Atingidos por projeto da Anglo American são perseguidos após abrirem ação popular

Lideranças comunitárias pedem mais informações sobre ampliação do projeto de mineração Minas-Rio

Por Joana Tavares, Brasil de Fato

“É um massacre. Os poderes usam tudo que têm para massacrar as pessoas. E eu não tenho cisma nenhuma de denunciar a podridão. Porque é muita podridão mesmo”. O lavrador Lúcio da Silva Pimenta, 51, resume assim a situação de sua comunidade, chamada Mumbuca, e de tantas outras, em Conceição do Mato Dentro, região central de Minas Gerais, vítimas do projeto Minas-Rio, um dos maiores empreendimentos minerários do mundo.

Ele e outros quatro atingidos, que representam uma parte das centenas de pessoas afetadas pela mineradora desde 2007, pediram, por meio de ação popular, o cancelamento de uma audiência pública marcada pela mineradora Anglo American. Ela trataria da expansão da Mina do Sapo, que faz parte da etapa 3 do projeto Minas-Rio, e estava prevista para acontecer no último 11 de abril.

No entanto, os moradores alegaram que havia pouca quantidade de informações disponíveis sobre o projeto, e elas foram disponibilizadas poucos dias antes da audiência. Sem acesso ao projeto, lideranças comunitárias alegaram que não teriam tempo nem subsídios para elaborar as críticas. Isso foi suficiente para que começassem a ser agredidos e ameaçados de morte.

Vítima de uma série de expulsões de seu próprio terreno, Lúcio, atualmente, mora isolado em um galpão próximo da estrada e, até hoje, não recebeu indenização devida. À noite, esconde-se no mato para dormir, pois tem medo do que pode acontecer com ele.

Representantes do Ministério Público Estadual (MPE) e Federal (MPF) se reuniram com os autores da ação para ouvirem as denúncias referentes às ameaças. Segundo o promotor da comarca de Conceição do Mato Dentro, Marcelo Mata Machado, o MPE solicitou a inclusão das lideranças no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e instaurou um Procedimento Investigatório Criminal na Promotoria de Justiça para apurar “autoria e materialidade das ameaças”.

Está prevista também uma audiência com a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para esta quarta-feira (24).

Histórico de expulsões

A Anglo American é responsável pelo projeto Minas-Rio, que começa com a extração do minério de ferro em Conceição do Mato Dentro e corta 32 cidades e 525 km até chegar no Porto Açu, em São João da Barra, no Rio de Janeiro. Quem idealizou e iniciou o projeto foi a MMX, do empresário Eike Batista, que está em prisão domiciliar desde o dia 30 de abril por corrupção. Em 2008, a inglesa Anglo American comprou a MMX por R$ 5,5 bilhões. Em 2009, já proprietária da obra, obteve a licença de instalação para a área da mina e para a barragem de rejeitos.

Por conta do projeto, Lúcio, assim como outros parentes, foi expulso diversas vezes e de diversas formas de sua moradia, apesar de ter documentos que comprovavam que ele era proprietário da terra onde vivia.

O lavrador nasceu na mesma terra onde se instalaram seus tataravôs anos antes. Na infância, ele nadava na fonte térmica conhecida como “Água Santa”, assistia seus parentes fazerem balaios de taquara e ajudar as pessoas da região com a doação de madeiras para construir casas.

Quando a MMX passou a comprar terras no entorno, começou a correr a informação que se instalaria ali uma grande obra de mineração.

O lavrador lembra que até ficou empolgado com a perspectiva de serem criados novos empregos e, talvez, de que fossem feitas melhorias para a comunidade. Mas, em vez disso, o que ele presenciou foi a expulsão de familiares de seus terrenos, o fechamento de estradas, o isolamento das comunidades, o secamento de nascentes, além do fim de diversas tradições e costumes do local.

Recentemente, ele recebeu o aviso de que teria 15 dias para sair de seu terreno, que estaria em área de “servidão minerária”, ou seja, em área de interesse da Anglo American.

A mineradora já solicita a Licença Prévia e a Licença de Instalação para começar a expansão da cava, que chegará a 12 quilômetros. A perspectiva é que o projeto dure 28 anos.

Outras vítimas

Autora da mesma ação coletiva, Vanessa Rosa Santos, recebeu em sua casa um bilhete apócrifo com os dizeres “Já sabemos. Foi você. [É a] próxima”. Ela também foi hostilizada nas ruas da cidade e recebeu ameaças de um fazendeiro: “Você tem seguro de vida? Deveria fazer”.

Vanessa e seu marido, Reginaldo Rosa dos Santos, também autor da ação, tiveram que sair de sua casa, na comunidade Cabeceira do Turco, devido aos tremores causados pelo mineroduto, instalado em terras. Eles criavam peixes, galinhas, porcos, além de cultivarem hortas e outras plantações. Depois de comprovar que a casa estava com rachaduras e que, efetivamente, tremia devido ao mineroduto, a empresa os colocou em um programa de “aluguel social”, em um apartamento na cidade de Conceição do Mato Dentro.

O acordo seria de seis meses, mas eles estão no aluguel há dois anos, sem garantia de continuidade. “Nunca sabemos o que vai acontecer depois. Não vai voltar ao que era antes. Ficaram só as lembranças mesmo. Mas eles têm que liberar minha vida. Eles renovam o contrato de seis em seis meses. A casa não é minha, e quero algo que é meu, igual ao que eu tinha. Não quero depender da empresa”, explica Vanessa.

Além de terem sido expulsos de sua casa, Vanessa e Reginaldo perderam seus empregos depois que começaram a denunciar algumas consequências da atuação da mineradora na região. Reginaldo trabalhou como frentista terceirizado da Anglo e foi demitido pouco depois de entrar no aluguel social. Naquele momento, ouviu de seu chefe que a empresa ia “pedir a cabeça dele”. Vanessa trabalhava em uma loja e suspeita que foi demitida depois que o comércio fechou parceria com a mineradora

Agressão direta

Outro autor da ação, Elias Souza, foi agredido fisicamente na frente de seus filhos pequenos. Não foi a primeira vez. Após a agressão física e psicológica ocorrida no mês de abril, enfrentou problemas de saúde e ficou um tempo internado em Belo Horizonte.

O quinto autor da ação, Lúcio Guerra Junior, que há anos articula o movimento “Reaja”- Rede de Articulação e Justiça Ambiental dos Atingidos pelo Projeto Minas-Rio da Anglo American, recebeu inúmeras ameaças em grupos de WhatsApp.

No dia seguinte ao da decisão da juíza em acatar a ação e suspender a realização da audiência pública, Júnior recebeu muitas ligações de uma suposta empresa funerária.

Resposta

Procurada pela reportagem acerca das acusações, a assessoria de imprensa Anglo American respondeu por e-mail, dizendo que “é severamente contra a violência de qualquer forma e não tem nenhuma conexão com as ameaças acima mencionadas”.

Edição: Camila Rodrigues da Silva.

Imagem: Lavrador Lúcio da Silva Pimenta, um dos desalojados pela Anglo American / Joana Tavares/Brasil de Fato MG

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