Os retrocessos na Legislação Ambiental e a persistência da anemia das Arqueologias Brasileiras – um Réquiem

Por Lennon Oliveira Matos, em Combate Racismo Ambiental

A trombeta poderosa espalha seu som
pela região dos sepulcros,
para juntar a todos diante do trono.
A morte e a natureza se espantarão
com as criaturas que ressurgem,
para responderem ao juízo.
Um livro será trazido,
no qual tudo está contido,
pelo qual o mundo será julgado.
Logo que o juiz se assente,
tudo o que está oculto, aparecerá:
nada ficará impune.
O que eu, miserável, poderei dizer?
A que patrono recorrerei,
quando apenas o justo estará seguro?”.
Tuba Mirum, Réquiem em D Menor (K.626), Wolfgang Amadeus Mozart, 1791[i]

Em 1791 o compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart recebe um pedido inusitado. Um desconhecido encomenda uma obra fúnebre para um defunto também desconhecido. Curiosamente, Mozart falece antes do término do que conheceríamos como o magistral Réquiem em D Menor, cabendo ao seu assistente, Franz Xaver Süssmayr, finalizar tal obra. A composição para o rito fúnebre composta por Mozart, como não poderia ser diferente, tem um ambiente mórbido e sombrio, cercado por coros e instrumentos harmoniosamente dispostos. Além de admirar o Réquiem de Mozart e não poder me aprofundar tanto neste universo musical (quem sabe em outra oportunidade), trago-o aqui, pois, ouvimos os coros de uma missa fúnebre que prossegue incessantemente.

Apesar do risco de ser indecorosa, ao mínimo uma comparação poderia ser feita. Há defuntos sendo velados ao esquecimento e ao silenciamento, relegados ao descaso: o patrimônio cultural e ambiental brasileiro e a vida de centenas de comunidades. Ao contrário de Mozart, sabemos quem são os fiadores de tal rito fúnebre: os políticos de sempre (nenhuma novidade) e os vultosos financiadores de campanha (os setores agropecuários, de energia, mineração…, bancos, conglomerados financeiros…). São fiadores por terem “financeirizado” aquilo que presumidamente não deveria haver valor: bens de interesse coletivo e vidas. Por outro lado, há aquelxs que entoam os cânticos: os anêmicos profissionais e envolvidos nas diversas áreas relacionadas e impactadas com as diversas mudanças no conjunto da legislação ambiental. Cantam aqui, carregam um caixão acolá, cavam uma cova ali, mas não se preocupam em articular o fim da matança. Em outras palavras, fazem os maiores alardes do mundo para aparentarem se preocupar com algo, se negando em criar formas e estratégias de enfrentar a real problemática.

Poderíamos pontuar a conjuntura deste real problema nas seguintes questões[ii]:

– PEC 215/2000 que transfere do Poder Executivo e seus órgãos técnicos para o Poder Legislativo, mais precisamente para a Câmara dos Deputados, a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação no Brasil, com claro objetivo de impedir a demarcação de novos territórios;

– MP 756/2016 que altera os limites do Parque Nacional do Rio Novo e da Floresta Nacional do Jamanxim e para criar a Área de Proteção Ambiental do Jamanxim;

– MP 758/2016 que altera os limites do Parque Nacional do Jamanxim e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós, ambos no Pará. Tais alterações se devem à passagem da Estrada de Ferro 170, em fase de construção, onde também há a presença da BR-163, prevendo que as populações e imóveis rurais privados existentes no PARNA serão desapropriados;

– MP 759/2016 que diminui as exigências e pré-requisitos ambientais para a regularização fundiária na Amazônia Legal e que foram denunciadas por terem sido negociadas sem debate prévio ou consulta a organizações ou famílias do campo. Representantes do judiciário apontaram inconstitucionalidade na permissão prevista na MP para o governo pagar em dinheiro as desapropriações;

