Eleição direta em caso de cassação é legal, mas difícil, diz especialista, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

A convocação de eleições diretas ou indiretas para a Presidência da República em caso da saída de Michel Temer se tornou uma polêmica. O saudável debate público a respeito do tema tem, contudo, sido prejudicado por informações falsas (de que qualquer mudança na Constituição Federal é proibida, por exemplo) ou pelo desvio da discussão, com base em argumentos como ”gosto/não gosto de Fulano, que pode se candidatar se houver eleição direta, então concordo/não concordo com eleição direta”.

Trarei ao blog análises de especialistas sobre a questão. Independentemente de concordar ou não com elas, acredito que podem ajudar a melhorar o debate.

Fernando Neisser, é advogado, um dos coordenadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, e autor do livro ”Crime e Mentira na Política”, pela Editora Forum. Especialista em direito eleitoral, respondeu a perguntas do blog sobre o tema.

Neisser explica que a lei já prevê a convocação de eleições diretas em caso de vacância da Presidência da República em caso da cassação da chapa eleitoral Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral. Avalia, contudo, que isso deve encontrar resistência nos tribunais superiores (vale lembrar que o presidente do TSE, Gilmar Mendes, é amigo e conselheiro de Temer). E, mesmo que os ministros não sejam guiados pela opinião pública, a ”voz das ruas” pode influenciar sua decisão.

Ao mesmo tempo, considera que apesar de ser legal a aprovação de uma emenda constitucional para possibilitar a eleição direta em casos de renúncia ou impeachment de Temer, a mudança só poderia valer para o ano seguinte, caso o Supremo Tribunal Federal mantenha interpretações semelhantes em decisões anteriores.

A lei brasileira já permite a convocação de eleições diretas em caso de cassação da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral?

Entendo que sim. A Constituição prevê uma solução para o caso de “dupla vacância” nos dois últimos anos de mandato, a eleição indireta. O Código Eleitoral, por outro lado, prevê que se os votos dados na eleição ao vencedor forem anulados, haverá eleições indiretas apenas se isso ocorrer faltando menos de seis meses para o final do mandato. Vê-se que são duas hipóteses distintas: dupla vacância e anulação de votos.

Quando há esse aparente conflito de normas, a boa regra de interpretação sugere tentar coaduná-las. Assim, há um campo de incidência para a regra da Constituição Federal e outro para o Código Eleitoral.

A Constituição Federal tem aplicação, assim, quando houver vacância, o que pressupõe que a assunção ao mandato se deu de forma legítima. Portanto, será aplicável a regra quando houver morte, renúncia, impeachment ou condenação por crime comum praticado no mandato.

De outro lado, se os votos dados são considerados nulos, reconhecida pela Justiça Eleitoral, aplica-se a regra do Código Eleitoral, devendo ser convocada eleição direta se isso ocorrer até antes de seis meses do final do mandato.

Há ministros do TSE e do STF que demonstraram ser contra uma interpretação da lei que leve às eleições diretas em caso de cassação da chaoa. O que pode influenciar na decisão dessas Cortes?

Efetivamente, a interpretação defendida na questão anterior é minoritária no meio jurídico eleitoral, inclusive dentre os ministros que já se posicionaram publicamente.

Creio que, para que os entendimentos se alterem, neste ou em outros pontos, no TSE ou em qualquer outro tribunal, é preciso conhecer os argumentos existentes e apresentar disposição para sopesá-los.

Acredito que a pressão da população e da imprensa – a chamada “voz das ruas” – pode ter este papel de chamar à reflexão.

Não deve, jamais, pautar a ação do juiz. Tribunal não é caixa de ressonância pura e simples da sociedade. Mas tampouco pode dela se isolar.

Este meio termo, saudável e democrático, implica a tarefa ao magistrado de compreender as aspirações vocalizadas pela população e se dispor a compreendê-las, estudá-las. Seja para acolhê-las ou rejeitá-las.

A aprovação de uma emenda constitucional estabelecendo eleições diretas em caso de renúncia de Michel Temer é possível?

Qualquer alteração da regra eleitoral, ainda que por Emenda Constitucional, não poderia ter validade para o presente momento.

Em primeiro lugar, o artigo 16 da Constituição Federal proíbe a alteração imediatista das regras relativas ao processo eleitoral, que só podem valer depois de um ano de sua aprovação. O STF já entendeu que esta regra tem caráter de cláusula pétrea, quando não admitiu vigência à Emenda Constitucional 52 nas eleições de 2006. Assim, nem mesmo por proposta de emenda constitucional seria possível violar esta regra.

Além disso, também é cláusula pétrea a periodicidade do voto – leia-se, popular, em eleições diretas. Entendo que não se proíbe apenas a tentativa de estender mandatos em seu curso, mas também de abreviá-los, convocando antecipadamente eleições.

Imaginemos que o Congresso pretendesse destituir uma chapa eleita, no curso de seu mandato. Ele poderia deflagrar o processo de impeachment contra o titular, levá-lo à cassação. Posteriormente fazê-lo contra o vice que assumiu e igualmente cassá-lo. Para isso, seria necessário obter 2/3 de apoio do Congresso (66.6%), além de franquear os direitos de ampla defesa e contraditório aos acusados, em um processo longo e politicamente explosivo.

Outra alternativa seria aprovar uma PEC antecipando o término dos mandatos e convocando eleições diretas. Para isso, bastaria 3/5 do Congresso (60%), sem a necessidade de promover acusação e garantir ampla defesa e contraditório.

Obviamente as coisas não podem se dar desta forma. Uma PEC não pode ser um atalho. Muito menos se pode usar o rótulo das “eleições diretas” como sinônimo de mais democracia. Eleição direta é democrática quando a Constituição a prevê.

Gilmar Mentes, presidente do TSE, e Michel Temer. Foto: André Dusek/Estadão Conteúdo

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