabalhar a Lei 11.645/2008 a partir das comidas que circulam as escolas pode ser potente no diálogo antirracista, bem como no enfrentamento da mercantilização das datas comemorativas na escola.
Nota:
[1] Doutorando em educação Proped/UERJ.
Muito interessante.