Por João Fellet, da BBC Brasil em Brasília
Diante do impasse em torno da permanência de Michel Temer no Palácio do Planalto, a bancada ruralista no Congresso tem buscado acelerar a votação de projetos polêmicos, alguns dos quais reduzem áreas de florestas, facilitam a venda de terras a estrangeiros e afrouxam as regras de licenciamento ambiental.
A movimentação é criticada por ambientalistas, que acusam o grupo de aproveitar a fragilidade do governo para aprovar medidas que ampliarão o desmatamento e o risco de desastres ambientais. O próprio Ministério do Meio Ambiente foi contra a aprovação das medidas, que seriam “um retrocesso”.
Já os ruralistas afirmam que as propostas visam estimular a economia e desfazer equívocos dos últimos governos.
Três das iniciativas mais polêmicas recentemente aprovadas são as Medidas Provisórias 756, 758 e 759.
As duas primeiras, votadas no Senado na última terça, reduzem a Floresta Nacional do Jamanxim e o Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, e o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina.
As três unidades de conservação perderam ao todo meio milhão de hectares, área equivalente à do Distrito Federal. As terras subtraídas das reservas se tornarão Áreas de Proteção Ambiental, categoria onde são permitidas atividades agrícolas, pecuárias e de mineração que não causem grandes danos.
A MP 759 foi aprovada na Câmara um dia depois, na quarta-feira, após a oposição deixar o plenário em protesto ao emprego das Forças Armadas na manifestação que ocorria em Brasília. Entre outros pontos, a medida permite a comercialização de lotes de reforma agrária e amplia as categorias de propriedades rurais que podem ser regularizadas pelo programa Terra Legal.
A aprovação das duas primeiras medidas gerou duras reações do Ministério do Meio Ambiente, de ONGs ambientalistas e até mesmo de uma organização que agrega entidades do agronegócio. A área do Jamanxim fica no sudoeste do Pará, uma das regiões amazônicas mais afetadas pelo desmatamento ilegal nos últimos anos.
O Ministério do Meio Ambiente divulgou uma nota em que recomendou a Temer que vete as MPs 756 e 758. Segundo o órgão, as medidas representam “um retrocesso diante dos esforços do governo brasileiro para cumprir com os compromissos que assumiu sob o Acordo de Paris para combater o aquecimento global”.
Para o Observatório do Clima, grupo que agrega ONGs ambientalistas, as MPs gerarão “um recrudescimento das taxas de desmatamento, já que reduzir áreas protegidas sinaliza para os grileiros que agora vale tudo”.
“Nunca antes na história do país uma área tão grande de parques e florestas nacionais havia sido cortada”, afirmou a entidade.
Outro grupo a criticar a aprovação das MPs 756 e 758 foi a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que une organizações ambientalistas e do agronegócio (entre as quais a Sociedade Rural Brasileira, a União da Indústria da Cana de Açúcar e a Associação Brasileira do Agronegócio).
A coalizão diz que as MPs “prejudicarão os investimentos no país, afastando investidores e consumidores exigentes de sistemas produtivos sustentáveis”.
Já para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (bancada ruralista), deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), a redução das florestas no Pará não terá tanto impacto nos índices de desmatamento da região. Ele afirma que, conforme o Código Florestal, cada propriedade rural na Amazônia só pode desmatar 20% de sua área, tendo de preservar o restante.
Inicialmente focadas apenas na região do Jamanxim, as MPs 758 e 756 foram assinadas pelo presidente Michel Temer em dezembro de 2016 e submetidas ao Congresso.
O governo argumentava que as medidas eram importantes para possibilitar a passagem de uma ferrovia que ligará Sinop (MT) a Miritituba (PA) e para permitir a regularização fundiária na região, já que boa parte da área subtraída das florestas abriga pastagens.
Temer tentou compensar a redução da Floresta Nacional do Jamanxim ampliando o Parque Nacional do Rio Novo. Porém, o relator das medidas na Câmara, deputado federal José Priante (PMDB-PA), retirou a ampliação do texto, além de incluir a redução da Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, em Santa Catarina.
Procurado pela BBC Brasil, Priante não quis conceder entrevista sobre o tema.
Os textos alterados voltam agora para Temer, que pode vetá-los parcial ou integralmente.
‘Projetos que fazem a diferença’
Segundo o presidente da bancada ruralista, as atividades do grupo no Congresso não serão afetadas pela crise política.
“Temos de fazer o Congresso trabalhar e deixar os problemas jurídicos para a Justiça e os denunciados”, diz Nilson Leitão.
“Vamos votar durante todo esse período de crise projetos que podem fazer a diferença, que efetivamente aqueçam a economia.”
Ele afirma que as atenções da bancada se voltam agora à aprovação de projetos que facilitam a venda de terras a estrangeiros, flexibilizam o processo de licenciamento ambiental e reveem demarcações de terras indígenas, áreas quilombolas e reservas florestais feitas no fim do governo Dilma Rousseff.
Para Maurício Guetta, advogado do ISA (Instituto Socioambiental), a bancada ruralista aproveita a fragilidade de Temer para tentar “aprovar todos os absurdos propostos no atropelo, sem debate, porque sabe que o governo não vai se insurgir contra as votações”.
Ele diz se preocupar principalmente com tentativas da bancada para enfraquecer as regras para o licenciamento ambiental.
Segundo Guetta, o licenciamento é o principal instrumento responsável por prevenir desastres ambientais e pelo respeito aos direitos de populações afetadas por obras.
Com a aprovação do texto defendido pela bancada, diz Guetta, “passaríamos a conviver diariamente com o risco de desastres como o de Mariana e ao absoluto desrespeito de populações atingidas”.
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Imagem: A Floresta Nacional do Jamanxim fica no sudoeste do Pará, uma das regiões amazônicas mais afetadas pelo desmatamento ilegal nos últimos anos – DANIEL BELTRÁ/GREENPEACE