O problema não é dos outros. É de todos. É nosso

Por Marcelo Carvalho, em Última Divisão

A bola está no centro do gramado, o jogo prestes a começar. Na arquibancada, duas torcidas apaixonadas por seus clubes. A expectativa é grande e o nervosismo assombroso. O juiz prestes a dar o apito inicial, mas por um minuto aquele jovem negro em meio a multidão fecha os olhos e, antes de a bola rolar, ele pensa na mãe, nos irmãos, na comunidade pobre de onde é oriundo e em sua infância repleta de dificuldades. Nos pensamentos perdidos para o além dos muros do futebol, recorda que o Brasil, assim como o estádio, também está dividido. “Luta de classes”, dizem uns; “luta entre a esquerda e direita”, proferem outros. Ricos x pobres, brancos x negros. “É, realmente, o país não está em paz”, sentencia em seus pensamentos.

No campo de futebol, até então existia a democracia racial. Ali, entre os 22 jogares, pouco importava a cor e a origem social – é o que sempre acreditou nosso personagem. Mas um fato o incomoda de uns tempos para cá, que é a grande quantidade de incidentes racistas nos estádios de futebol Brasil afora e infelizmente do mundo todo.

E o que antes simbolizava a harmonia entre os brasileiros vem demonstrando que o Brasil sem racismo nunca passou de uma falácia. Que o futebol sempre mascarou a realidade da sociedade brasileira, assim como dele mesmo – afinal, bastou um simples olhar no entorno para descobrir a pouca quantidade de negros entre os torcedores, o que é comum nas novas arenas.

Se um dia o futebol foi um importante instrumento de inclusão social dos negros, será que ainda o é? Mas, calma lá. Será que um dia de fato foi? Se lá em 1933, inicio da profissionalização do futebol no país, os brancos com certo poder aquisitivo consideravam uma vergonha ter no futebol uma profissão, os negros enxergavam uma nova possibilidade de ascensão social e acabaram por popularizar o esporte.
Mas também é importante salientar que a profissionalização do futebol foi um novo modo de proibir os negros de frequentar os clubes nos quais jogavam, porque agora, como atletas, muitos clubes os proibiam de circular entre os demais sócios. A porta dos fundos era o local de entrada e saída dos jogadores negros. O dinheiro era capaz de melhorar a vida dos atletas, de suas famílias, seus gols eram comemorados por todos. Mas a porta principal continuou fechada.

O tempo passou e nos deixou com a impressão que todas as proibições racistas deixaram de existir, mas a verdade é outra. Nos grandes clubes brasileiros que substituíram os times de fábricas do início do século XX, o negro continua a encontrar barreiras. Não aquelas placas públicas como a que Paulo César Caju encontrou num clube em Bagé, no interior do Rio Grande do Sul, onde alertava que a entrada de negros era proibida, mas a que negros não são capazes de assumir cargos de comando.

Pois onde estão os negros que deixam a carreira de jogador de futebol? Por que não se tornam treinadores como tantos outros atletas? A falta de treinadores negros, assim como dirigentes e presidentes, é perceptível. Mas se a questão for levantada para debate, muitos dirão que não é válida, que é “mimimi” ou “vitimismo”. Alguns ainda irão perguntar se agora queremos cotas raciais também no futebol.

A discussão sobre o racismo no futebol ainda é rasa e acontece somente quando do incidente com algum atleta de renome ou com um brasileiro no exterior. O debate deveria estar ocorrendo em todas as federações com a participação dos clubes e da sociedade – mas não. Afinal, preferimos passar panos quentes por sobre os fatos, empurrar o problema com a barriga ou fingir que não existe.
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Se o estádio de futebol é um pedaço de um todo e o que acontece ali é apenas reflexo da nossa sociedade, já passou da hora de proibirmos as faixas com os dizeres “no futebol vale tudo”. Não vale. E não pode racismo, falta de valores, machismo, sexismo, homofobia e tudo aquilo que é errado.

O racismo não é um problema só dos negros. A desigualdade social tem seu reflexo na violência. A opção de construir menos escolas e mais presídios não vai tornar o país mais seguro.

Se queremos um mundo melhor, um futebol sem violência e o fim do racismo, precisamos mudar nossos atos e atitudes. Passou da hora de condenar os erros dos outros e continuarmos a vibrar com a malandragem do jogador do nosso time. Chegou a hora de menos briga e mais diálogo, de menos apontar de dedos e de ouvir mais o outro. Chegou a hora de exercitarmos a empatia e lembrar que o mesmo racismo que silencia a criança negra é o que mata os jovens nas ruas.

Chegou a nossa hora.

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