Congresso quer votar nesta semana medidas para ampliar desmatamento. Vamos regredir para o estágio em que se acreditava que recursos naturais são inesgotáveis?
Leandro Mitidieri* – El País
As propostas de diminuição dos direitos sociais dominam o noticiário. Mas o espírito do momento, de barco afundando pelas investigações de corrupção e pela crise, está gerando outras propostas apressadas, afinal “quem está para morrer, anda depressa”, teria dito Humboldt. As manifestações de abril mostraram o que os índios estão experimentando. Agora é preciso conhecer as ameaças que sofre o meio ambiente.
Quando ainda se lutava pela consolidação dessa nova atitude e pela efetivação do arcabouço de unidades de conservação existentes, irrompe um ataque, nunca antes visto, ao que foi duramente alcançado, com um pacote de medidas provisórias e propostas legislativas de redução e extinção de várias dessas áreas protegidas. O Congresso, com apoio do Governo, quer votar nessa semana as Medidas Provisórias 756 e 758 de 2016, que, em conjunto com um esboço de projeto de lei, atingem, no total, 1,1 milhão de hectares no Pará, mais 1 milhão de hectares no sul do Amazonas, totalizando cerca de 2,2 milhões de hectares sob ataque (o equivalente ao território de Sergipe), justamente em regiões por onde adentra o desmatamento na Amazônia. Como se não bastasse, a Mata Atlântica não ficou de fora e também está sendo reduzido um parque nacional em Santa Catarina.
Apesar da Constituição exigir lei formal para a supressão de unidades de conservação, adotou-se o regime de urgência das medidas provisórias para esse ataque, ao invés de um processo cuidadoso e amparado em estudos técnicos. Turbinar o desmatamento já altíssimo na região seria urgente e relevante? Se levarmos em conta o fato de que o já combalido Ministério do Meio Ambiente sofreu a assustadora redução de 53% no seu orçamento para 2017 e que o licenciamento ambiental vem sendo dilacerado, temos a ideia do animus reinante.
Nossos tribunais já vêm admitindo o princípio de que é proibido o retrocesso social e ambiental, exceto se ele tem amparo na Constituição. Mas a questão não é só nacional. A flagrante e grave afronta às Metas de Aichi da Convenção sobre Diversidade Biológica (promulgada pelo Decreto 2.519/1998) e à COP 21 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (promulgada pelo Decreto 5.445/2005) coloca o país dentre aqueles vilões ambientais que descarada e cinicamente desconsideram os compromissos internacionais.
Nesses tempos de pós-verdade, em que se sustenta que desenvolvemos a razão como uma arma para vencer discussões, e não para buscar a verdade, haverá sempre argumentos contra estudos que apontam a relação do aumento da febre amarela com o desmatamento, contra a tese de que a floresta Amazônica evita furacões e outros eventos climáticos extremos ou, ainda, contra teorias como a da “ecologia do medo”, que explica como a ausência de predadores faz com que as presas se comportem de forma mais danosa ao meio ambiente, alimentando-se tranquilamente da mata ciliar por exemplo.
Mas será que vamos regredir para o estágio em que se acreditava que os recursos naturais eram inesgotáveis? Talvez não seja prudente para os próprios produtores duvidarem de que, por exemplo, a floresta amazônica exporta rios aéreos de vapor para irrigar regiões distantes no verão hemisférico, fazendo dela a melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que requerem chuva na medida certa, um clima ameno e proteção de eventos extremos. Ora, é incontestável pelo menos o fato de que o desmatamento alcançou sua maior redução, de 2005 a 2012, simultaneamente a um período de saltos extraordinários da produção agropecuária brasileira.
Operações como a recente “Carne Fria”, que identificou empresas que vêm comprando gado de áreas desmatadas ilegalmente, indicam que a sanha do agronegócio avança incontrolável para assassinar sua própria galinha dos ovos de ouro, que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
*Procurador da República, mestre em Direito Constitucional pela UFF, especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Pisa e Coordenador do Grupo de Trabalho de Unidades de Conservação do MPF