Você sabia que pode detestar o Lula e apoiar eleição direta ao mesmo tempo?, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

A maior parte do Congresso Nacional não quer aprovar uma mudança constitucional para permitir eleições diretas em caso de expulsão, cassação ou renúncia de Michel Temer, como mostra reportagem da Folha de S.Paulo deste domingo (28).

Deputados federais e senadores desejam manter a prerrogativa de escolha em suas mãos e nas de seus financiadores de campanha, como era de se esperar, e não devolve-la ao povo. E usam a justificativa de que uma mudança na Constituição Federal seria oportunista.

Respeito juristas, pesquisadores e políticos que defendem, com argumentos técnicos e sobriedade, a eleição indireta para este caso. Há bons argumentos de ambos os lados e, por isso, a palavra final deve ficar com o Tribunal Superior Eleitoral e o próprio STF. Mas, na minha opinião, o Brasil precisa da legitimidade e da sanção do voto popular neste momento de crise institucional.

É fascinante como os mesmos políticos e empresários que gritam contra uma mudança na Constituição Federal para possibilitar eleições diretas após uma renúncia ou retirada de Temer (em caso de cassação da chapa eleitoral, a questão das diretas depende de interpretação, pela Justiça, de lei que já permitiria o pleito) defendem, com facilidade, a Reforma da Previdência, apresentada como uma proposta de emenda constitucional.

Essa reforma vaí aumentar o tempo de contribuição, dificultar o acesso de trabalhadores à aposentadoria e piorar a qualidade de vida de milhões ao elevar a idade mínima para conceder o auxílio a idosos pobres.

Isso sem falar na PEC do Teto, já aprovada, que alterou a Constituição Federal para limitar gastos em educação, saúde e outras áreas, pelos próximos 20 anos. Essa mudança vai impactar diretamente a vida de milhões de brasileiros. Mas não houve grita pela manutenção do texto constitucional por muitos daqueles que, hoje, bradam que a Carta Magna é intocável.

Ou seja, uma crise econômica é argumento aceitável para uma mudança importante na Constituição, mas uma crise política, não? Na verdade, a história é outra: mudanças de temas polêmicos na Constituição podem ocorrer desde que sejam destinadas à manutenção do poder político e de privilégios econômicos nas mãos de poucos.

O Brasil precisa de uma reforma no sistema de aposentadorias para se adaptar aos novos tempos. A crítica não é, portanto, à ideia de reforma, mas à Reforma da Previdência proposta por Michel Temer e Henrique Meirelles (25 anos de contribuição mínima, 15 anos de contribuição para agricultura familiar e aumento de 65 para 68 anos para acesso ao BPC são propostas injustas com os mais pobres) que não foi discutida junto à sociedade.

Qualquer saída, sejam eleições diretas ou indiretas para um período tampão na Presidência da República, tem seus problemas, considerando o cenário de instabilidade em que estamos. Nenhuma é perfeita. Mas diante do que está posto, o restabelecimento da vontade popular em detrimento das necessidades de um grupo político (que quer salvar sua própria pele, diante das denúncias de corrupção) e de um grupo econômico (que deseja aumentar sua competitividade mediante a redução de custos que garantem qualidade de vida ao trabalhador) é a opção mais difícil, mas que traria melhores frutos. Pois poderia contar com o apoio popular para encabeçar uma Reforma Política que arrumasse o sistema.

O problema é que o poder econômico sabe que dificilmente alguém seria eleito diretamente defendendo as Reformas Trabalhista e da Previdência. E não se comprometeria com elas – a menos que deseje provocar um estelionato eleitoral de épicas proporções e catastróficas consequências.

Por fim, um dos principais argumentos dos contrários à mudança é de que isso facilitaria a vida para Lula. Joga-se com o forte sentimento antipetista para convencer parte da população de que a defesa das eleições diretas é uma pauta que interessa apenas ao líder petista.

Mas não é.

Lula conta com uma taxa de rejeição maior que sua intenção de votos, sem contar os vários escândalos envolvendo seu nome e o de seu partido, além de ser réu em processos criminais. Isso torna o caminho de um adversário num possível segundo turno mais fácil do que se imagina. Hoje, é fácil apostar que outro nome, não o dele, sairia vencedor.

Isso sem contar que o grupo político que adota  esse discurso, uma autoproclamação de perdedor antecipado, não merece se candidatar ao mais alto cargo do país ou sabe bem conviver com a democracia.

E, o principal: não importa quem vença, é exatamente a democracia que sairá ganhando com uma escolha direta. Ouço com frequência a pergunta se aceitaria um resultado que aponte como vencedor nas urnas alguém que eu não considere uma boa escolha para o país. Claro. Primeiro, porque o contrário seria um golpe. E, além do mais, isso é o que, infelizmente, já tem acontecido há muito tempo.

Em suma, para quem gosta de desenho: você pode detestar o Lula e o PT e defender eleições diretas ao mesmo tempo.

Qualquer ”líder político” que esteja articulando saídas para continuar tutelando o povo ao invés de fazer com que ele demonstre sua vontade, não merece ser chamado assim. Seja ele de esquerda, centro ou direita, seja ele quem for.

Oportunismo não é mudar a lei para dar legitimidade ao processo. É evitar que isso aconteça em nome da ”governabilidade” (palavra que pode ser tão tosca quanto corrupção e hipocrisia) e da ”competitividade” (que sacrifica direitos dos trabalhadores no altar da globalização).

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