A aldeia Santa Cruz sediou no início deste mês, entre 8 e 10 de maio, o II Encontro de Mulheres Munduruku do Alto Tapajós. Esta porção da terra indígena, localizada no município de Jacareacanga (PA), concentrou 100 mulheres Munduruku que estiveram reunidas com caciques, pajés, professores, guerreiros e cantores de mais de 30 aldeias do Alto Tapajós. Mulheres indígenas do Baixo Tapajós e do Xingu, dos povos Kumaruara e Juruna, também participaram do encontro.
Na esteira dos debates internacionais levados a cabo pela Relatora Especial da ONU para o Direito dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, que está atualmente reavaliando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e sua aplicabilidade nos diversos países, as indígenas afirmaram que o direito à consulta livre, prévia e informada não está sendo respeitado pelo Governo Brasileiro e reforçaram a importância de fortalecerem o Protocolo de Consulta Munduruku dentro das aldeias.
Foram discutidas, ainda, as ofensivas do Governo contra os direitos dos povos indígenas, a crescente invasão e exploração ilegal de recursos na Mundurukânia e a destruição de muitos dos locais sagrados do povo Munduruku por empreendimentos hidrelétricos, como é o caso da cachoeira de Sete Quedas, do morro do Jabuti e morro do Macaco, no Teles Pires, além de mineração ilegal dentro de suas terras.
Ao debaterem desafios e perspectivas de uma “guerra entre mundos”, em que se opõem o mundo da vida – da agrobiodiversidade, das florestas e águas livres e limpas – e o mundo da morte – da poluição dos rios, da contaminação e empobrecimento do solo, da morte de peixes, doenças (…) – lideranças lembraram os fins de mundo previstos na escatologia Munduruku e destacaram o papel central dos pajés e das pajés, líderes espirituais, na sustentação e proteção de suas relações ancestrais com o território.
Leia na íntegra o documento final do encontro:
Aonde nós mulheres vamos lutar?
Análise munduruku da conjuntura na Amazônia
Introdução
O Brasil foi construído com o sangue de muitos indígenas. Desde o começo só o que os pariwat viam era o que nós indígenas não tínhamos. Diziam que não tínhamos rei, verdade, mas temos nossas lideranças que nós escolhemos. Diziam que não tínhamos leis, verdade nossas leis são o respeito e o amor por nossa terra, ensinados por todos os nossos sábios. Diziam que não tínhamos fé, mais uma verdade dos pariwat, temos a presença viva de Karosakaibu em nossas terras, suas pegadas e tudo o que ele fez pelos munduruku estão contados nas corredeiras do Tapajós e nos campos da nossa mundurukania.
Hoje nós mulheres do povo wuyjugu vamos mostrar o que nós temos.
Temos um povo de luta, não vamos contar tudo pra não cansar os pariwat que vão ler o que nós estamos vendo. Na mundurukânia tem guerreiras e guerreiros que enfrentam os inimigos. Lutamos muito pra demarcação das terras Munduruku e Sai Cinza e quando esperávamos que a terra de Dajé Kapap Eipi seria demarcada um governo de pariwat, dizendo que nós não tínhamos nada quis construir uma barragem pra trazer energia pro Brasil.
Como sempre os pariwat dizem o que não temos, o que sabem sobre nós? Não sabem nada! E pra mostrar que não gostamos que digam o que somos. Nós decidimos ir em 2013 até Altamira em Belo Monte ocupar aquela obra cheia de doenças e que hoje até os pariwat que só dão valor ao dinheiro sabem que tudo ali foi construído com mentiras e isso adoece todo mundo.
Olhando do alto dos barrancos vimos a terra ser rasgada e pisada por máquinas e homens que não tinham rei só engenheiros, não tinham leis só a da Força Nacional e nem tinham fé só tinham dinheiro.
E havia um grande silêncio no Brasil, ninguém se importava com nossa mundurukânia porque a terra dos deuses do rio Xingu estava sendo destruída e muitos trabalhadores diziam que viriam pra cá pro nosso Tapajós.
Isso pareceu uma ameaça, mas não nos zangamos com trabalhadores, nos zangamos com presidentes, presidentas, ministros e ministras que com suas mãos doentes querem agarrar nossa floresta.
Os pariwat estão errados quando pensam que as florestas separam os indígenas, não importa pra nós a distância entre nós e nossos inimigos, nós levaremos a luta até eles. E no caminho vamos libertando as florestas e nos unindo com outros parentes. As ameaças hoje têm muitos nomes, reformas da previdência, PEC’s, corrupção e muito mais.
Um governo doente caiu, o governo do PT que sempre que veio até a Mundurukania veio armado. Destruiu a aldeia Teles Pires, quis forçar audiências na cidade com agente e protegeu pesquisadores no território de Daje Kapap Eipi, mas com tudo isso ele caiu e nós estamos aqui.
Um governo podre assumiu, governo do PMDB, do PSDB, do PSC todos podres todos com as mãos cheias de doenças pra querer tomar a Amazônia, vão cair na mesma sujeira que o outro governo deixou.
O que tem na mundurukania hoje?
Sabemos que todos os anos do governo do PT foi preparando grandes obras pra plantar soja, mas quando plantam querem levar pra vender lá fora e por isso construíram um porto em Itaituba e agora querem uma ferrovia e continuam querendo barragem e depois vão querem mineração, mineração pra matar o rio, como aconteceu com o rio Watu dos nossos parentes Krenak.
As florestas que são a casa dos animais estão ameaçadas por que um ministro que planta soja e seus amigos, querem derrubar a mata pra plantar mais soja, fazer mais estradas e ficar rico. Estão inventando leis pra poder nos derrotar.
O governo não demarcou o território de Dajé Kapap eipi por que espera mudar as leis pra não precisar consultar nosso povo.
Quer entregar a saúde do povo pra gente que só pensa em ganhar dinheiro. E nem liga pra educação. Ainda bem que nossa educação é feita por nossos sábios.
Mas a Mundurukânia tem a nós wuyjugu e tem Montanha e Mangabal e tem os Tupinambá, Cara Preta e tem pescador e mais ribeirinhos e muita gente, a mundurukânia é maior que Brasília.
Estamos olhando vocês não podem se esconder dos nossos olhos, neste território vocês não vão entrar. Sabemos que o governo doente quer voltar e o governo podre quer ficar, nenhum dos dois merece a confiança de nenhum povo.
Em toda parte que vamos tem as armadilhas do governo, nós mulheres sabemos que vai ter muita dificuldade mas nossa força é nosso Movimento.
Sawe!
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Mulheres Munduruku discutem ameaças à terra indígena. Crédito da foto: Fernanda Moreira/Cimi Regional Norte II