Nova chacina no Pará expõe a fragilidade do Estado na resolução de conflitos no campo

Os massacres ocasionados por disputa de terra em todo o Brasil têm ficado cada vez mais intensos. De acordo com a CPT, em 2016 foram registrados 61 assassinatos em conflitos, o maior número desde o início do monitoramento da entidade

Por Maura Silva, da Página do MST

Dez posseiros – uma mulher e dez homens -, foram assassinados na manhã desta quarta-feira (24), no acampamento Nova Vida, localizado na Fazenda Santa Lúcia, no município de Pau d’Arco, no Pará.  

A chacina começou a ganhar repercussão com a divulgação de imagens dos corpos das vítimas que, segundo veículos de comunicação local, foram levados por policiais para o necrotério do Hospital Municipal de Redenção e depois transferidos para o Instituto Médico Legal (IML) de Marabá e de Paraupebas.

De acordo com informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os trabalhadores, que não tiveram suas identidades reveladas, foram mortos durante o cumprimento de uma ação de reintegração de posse expedida pelo juiz da Vara Agrária de Redenção, Erichson Alves que, contrariando a Cartilha da Ouvidoria Agrária Nacional, determinou que a ação fosse cumprida por policiais militares e civis. Em situações como essas as diretrizes do Tribunal de Justiça determinam que a ação seja realizada pelo Batalhão da Polícia Militar especializado em resolução de conflitos.

Em nota enviada à imprensa na tarde de ontem, a coordenadora da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado do Pará (Fetraf), Viviane Pereira, disse que o número de mortos em Pau D’Arco pode aumentar, pois não há precisão sobre a quantidade de feridos e o estado de saúde dos envolvidos. Ainda segundo o texto, a chacina na Fazenda Santa Lúcia só perde em número de vítimas para o Massacre de Eldorado de Carajás, que deixou 21 Sem Terra mortos em abril de 1996.

Também em nota, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, informou que, está em contato com procuradores e promotores locais para auxiliar nas investigações. Articulações entre a Procuradoria Geral de Justiça, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados do Pará também estão em andamento).

Armas que, segundo os policias, foram apreendidas na cena do crime

Histórico    

Ainda segundo informações da CPT, no segundo semestre do ano passado, durante uma reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, realizada na sede do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Marabá, o coordenador do acampamento, Ronaldo da Silva Santos, informou que as 150 famílias acampadas no local desde maio de 2015, desejavam que o imóvel fosse destinado para fins de Reforma Agrária.

Diante da solicitação, o então Superintendente Regional do órgão em Marabá, Claudeck Alves Ferreira, assumiu compromisso de reunir-se com o proprietário da fazenda e negociar sua desapropriação. Na época, participaram da reunião o então Ouvidor Agrário Nacional e Presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, desembargador Gercino José da Silva Filho; Aílson Silveira Machado, representante da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania; representantes regionais do Incra; representante da Polícia Militar de Marabá; e coordenadores da (Fetraf – PA).

Escalada de violência e conivência do Estado 

Para Ayala Ferreira, da Direção Nacional do MST, que acompanha os casos de violência no Pará, o governo do estado está novamente usando o discurso que criminaliza a luta por terra na região.

“Em 1996, quando aconteceu o massacre de Eldorado dos Carajás, a polícia falou em confronto. Esse, aliás, é o discurso utilizado em todos os massacres, seja no campo ou na cidade. O que vale ressaltar aqui é que foi um ‘confronto’ em que só morreram acampados. Nenhum policial envolvido na ação foi identificado até o momento. A própria PM desarmou o cenário do conflito ao retirar os corpos e carregá-los amontoados em uma caminhonete até Redenção”, concluiu.

Os massacres ocasionados por disputa de terra em todo o Brasil têm ficado cada vez mais intensos. De acordo com a CPT, em 2016 foram registrados 61 assassinatos em conflitos, o maior número desde o início do monitoramento da entidade, em 2003. Em 2017, o total de mortes chegou a 26, sem contar os casos de ontem.

Em abril deste ano, nove trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados por um grupo de homens encapuzados em uma chacina em Colniza, no Mato Grosso. Até o momento ninguém foi preso.

Atos e ações estão sendo construídos em todo o estado para debater e enfrentar a onda de violência no estado paraense.

Com a medida tomada pelo governo Temer de extinguir a Ouvidoria Agrária Nacional, entidade que era responsável por prevenir e mediar os conflitos agrários, a situação tende a se agravar cada vez mais, uma vez que o papel de mediação fica a cargo do estado, que já provou ser incapaz de garantir a segurança dos trabalhadores no campo.

*Editado por Leonardo Fernandes.

Marcello Casal Jr/ Agência Brasil.

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