Comunidades tradicionais cobram regularização fundiária

Geraizeiros vislumbram solução parcial de conflitos com a retomada de terras devolutas pelo Estado

ALMG

Há alguns anos, comunidades geraizeiras do Vale das Cancelas, nos municípios de Grão Mogol, Josenópolis e Padre Carvalho, no Norte de Minas, reivindicam o reconhecimento e a regularização fundiária de cerca de 230 mil hectares, território que vem sendo perdido graças à ação de empreendimentos de eucalipto, mineração, exploração de carvão e de uma termoelétrica na região.

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) visitou nesta quinta-feira (1°/6/17) o Acampamento Alvimar Ribeiro (Grão Mogol) e a Comunidade Curral de Varas II (Padre Carvalho) para ouvir as demandas e os problemas enfrentados pelos moradores de diversas comunidades tradicionais que são atingidas pelos conflitos agrários.

Os geraizeiros são populações que vivem no cerrado do Norte de Minas, caracterizando-se por organizações familiares e por plantarem em brejos e altos de chapadas. De acordo com relatório do Ministério Público (MP), que acompanha os conflitos na região, o território reivindicado compreende cerca de 1.800 famílias distribuídas em aproximadamente 55 comunidades.

Ainda segundo o relatório, os empreendimentos que atuam na região teriam começado sua expansão com a aquisição de propriedades pelo processo de usucapião e pela grilagem das terras, expulsando das terras as comunidades que ali viviam.

A agricultora geraizeira Lourdes Francisco da Costa conta que foi na década de 1970 que se iniciou o processo de expulsão das famílias pelas empresas de monocultura de eucalipto. “Meu pai tinha a posse, mas ninguém nunca respeitou”, conta Lourdes, que há seis anos retornou à área onde, desde novembro de 2016, se encontra o acampamento Alvimar Ribeiro. “A plantação de eucalipto acabou com as nascentes, a flora, a fauna, nossa cultura imaterial. Estamos aqui reivindicando o nosso território”, disse.

Comunidades se mobilizam na luta pela terra

Já o agricultor Nicanor Moreira de Almeida conta que a sua família, que está na região há sete gerações, já chegou a ter mais de 100 cabeças de gado. Entretanto, a perda das terras ao longo dos anos em virtude da atuação de grandes empreendimentos fez com que o rebanho se reduzisse a dez cabeças atualmente. Outras famílias, segundo ele, viviam da cultura de milho, feijão, arroz e cana.

Ele conta que há cerca de sete anos as comunidades geraizeiras da região despertaram para os seus direitos e começaram a se mobilizar contra a redução de seus territórios, agravada pela chegada da Usina Hidrelétrica de Irapé, instalada em 2006.

Segundo relatos dos geraizeiros mencionados pelo documento produzido pelo MP, entre os impactos causados pela atuação das empresas na região estariam, além do conflito agrário, a contaminação do solo e das águas pelo uso de agrotóxicos, a escassez de recursos hídricos e destruição de nascentes, o desmatamento, a ameaça da fauna, o enfraquecimento da agricultura familiar, além do tratamento violento e desrespeitoso e da intimidação dos geraizeiros

Estado pretende retomar terras devolutas

Durante a visita, moradores que representam as 120 famílias do Acampamento Alvimar Ribeiro reivindicaram a posse de cerca de 5.500 hectares. Essa demanda, segundo o subsecretário de Estado de Acesso à Terra, Geraldo Vítor de Abreu, pode estar em vias de se tornar uma realidade.

Segundo Abreu, a área em questão é uma terra devoluta (sem propriedade registrada, cuja destinação é de responsabilidade do Estado), que foi arrendada para uma empresa de eucalipto. “O contrato arrendado é dos anos 1970 e está vencido. O Estado reconhece um conflito que existe aqui entre arrendatária e geraizeiros e irá atuar para que possamos encerrar o contrato de arrendamento e fazer a destinação da terra àqueles que a reivindicam, desde que se enquadrem no que determina a lei que define povos e comunidades tradicionais”, explicou.

Na avaliação do subsecretário, a retomada das terras pelo Estado vai reduzir a pressão que hoje é vivenciada pelos geraiseiros. A partir daí, os próximos passos seriam o mapeamento do território em questão e o estudo antropológico, para verificar se as reivindicações dos moradores da área são legítimas e se as terras poderão ser devolvidas a eles.

A possibilidade de retomada da região pelas comunidades de geraizeiros é bem vista pelo coordenador de conflitos agrários do Ministério Público, procurador Afonso Henrique de Miranda Teixeira. Para ele, a presença dessas pessoas no território significa a preservação do bioma e das águas, a garantia da diversidade ambiental e o incentivo à agricultura familiar. “Precisamos trazer essas pessoas de volta à terra de origem e resgatar essa questão ambiental em Minas Gerais, que é muito grave”, disse.

Comissão vai discutir regularização de terras

O deputado Cristiano Silveira (PT) disse que a visita detectou a existência de vários conflitos envolvendo a ocupação de terras. “O primeiro passo para resolver a violação dos direitos é a definição da propriedade da terra. Sabemos que tem uma lei no Estado que garante a posse da terra para comunidades tradicionais. O Estado tem que redefinir suas terras, fazer o registro e o assentamento dessas comunidades”, afirmou.

O deputado também disse que a comissão vai realizar uma audiência pública para tratar da regularização das terras para comunidades tradicionais, além de fazer um balanço dos encaminhamentos originados a partir da visita.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ricardo Álvares.

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