– PEC132/2015 que garante indenização a todos os proprietários de “boa-fé” e prevê o pagamento pelas benfeitorias efetuadas sobre o terreno de terras homologadas como área indígena a partir de 5 outubro de 2013;

– PL 2289/2007 e PL 4059/2012 que regulamentam a aquisição e o arrendamento de imóvel rural, por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, em todo o território nacional;

– PL 37/2011 e PL 5807/2013 estabelecem o Novo Código de Mineração, pontuando novas categorias tributárias e flexibilização das regras de pesquisa e exploração Mineral;

– PL 6422/2016 que institui normas reguladoras do trabalho rural e revoga a Lei 5.889/73 e a Portaria nº 86, de 2005;

– PLS 432/2013 que restringe a compreensão de trabalho escravo contemporâneo, retirando os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes” e, consequentemente, a possibilidade de responsabilização dos empregadores que praticam essa espécie de exploração, onde o emprego de força de trabalho barata e desumana é a alternativa para reduzir custos e aumentar os lucros em diferentes setores da economia;

– PLC 34/2015 altera a Lei de Biossegurança para liberar os produtores de alimentos de informar ao consumidor sobre a presença de componentes transgênicos quando esta se der em porcentagem inferior a 1% da composição total do produto alimentício;

– PL 6299/2002, PL 1687/2015 e PL 3200/2015 que dispõem que o registro prévio do agrotóxico será o do princípio ativo e institui a Política Nacional de Apoio aos Agrotóxicos e Afins de Baixa Periculosidade; dá competência à União para legislar sobre destruição de embalagem do defensivo agrícola; pretende criar a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CNTFito), retirando do IBAMA e da ANVISA a atribuição de realizar o processo de avaliação de pedidos de liberação comercial de agrotóxicos, onde há o claro interesse estrito do lucro em detrimento da saúde e do meio ambiente, revogando o conjunto – diga-se de passagem, ainda limitado – das Lei 7.802/89 e Lei 9.974/00;

– Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), inicialmente cogitava a extinção da FUNAI, o que não foi adiante, no entanto, ingressa incisivamente com anuência e anistia dos crimes cometidos contra as populações indígenas no período do regime ditatorial, subordinando a vigência dos direitos territoriais dos índios à data de promulgação da Constituição; revogação do decreto 4.887/2003 que regulamenta a titulação de quilombos, como também, revisão de demarcações de terras indígenas e titulações de quilombos já concluídas; abertura de investigação contra organizações indigenistas no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF);  o relatório pede o indiciamento de índios, funcionários da Funai, indigenistas, antropólogos, advogados e procuradores da República, além de pedidos de investigação de organizações indigenistas, isentando qualquer pedido de investigação de organizações e pessoas vinculadas ao agronegócio;

– CONAMA 01/86 e 237/97 que preveem a simplificação das modalidades de licenciamento;

– PEC 65/2012 que prevê a autorização de um empreendimento apenas pela simples apresentação dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-Rima);

– PLS 654/2015 que estabelece prazo para a realização de licenciamento ambiental em grandes obras consideradas estratégicas pelo governo, com o prazo máximo de oito meses para tanto; procurando pressionar órgãos de escassos recursos e técnicos, revogando qualquer consulta pública com a sociedade;

