Casé Angatu: “Nossas vidas opõem-se ao capitalismo”

“A luta indígena é também a luta por uma nova sociedade que já carregamos naturalmente em nossos corpos, anga (alma) e resistência. É o que podemos oferecer aos movimentos sociais”

Por Casé Angatu – Outras Palavras

Nossos anciões ensinam que é bom sonhar, mesmo quando estamos acordados. Estes sonhos oferecem força e horizonte (perspectiva) à nossa luta de resistência, que já dura mais de 500 anos. Uma luta, acima de tudo, ritual e sagrada. É a luta pelo Território onde moram os Ancestrais e as/os Encantadas/Encantados da natureza. Como costumamos dizer: “não éramos e nem somos donos da terras … somos a própria terra”. Esta é a energia vital que nos faz resistir há cinco séculos contínuos de genocídios e etnocídio.

O Índio, em sua natureza profunda, mesmo quando violada pelas tentativas de etnocídio, carrega o sentimento de desejar a terra não como propriedade, mercadoria e para exploração de riquezas. Sentimos que este é um dos significados mais profundos da luta e dos sonhos indígenas, que também podemos chamar de utopia: o desejo pelo Território para nele vivermos e compartilharmos com os de anga (alma) livre.

Nossos corpos, rituais, cosmologias e formas de viver são, em conjunto, natural e espontaneamente uma oposição ao capitalismo e um incômodo ao seu estado, que precisa nos negar direitos e combater. Os donos do poder econômico negam há mais de 500 anos o nosso Direito Congênito e Natural ao Território. Recusam também nossa autonomia enquanto Povos. Mesmo a própria Constituição de 1988, apesar de avançar no sentido de não mais nos encarar como em extinção, em seus artigos 231 e 232 não oferecem garantias definitivas à demarcação de nossos Territórios e à nossa autonomia.

A luta que realizamos nestes cinco século tem sido a de resistência aos donos do poder político e econômico em suas diferentes formas: aldeamentos jesuíticos, colônia, império e república. Resistência e também enfrentamento no sentido de expulsar os invasores, como foi a Confederação dos Tamoios entre 1554 – 1567.

O que aprendemos nestes cinco séculos é que o estado brasileiro é incapaz de oferecer garantias aos Territórios Indígenas e à Alteridade de cada Povo. Somos mais de 300 Povos e precisamos de garantias às nossas Alteridades e Territórios. Como já fazem nossos Parentes Zapatistas em Chiapas no México. Lá a utopia indígena é construída cotidianamente com muito custo, mas mostrando que é possível termos Territórios livres e indígenas. De Chiapas as palavras de nossos Parentes nos chegam como inspiração: “Pero la luz será mañana para los más. Para todos aquellos que hoy lloran la noche; para quienes se niega el día; para todos la luz; para todos todos” (Manifiesto Zapatista en Náhuatl – Subcomandante Insurgente Marcos. Ejército Zapatista de Liberación Nacional).

Os possíveis caminhos que podemos oferecer aos movimentos sociais é o exemplo de como resistimos há mais de 500 anos de negações, genocídios e etnocídio, sem desistirmos dos sonhos na busca pelos Territórios Ancestrais e por Alteridade. Não desistimos de termos nossos Territórios Ancestrais de volta e garantidos. Assim, como os que lutam contra as injustiças não deveriam desistir da utopia por um outro mundo possível.

Assinalo isto porque não acredito que nossos sonhos indígenas serão possíveis no atual sistema econômico, organização social e política. Caso a perspectiva de uma outra sociedade não esteja mais presente na pauta dos que lutam, sinto que teremos que vivenciar mais cinco séculos de resistências indígenas na busca pelos Territórios Ancestrais e pela Natureza Encantada respeitada. A não ser que façamos como nos Parentes Zapatistas e nos antecipemos.

A luta indígena é também a luta por uma nova sociedade que já carregamos naturalmente em nossos corpos, anga (alma) e resistência. Mas precisamos que junto conosco a utopia por uma nova sociedade não fique fora da pauta dos movimentos sociais e mesmo das discussão sobre as eleições. Sinto que as plataformas políticas e dos movimentos sociais deveriam se comprometer com esta perspectiva renovada com as experiências seculares dos Povos Originários e dos novos movimentos sociais que afloram no campo e na cidade.

Para além de nossa secular resistência temos também muito a ensinar através da forma como vivenciar a Natureza Encantada através do respeito e interação. Temos muito o ensinar no modo de conviver coletivamente e sobre nossa cosmologia. Mas para isto é necessário que os movimentos sociais e as pessoas não desistam da utopia de uma outra sociedade da qual seremos parte e teremos muito a aprender, desde que respeitem nossos Territórios e Alteridades.

Os Povos Originários são os sonhos e as utopias do passado, presente e futuro. Carregamos naturalmente em nossos corpos, anga (alma), cosmologia e luta os princípios de que um outro mundo é possível. Por isto que nossa luta é de todas e todos que desejam este outro mundo possível. Mas precisamos que esta utopia (ou sonho) não deixe de estar presente na pauta política entre aqueles que lutam por uma sociedade justa. Talvez por isto cantamos em nossos rituais aqui no Território Indígena de Olivença (Ilhéus/BA):

“Somos Tupinambá
Que não nega nossa nação
Somos geniosos,
mas temos bom coração

Somos eternos guerreiros
Por nossa terra vamos lutar
Espalhar nossa semente
O solo germinar”

AIÊNTÊN !!!

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Casé Angatu Xukuru Tupinambá: Indígena e da Luta Indígena, Aldeia Gwarini Taba Atã – Território Indígena Tupinambá de Olivença (Ilhéus/BA). Historiador e Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC -Ilhéus/Bahia

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