Por Claudia Cambraia, Elaine Santos, na Alainet
Quando as mulheres negras, por meio de diversos escapes, alçam e ocupam determinados espaços hegemonicamente brancos, como o espaço dos debates acadêmicos, é sempre uma consternação entre todos. Primeiro porque não é comum protagonizarmos nada, nem mesmo as nossas ações no mundo podem ser relatadas por nós, somos sempre o objeto exótico do estudo alheio. Segundo, porque ocorre um desvelamento que produzimos conhecimento e queremos outra sociedade. Parece muita ousadia para aqueles que se acostumaram a retirar nossa humanidade.
E sim, nosso debate é marxista! E não poderia deixar de ser já que, acostumadas a sermos vilipendiadas e excluídas o tempo todo, só podemos pensar a sociedade a partir de outro projeto, entendendo que o sistema atual enraizado no racismo, no machismo que vivemos faz parte de uma razão político econômica. Para nós, grupos à margem, que só temos em comum a exclusão, a teoria só pode servir para construir outra sociedade. O posicionamento de classe é uma composição política e não apenas uma condição social.
Falar de cotas não é nem o início de uma discussão racial séria, portanto, não nos tratem como quantidades de seres apolíticos na composição da uma “esquerda”. Representação importa e muito! Mas não podemos achar que compor numericamente mesas com mulheres negras, indígenas ou seja lá qual falseamento da realidade usem para nos fragmentar, mudará nossa realidade concreta. Ao contrário, esta falsa representação nos incapacita de agir e de falar aquilo que ansiamos e nunca conseguimos, que é a mudança radical da sociedade. São violências múltiplas que nos unem, são múltiplas as contradições que nos atravessam, mas o capitalismo exerce sua força nos dividindo, estamos todos sob a mesma égide e o ciclo de dominação se fecha quando cada um começa a lutar por sua questão individualizada, seu sofrimento hierarquizado, em uma luta de todos contra todos à esquerda validando a eficácia do sistema capitalismo.
Em contrapartida, estamos entre (e do lado) os subalternos, os oprimidos, a nossa composição de classe que é heterogênea, mas conectada em suas opressões. Esta é a noção de interseccionalidade, o “nó” do termo cunhado pela jurista afro americana Kimberlé Crenshaw (1989), todas as múltiplas violências sofridas se encontram, se sobrepõem e colocam a mulher negra na base desta pirâmide, daí a morte do seu pensamento, do seu posicionamento e dos seus corpos. Todavia, diluir a premissa de classe deturpa a nossa possibilidade de luta, somos negras, também trabalhadoras, também mulheres, também periféricas; somos diversas lutas de uma mesma classe com seus sofrimentos e suas especificidades, mas somos uma classe.
Logo, nossa luta antirracista e feminista é, em seu plano central, contra o capitalismo. Falar de desigualdade sem falar da exclusão de género e da questão racial é como não tocar na questão central da exclusão e compreender o individuo com sua consciência autónoma, uma volta ao hegelianismo, que teve seu contributo, mas que o filósofo alemão já contemplou e transpôs ao tocar na escravidão como uma das formas de exploração do capital.
Posto isto, estamos na Universidade, ela foi ocupada, bem como todos os outros espaços pelos quais passamos, contrariamos as estatísticas, mas não abandonaremos o nosso estatuto e tampouco a conexão com a totalidade.
Nos respeitem, porque nossos passos vêm de longe, somos Lélia Gonzalez, Jurema Wernerck, Angela Davis, Audre Lord, Crenshaw, Sueli Carneiro, Isilda Nogueira, Cláudia Ferreira (mulher negra que foi morta e arrastada em via pública pela polícia carioca) somos também Alberto Guerreiro Ramos, Clóvis Moura, José dos Santos, Lígia Maria da Costa Cambraia, Lumumba, Marx, Lenín, Mariatégui, Darcy Ribeiro, as guerrilheiras nigerianas Nwanyeruwa e todos os que lutaram e lutam pelo fim do capitalismo.
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Claudia Cambraia é Jornalista, Doutoranda da FCSH/UNL e Participante da FEMAFRO.
Elaine Santos é Socióloga, Doutoranda do Centro de Estudos Sociais e Participante da Roda das Pretas