– PL 3729/2004 e substitutivos, onde o Ministério do Meio Ambiente procura promulgar lei geral para o Licenciamento Ambiental, consolidando simplificações de dispositivos legais e isenções destes às obras e serviços de manutenção, modernização e melhorias em estruturas aeroportuárias, que já possuam licença de operação e desde que não impliquem em aumento da capacidade operacional; pavimento de rodovias localizadas nas faixas de domínio; atividade agrícola, de silvicultura e pecuária extensiva; pesquisa de natureza agropecuária; execução de infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável; atividades de execução de manutenção das condições operacionais pré-existentes em hidrovias, portos organizados e instalações portuárias em operação; obras rodoviárias e ferroviárias de manutenção, contemplando conservação, recuperação, restauração e melhoramentos; obras de melhoria e manutenção de sistema de transmissão e distribuição de energia localizadas em faixa de servidão de empreendimento pré-existente devidamente licenciados; pesquisa mineral fase I e testes operacionais, e execução de obras que não resultem instalações permanentes; outras atividades ou empreendimentos não inclusos na relação a ser estabelecida pelos órgãos colegiados deliberativos dos Sisnama. Além destas isenções[iii], desconsideração do aspecto locacional na definição do tipo de procedimento a ser observado; enfraquecimento dos órgãos gestores de Unidades de Conservação e do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC); enfraquecimento das condicionantes; pouco rigor na Licença por Adesão e Compromisso; inconsistências normativas na licença corretiva; pouco rigor em licenciamentos de atividades ou empreendimentos situados na mesma área de influência; lacuna quanto ao prazo de validade das licenças; pouco rigor na renovação das licenças; enfraquecimento dos mecanismos de responsabilização pelo dano ambiental; fragilidade na alteração da Lei de Licitações e da Lei do Parcelamento Urbano; injuridicidade na transferência de responsabilidade sobre condicionantes; a realização de licenciamento ‘autodeclaratório’, por cadastro eletrônico, sem consulta dos órgãos ambientais; fragilidade nas regras sobre a manifestação das autoridades envolvidas, restringindo geograficamente a manifestação da FUNAI, Fundação Cultural Palmares e dentre outras[iv].

Notadamente, o interesse de promulgação de projetos como estes deixa claro que o licenciamento ambiental – munido de seus Estudos Prévios de Impacto Ambiental e demais procedimentos legais, assim como, das condicionantes – deve ser extirpado frente aos interesses do capital exploratório e financeiro-especulativo global. Há um claro desinteresse com relação às comunidades diretamente impactadas com estes empreendimentos, onde as vidas destas sequer estão sendo levadas em conta, refletindo a mentalidade neodesenvolvimentista/colonial que cerca estes projetos.

Enquanto trabalhadoras e trabalhadores devemos também nos posicionar incisivamente no que tange aos retrocessos impostos pela PEC 55/2016-PEC 241/2016 (teto dos gastos públicos), PEC 287/2016 (reforma da previdência), PLC 38/2017 (reforma trabalhista) e dentre outras[v]. São um conjunto de dispositivos legais que sofreram alteração ou foram revogados neste um ano de governo ilegítimo, sem nenhuma consulta popular e claramente em detrimento dos interesses desta; aliás, a impopularidade do governo golpista de Michel Temer reflete o quão desprovido de quórum popular seu “projeto político” é.

No caso específico aqui trazido à reflexão, às Arqueologias (entenda-se, também, Arqueólogas e Arqueólogos) deverão até se surpreender ou quem sabe supor que quero “descobrir a roda” (!). Pontuo isso, pois, é perceptível a superficialidade das ditas arqueologias socialmente engajadas e públicas. Apenas atuamos nas demandas que nos convêm, restringindo a atuação profissional, social e de cidadania das(os) envolvidas(os) nas arqueologias apenas às pautas envolvendo o Licenciamento Ambiental e a Regulamentação da Profissão de Arqueólogo. Digo isso, pois, de um lado a outro apenas vemos posicionamentos unilaterais e monológicos, onde apenas procuram dialogar com os mesmo interlocutores de sempre, as mesmas bocas para os mesmos ouvidos (estou ciente deste pleonasmo). Não exumo a importância social de cartas, desde que compreendidas como manifestos informativos e que busquem inquietar e integrar outras(os) atoras(es) para as pautas manifestadas.  No entanto, há que se pontuar a necessidade de articulação e estratégia para ações decorrentes de tal proposição. Por conta disto, rememoro as quase esquecidas articulações sociais de base – a título de explicação, não entendo e nem vejo correlação destas com as ditas atividades de “Educação Patrimonial”, o que proponho aqui é inclusive para irmos além disso.

