“Vivemos sinais de rompimento do pacto civilizatório”, diz PFDC sobre chacina de camponeses em Mato Grosso

Diálogo colocou em foco a necessidade de medidas estruturais para o fim da violência no campo, como a implementação da reforma agrária no País

Na PFDC/MPF

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, esteve na terça-feira (2) no Senado Federal em audiência pública que discutiu a chacina de trabalhadores rurais ocorrida na semana passada em Taquaraçu do Norte, município de Colniza, no Mato Grosso.

A chacina vitimou nove trabalhadores do campo, que foram torturados e mortos com tiros e golpes de facão. A polícia investiga o caso, que pode estar relacionado a disputa por terra.

“Esse foi mais um dos conflitos violentos no estado. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que entre 1985 e 2016 ocorreram mais de 32 mil conflitos agrários em todo o Brasil. Somente no Mato Grosso, 127 trabalhadores rurais foram assassinados ao longo desse período. Nenhum desses crimes teve seu mandante julgado e condenado”, denunciou Inácio Werner, coordenador da Comissão Pastoral da Terra de Mato Grosso.

Para a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, há problemas estruturais muito graves no Brasil, mas em Colniza eles estão acentuados: “o município vive um déficit de estatalidade. É uma região de invisibilidade estatal, de extrema violência e onde quem tem poder, tem a posse da arma e da segurança”, apontou.

A percepção da representante do Ministério Público Federal (MPF) sobre a violência e a precariedade na presença do Estado foi reafirmada pelo representante da CPT. Segundo a Pastoral da Terra, somente no ano passado 775 famílias foram despejadas e outras 175 expulsas de áreas rurais. Não há programa de proteção a defensores de direitos humanos no estado e mais de 8,5 mil casos de trabalho escravo já foram identificados. Também chama atenção a prática de pistolagem – em 2016, o Mato Grosso registrou 272 casos de pistolagem relacionados à violência contra a ocupação e a posse de terras. “Os impactos dessa situação são sofridos por 47 etnias indígenas, mais de cem comunidades quilombolas e 67 comunidades pantaneiras que vivem no Mato Grosso”, reforçou a CPT.

O Instituto Agrário Nacional (Incra) esteve na audiência e anunciou que pretende realizar um levantamento técnico para dirimir dúvidas sobre as terras onde ocorreram o massacre de Colniza. Embora a região não constitua área de assentamento do Incra, o conflito por terra impõe a atuação do órgão. A proposta é, em conjunto com o Instituto de Terras do Mato Grosso (InterMat), identificar se aquelas são áreas privadas ou do Estado – o que permitirá avaliar a possibilidade de transformá-las em assentamentos rurais ou de destiná-las para arrecadação por descumprimento das finalidades sociais. “Os relatórios podem indicar uma ação como a feita em Unaí, quando áreas privadas foram arrecadadas com a finalidade de reforma agrária”, apontou o representante do Incra.

Reforma agrária no Brasil – Para a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, é urgente a realização da reforma agrária no País, que tem problemas estruturais de acesso à terra. “A colonização sobre territórios indígenas – com expropriações, mortes e depois com a escravidão – deu origem ao grande latifúndio, à apropriação do trabalho alheio e à ociosidade de uma classe burguesa. Esse modelo chega até nossos dias”, destacou.

No caso do Mato Grosso, apontou Duprat, a estrutura agrária é caótica e foi inaugurada ainda no Império, quando o Estado passou as terras devolutas aos recém-inaugurados estados – o que nunca ocorreu no Mato Grosso. “O que se verifica no Mato Grosso é que a definição sobre o que são terras públicas, terras privadas, terras federais ou estaduais está sempre em uma zona de incerteza. É fundamental que o Incra – que, nesses 12 anos, não fez esse trabalho – comece a fazê-lo. Na década de 80, por exemplo, foi feita no estado do Pará a arrecadação de terras públicas que estavam sendo ilegitimamente tituladas”, lembrou a PFDC.

Para a representante do Ministério Público Federal, é hora de investir contra a cultura da grilagem que, aliada à impunidade, constitui fatores de estímulo à violência no campo. “O que temos são sinais de que está rompido o pacto civilizatório, especialmente com a notícia do atentado contra índios Gamela, no Maranhão. Estamos vivendo uma tragédia e, mais uma vez, muito fortemente no campo”, destacou a PFDC, que esteve na audiência como representante do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) – órgão que conta a participação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

Foto: PFDC.

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