Vinte anos depois da morte de Galdino, indígenas ainda sofrem com violência

No Dia do índio, relembramos a trajetória do cacique que veio à capital em busca de dias melhores para o seu povo

Carolina Gama – Especial para o Correio

21 de abril de 1997, hora do pôr do sol na Amazônia, na região Sul da mata. A indígena Pataxó Hã-hã-hãe Marilene Jesus dos Santos, à época com 33 anos, aproveitava o final da tarde para arrancar mandioca do solo. Enquanto realizava o trabalho solitário, observou no horizonte um funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai) vindo na sua direção. O rapaz despejou as palavras tão rápido quanto tinha corrido para avisar. A notícia vinha de longe. Da capital do país. O irmão Galdino Jesus dos Santos, 44, tinha sido queimado vivo por quatro jovens de classe média e um menor, enquanto dormia em uma parada de ônibus da W3, em Brasília. Hoje, no Dia do Índio, um dia antes de completar 20 anos do crime que marcou a cidade, o caso, infelizmente, é só mais um número nos índices de violência contra essas comunidades tradicionais.

Um dos 12 filhos do casal de Pataxós Juvenal e Minerva, Galdino não foi o primeiro dos irmãos a morrer devido a conflitos com o homem branco. O primeiro, João Cravin, foi vítima, em 1986, de um tiro dado por um fazendeiro próximo à aldeia Caramuru-Catarina-Paraguaçu, na qual a família morava, no sul da Bahia. Galdino chegou ao território candango em 19 de abril de 1997, acompanhado de outros oito indígenas. O cacique veio negociar com a Funai a demarcação das terras dos povos nativos. No dia seguinte, celebrava com companheiros o Dia do Índio, quando, por volta da meia-noite, deixou a festa para retornar à pensão em que estava hospedado, na 703 Sul. De acordo com o que um primo do líder dos Pataxós revelou ao Correio na época, Galdino se perdeu no caminho de volta e chegou ao dormitório às 3h. “A dona da pensão disse que ele não poderia entrar mais, porque as portas ficavam abertas somente até as 21h.”

Sem ter para onde ir, o cacique caminhou até uma parada de ônibus perto da pensão, deitou no banco e pegou no sono. Após uma noitada, os amigos Antônio Novely Vilanova, à época com 19 anos, Max Rogério Alves, 19, Tomás Oliveira de Almeida, 19, Eron Chaves Oliveira, 18 e G.A.J., 17, observaram a cena e, como relataram na ocasião, resolveram dar um susto no homem deitado, fazer uma “brincadeira.” Segundo Boletim de Ocorrência registrado na 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul), Eron foi quem derramou álcool sobre o corpo de Galdino. Cada um dos cinco riscou um fósforo e ateou fogo. O indígena chegou a ser levado para o hospital, mas acabou morrendo por insuficiência renal e respiratória ocasionadas por queimaduras de 2º e 3º graus em 95% do corpo. Os jovens foram condenados a 14 anos de prisão  pelo crime de homicídio qualificado.

Para Marilene, a chegada da data é sempre um martírio para a família. “Toda vez que vai chegando perto desse dia, é uma sensação horrível. A ferida se abre de novo, renova o machucado. Com a morte do meu irmão, eu tive que ser forte. Voltei para a aldeia, assumi a liderança no lugar dele. De onde ele estiver, estará orgulhoso.” A mulher comenta que toda vez que alguém do seu povo precisa vir a Brasília, a aflição a atormenta novamente. “Eu só fui à capital no julgamento dos agressores. Se depender de mim, não volto nunca mais.”

Crítica

Para a antropóloga responsável pelo relatório de Violência contra os Povos Indígenas, Lúcia Rangel, a morte do Galdino é o espelho do que acontece no Brasil. “Aqui é um país em que a violência vem de cima para baixo, na qual só o pobre leva a culpa. Em que lugar você está andando na rua, vê um ‘mendigo’, resolve atear fogo e diz que é uma brincadeira?”, critica. A especialista reforça a ideia de que o indígena estava na cidade para lutar pela demarcação da terra da comunidade tradicional. “A luta dos Pataxós é longa e até hoje não terminou. Galdino não estava naquele momento em confronto direto, mas era parte dessa luta. Como foi por isso que foi parar em Brasília, ele morreu por essa luta.”

Após duas décadas, os envolvidos no crime já cumpriram a pena e foram soltos. Atualmente, Eron Chaves Oliveira é servidor público, depois de ter passado em um concurso em 2014. G.N.J., que era menor na época, foi aprovado em concurso público da Polícia Civil do DF, mas não pôde assumir por não ter sido recomendado na sindicância de vida pregressa e social. A reportagem tentou localizar, sem sucesso, os outros três homens.

Programe-se

Ato Inter-religioso em memória de Galdino Pataxó Hã-hã-hãe

Quando: hoje, às 18h

Onde: Praça do Compromisso, entre as Quadras 703 e 704 da Asa Sul

Como: o ato contará com apresentações culturais, depoimentos de lideranças da causa indígena e caminhada

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