Provocações

Temos que pagar nossa conta pela (im)postura enquanto profissionais das arqueologias e como parte integrante da cidadania brasileira. As nossas vaidades enquanto autoridades científicas, prestigiadxs pela nossa presumida neutralidade enrustida por instituições e grupos herméticos de “intelectuais” servidores do estado, defensorxs austerxs de privilégios nesta sociedade hierarquicamente estratificada e desigual, apenas preocupados com o próprio umbigo e bolso. Instituições, órgãos públicos, universidades, grupos e movimentos presos ao espetáculo alienatório das mídias e redes sociais (aqui dentro [on-line] tudo posso e falo, aqui fora [off-line] nada faço). O repertório ainda prossegue o mesmo: um grupo se junta, endereça e-mails e cartas aos contatos eletrônicos dos parlamentares envolvidos nas questões que lhes convêm, quando não, apenas publicam nas mídias e redes sociais.

Nas ruas, nas instituições e nos campos é necessário ir além das quadrículas, unidades, módulos e trincheiras de escavação (infelizmente, as trincheiras envolvendo as tensões sociais estão esvaziadas). Temos que ir além de ‘locais epistêmicos’ que apenas analisam à distância eventos e questões de impunidade e injustiça social, abuso de autoridade, violação de direitos civis, políticos, sociais, humanos e ambientais, destituição de dispositivos legais, utilização indevida e ilegal do patrimônio e erário público, parcialidade jurídica… É necessário cada vez mais ocupar e atuar em ‘locais sociais’ com pautas como as levantadas acima. É necessário atuar além de estratégias automatizadas, pois, pelo contrário, estaremos apenas reproduzindo as plataformas e circunscrevendo as potencialidades de atuação e reivindicação social às regras e moldes estratégicos das decisões do mercado financeiro (os novos softwares da SAP e IBM agradecem por isso).

Acredito que há sim importância em listas de assinaturas, abaixo-assinados, cartas e manifestos, mas são apenas essas estritas alternativas as estratégias que toda vez devemos utilizar? Para mim esta falta de articulação e diversificação nas estratégias são apenas reflexos que expõem o quanto as instituições, órgãos públicos, universidades, grupos e movimentos estão ausentes da sociedade. Um exemplo disso são xs estudantes que passaram/passam anos na universidade sem se posicionar em movimentos estudantis; vivendo como forasteiros(as) em (novas) cidades, onde não se integram e interagem com a sociedade ali presente e nem se preocupam/preocuparam em divergir com os estritos interesses particulares e privados que claramente sobrepõem os interesses e demandas de diversas instituições públicas[vi]. Xs que integram estes espaços englobados acima são personagens sociais que transitam pela sociedade aparecendo e reaparecendo apenas quando lhes convêm. Estamos espetacularmente abduzidos pelas tecnologias que “facilitam” nossas vidas; pelas restritas demandas das nossas próprias “bolhas sociais” e por atuações performáticas que em nada se interessam a resolver as demandas sociais. Onde estão as atividades, projetos e movimentos preocupados com as bases e articulados com diversos atores(as) e demandas sociais? Não há possibilidade/interesse de atuar em Arqueologias preocupadas com estas questões? Ou apenas as ruínas e os gélidos e silenciosos mortos soterrados nos interessam? É necessário encarnar a solidariedade entre as(os) diversas(os) atoras(es) e movimentos sociais, procurando fortalecer as atuações e articulações dos movimentos populares de base.

