À deriva, arrastados e ludibriados à luz do meio-dia

Por Rui Cezar dos Santos

Decorridas cerca de 60 horas e a procela, ao invés de ganhar intensidade alçando a condição de maremoto ou de um furacão ensandecido, tende ao marasmo da praia de Santa Mônica, em Guarapari. Ao invés de ruas ocupadas e um coro celestial de Fora Temer – Diretas Já há razões para temer o que se urde entre quatro paredes, nas redações e departamentos de jornalismo e, é claro, encontros, almoços e vinhos federais.

O nome da Constituição Federal é sempre invocado como se invoca, em vão, a Deus. Para obter graças. A Constituição, como se pode observar, é como um jagunço pachorrento, ocioso, mas acordado e posto a serviço sempre que convém aos poderosos (os destituídos são nela contemplados … com palavras e ditames lembrados apenas por palavrórios a cada quatro anos). A mídia já a ela recorreu. As Forças Armadas, dirigidas por um ministro do desgoverno desmascarado pela enésima vez, já mandou avisar que nada se resolve fora de suas letras. Trocando em miúdos, já se decidiu, nos ninhos dos poderosos, por uma eleição INDIRETA de alguém que, como o pequeno criminoso, aparenta ares de decência e honestidade. Sua competência é secundária, fica para depois, para ser inventada/decantada pelos mesmos, esperamos, “homens da imprensa” que se divertiram, bajularam, agradecidos com o favor de Michel Temer em conceder-lhes uma entrevista transmitida pela TV Pública. Lembram-se? Perguntou-se até como o gerôntico vetusto conquistara o coração da Marcela Temer!

Ontem mesmo o “The Globe” manifestou em editorial sua “opinião”. O feito-presidente deve renunciar. E a Constituição observada. Os periódicos paulistas, também empunhando a Constituição em causa própria, foram brandos, nenhuma contundência clamorosa, farpas atiradas aqui e ali: notícias e artigos esparsos sobre a debandada da “base aliada”, dos pedidos de impedimento protocolados, da ópera-bufa interpretada por um patusco e um espertalhão, a renúncia de um ministro, a espera “cautelosa” (entenda-se, não é prudência, mas um exercício na teoria dos jogos praticada em cima do muro PSDBista) e a malhação do triste judas em que se metamorfoseou um herdeiro político e sua irmã, a “leoa” parda.

Tadinho, transformado em boi de piranha por apenas 2 milhões!

Covardes (comparem-nos com Ulysses Guimarães, o anti-candidato, enfrentando os cães da PM em Salvador, por exemplo) e oportunistas, a canalha espera por verificação de laudos técnicos da gravação com a certeza de que o lado “free lancer” da justiça, os rábulas dos políticos enlameados, lancem escuridão, como Voldemort, para se escapar da resplandescência da luz que incidentalmente se infiltrou entre as negras nuvens do escuso. Nada a esperar de um Parlamento corrupto, mercenário, oportunista e genocida. Pouco também de um STF que parece preferir, com raras exceções, acudir com o providencial rescaldo de uma praça federal em chamas e ruínas.

Por quê esperar? Por nada significativo. Por que tanto pessimismo? Simples …

1) Deposto Vargas em 1945, foi alçado à presidência o jurisprudente José Linhares, juiz do STF, mais conhecido por José “Milhares” devido às inúmeras nomeações de parentes para cargos públicos. Foi interino por pouco mais de três meses;
2) Com o suicídio de Getúlio, em 1954, assumiram três substitutos: Café Filho que doente foi substituído por Carlos Luz, defenestrado por tentar impedir a posse do recém-eleito JK. Seu substituto até a posse de Juscelino foi Nereu Ramos. Café Filho emitiu sinais de que queria voltar a ocupar a presidência o que levou o general Lott a decretar estado de sítio para empossar JK e João Goulart;
3) Com a renúncia de Jânio Quadros os militares tentaram impedir o vice-presidente João Goulart, então em viagem à China, de assumir a presidência. Ranieri Mazzili assumiu interinamente. Com a pressão de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e contraparente de Goulart, fez-se uma composição transformando o presidencialismo em parlamentarismo. Durou menos de um ano e João Goulart finalmente se torna presidente efetivo para ser destituído pelo golpe militar;
4) Com a morte do general-presidente Athur da Costa e Silva, em agosto de 1969, os generais impediram que o jurista mineiro Pedro Aleixo, seu vice, assumisse a presidência. Em seu lugar assumiu um triunvirato de generais por dois meses quando as Forças Armadas colocaram Garrastazu Médici no poder.

Sempre as elites interpretando ou rasgando a Constituição. Ao povo restava, e resta(?) apenas levantes, greve (mas nem sempre) e quebra-quebra ocasionais. É um engodo vendido pela indústria da (des)informação que a marcha pelo impedimento da presidente foi a gota d’água do processo. Como indicam a delação dos donos do Friboi, comprava-se votos contra ou a favor do processo. Sempre entendi desta forma, foi uma REINTEGRAÇÃO DE POSSE. Às elites era inadmissível, intolerável, um martírio e ignomínia ter um partido com algum viés de esquerda por mais dez anos no poder (os dois restantes de Dilma Rousseff e mais outros oito, certamente, de Lula da Silva).
Como aconselhou o ex ministro do STF Joaquim Barbosa, é preciso ganhar e controlar as ruas e assim evitar aquilo que um ex presidente do estado de Minas Gerais aconselhou: “façamos a revolução antes que o povo a faça”.

O Brasil é um país realmente único. Até notícia boa cobra sua importância em ouro. E suor, lágrimas, desesperança e genocídio.

P.S. 1) A maior probabilidade, infelizmente, de termos diretas já é com a cassação da chapa Dilma-Temer e a interpretação do STF, polêmica e quase certamente improvável, de lei eleitoral recente que preconiza eleições diretas até seis meses do final do mandato.
P.S. 2) Postei recentemente “Pobre, porém dignos” onde comparo a Romênia com o Brasil. Penso que é de utilidade dar uma conferida para abalizar nossa impotência civil e republicana.
P.S. 3) O oráculo será, acabo e a termo o sacrossanto MERCADO. Aceito apostas.

 

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