Ao me posicionar de forma tão áspera, para alguns, incorro a possibilidade de com essa linguagem parecer me equivocar ao presumidamente generalizar para todas e todos responsabilidades e contradições que inegavelmente também me cercam e que indubitavelmente não são culpa universal de todas e todos – mas, concordam, com certeza, que é de uma grande maioria. Corro este risco, sem dúvida, mas apenas pelo interesse de incomodar aqueles e aquelas que expurgam da vida pública cotidiana (devem utilizar com toda coragem que o mundo lhes dá nas mídias e redes sociais) a indignação para com os retrocessos e usurpações que nos infligem diariamente e apenas se preocupando e se posicionando para com seus próprios e estritos interesses.

Repeti diversas vezes a palavra ‘anemia’ e alcunhei os profissionais e envolvidos nas arqueologias de ‘anêmicos’, explico o porquê. A anemia é uma doença que (1) afeta a quantidade de hemoglobina no sangue deixando-a abaixo do normal, (2) causando a carência de um ou mais nutrientes e (3) resultando na ineficiência de oxigenação e distribuição de nutrientes em todo o corpo[vii]. Faltam pessoas e movimentos que atuem além das cercanias digitais das redes sociais e dos departamentos acadêmicos, de forma pública e direta cotidianamente na sociedade, articuladxs solidariamente a outros coletivos e movimentos, bem como, atuantes com projetos para as bases sociais (1). Falta construção de alternativas sociopolíticas nas Arqueologias Brasileiras (se é que há hoje alguma de caráter sociopolítico) e formação humana preocupada com demandas coletivas que envolvem questões sociais, e não apenas as que afligem as suas presumidas áreas de atuação e restritas à produção de descrições, análises e classificações enfadonhas que, na instantaneidade que aparecem, silenciam-se novamente; e, não obstante, que nutram e busquem construir Arqueologias desde aqui e para aqui, tanto em questões epistemológicas quanto sociais, contrapondo as mentalidades de dominação e exploração global (2).

São estas alternativas e posicionamentos que deverão oxigenar a insurgência e consolidação de agendas socialmente articuladas e comprometidas em assegurar a integralidade pública dos bens de interesse coletivo e a vida de diversas comunidades, pautadas nas solidariedades e colaborações coletivas (3). Para tanto, é, também, necessário ir além da autoridade científica/intelectual perpetrada por diversas instituições e espaços/grupos intelectuais. Outrossim, necessitamos nos articular para além da mentalidade que nos submete ao raciocínio apenas do lucro, acúmulo, produção e consumo onde diversos patrimônios ambientais e culturais, e vidas, são solapados pelos interesses de um mercado financeiro-especulativo do norte global e legitimado irresponsavelmente pelo Estado e seus agentes políticos e servidores.

As Arqueologias Brasileiras devem se ater que são necessárias autoanálises/autocríticas de suas próprias práticas, bem como, reorientar e rearticular as estratégias de reivindicação e atuação social, para que não seja necessário entoarmos um Réquiem, desta vez, para as Arqueologias Brasileiras. Devemos, neste sentido, expandir as áreas de atuação profissional e social das(os) Arqueologias/Arqueólogas(os), não apenas imputando à ‘práxis arqueológica’ a singular opção do Licenciamento Ambiental, condição esta que, por vezes, com a legitimação de aparentes “opositores” [viii] (desde acadêmicos à organizações), torna opaca a capacidade de distanciamento desta condição na formação e atuação dos(as) profissionais das Arqueologias.

Inegavelmente, sei que o tema e as provocações são complexas e densas para tão pouco espaço. Por conta disso, aos que tenham sugestões, críticas e contribuições escrevam para este site ou por e-mail, pois responderei com afinco a cada uma. Por fim, aqui está retratado um local de fala e observação dentre os diversos e, como se sabe, as reflexões e posicionamentos do texto são de responsabilidade do presente autor.

Maio de 2017.

Lennon Oliveira Matos, Bacharel em Arqueologia e Preservação Patrimonial (Universidade Federal do Vale do São Francisco), pesquisador independente. [email protected]

[i]  A letra é uma parte do cântico da liturgia Anglicana e Católica, Dies Irae (Dias de Ira), e adaptada por Mozart e outros compositores para diversos réquiens.

[ii]    O documento ‘#Resista: Sociedade civil se une em movimento contra Temer e ruralistas’, lançado em 9 de maio de 2017, aponta alguns destes retrocessos, aqui também relatados, apresentando mais de 130 entidades que endossaram repúdio a estas atrocidades envolvendo o meio-ambiente e diversas comunidades. Diversas destas entidades são notoriamente reconhecidas por suas atividades e atuação nas bases e movimentos sociais.

[iii]  Estes ponderamentos foram apresentados no Parecer n° 001/2017, do Gabinete da Presidência do IBAMA, publicado no dia 05 de maio de 2017. É um conjunto extenso dos dispositivos legais que regem a legislação ambiental que estão sendo revogados ou sofrendo alteração na proposta desta PL 3.729/04. A extensão deste excerto resumido é por conta destas especificidades.

[iv] Reiterando que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional sequer foi citado, demonstrando o descaso com os bens acautelados como Patrimônio Cultural Nacional.

[v] Apesar de ter sido aprovado em 2014, não podemos esquecer do PLC 30/2011 que institui o Novo Código Florestal que permite uma série isenções e relega a impunidade danos e desmatamentos à reservas legais, legalizando compensação em outros ecossistemas e com utilização de espécies exóticas, numa clara irresponsabilidade com o meio-ambiente; inclusão do conceito de área rural consolidada, que legitima ocupações irregulares em APPs; manguezais e veredas deixam de ser consideradas áreas protegidas; retira do CONAMA o poder de regulamentar as hipóteses de supressão de vegetação nativa em APP; dispensa a existência de faixa ciliar nas lagoas naturais e ao longo dos rios menores, exigindo (reduzindo) a recuperação de apenas 15 metros de mata ciliares e outros diversos retrocessos.

[vi] É necessário pontuar, portanto, que dentro do conteúdo de formação profissional presente nas diversas matrizes curriculares dos Cursos de Arqueologia, aparentemente, percebemos uma condição/indução não-reflexiva às questões profissionais das Arqueologias no Brasil. É exaltado um estudo e glamour obcecado pelo “passado”, enquanto, isenta a compreensão dos locais sociais e epistêmicos em que nós estamos inseridos necessariamente enquanto agentes, estudantes e profissionais de ensino dentro do amplo contexto social em que convivemos. Há, assim, uma sedimentação de um distanciamento reflexivo entre a sociedade e as condições profissionais das Arqueologias, agindo e sendo conveniente para um contexto estrito de formação de mera mão de obra barata que envolve apenas os interesses do mercado capitalista financeiro-especulativo do norte global; impregnando uma falta de compreensão da inserção política, econômica e social contemporânea dos(as) profissionais das Arqueologias.

[vii] Obviamente que uma doença tão impiedosa, pois assola desde crianças, a idosos e gestantes, não é tão simples quanto duas linhas resumidas pretendem apresentar. O excerto aqui apresentado é apenas uma figura de linguagem e a título de ilustração. Vejo ser necessário pontuar isto.

[viii] Digo aparentes “opositores”, pois, diversos críticos (novamente, acadêmicos e organizações) da Arqueologia realizada no Licenciamento Ambiental, são os mesmos que a sustentam e legitimam (fazem a chamada “Arqueologia de contrato”, mesmo “indiretamente” em seus departamentos). Portanto, não vejo como não pontuar que os ditames estabelecidos no âmbito da formação acadêmica dos(as) profissionais das Arqueologias Brasileiras, estão estritamente relacionados ao interesse do mercado capitalista, inclusive, perpetuados pelos que se dizem seus opositores. O que vejo, também, são a conveniência e superficialidade das críticas e posicionamentos e – cabe aqui novamente o que disse algumas linhas acima – que na instantaneidade que aparecem, silenciam-se novamente.

Destaque: Thinkstock/ThinkStock.

 

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