Itamaraty rechaça comunicado da ONU e OEA sobre ameaças a direitos indígenas no Brasil

Por Flávia do Amaral Vieira, no Justificando

Em 8 de junho de 2017, Relatores da ONU e OEA lançaram comunicado conjunto sobre os ataques a direitos indígenas e meio ambiente em andamento no Brasil, que ao invés de buscar fortalecer a proteção institucional e legal dos povos indígenas, assim como dos quilombolas e outras comunidades que dependem de sua terra ancestral para sua existência cultural e material, “está considerando enfraquecer essas proteções”.

Assinam o comunicado Victoria Tauli Corpuz, relatora de direitos indígenas, Michel Forst, relator para defensores de direitos humanos, e John Knox, relator para o meio ambiente, todos vinculados à ONU; e Francisco José Eguiguren Praeli, relator para povos indígenas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

O comunicado faz referência ao alto número de assassinatos de ativistas ambientais e do direito à terra, e destacam as propostas de reformas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em seguimento a CPI da FUNAI e Incra da Câmara dos Deputados.

No mesmo dia, o Itamaraty publicou nota rechaçando as alegações dos relatores, declarando considerar infundadas as alegações. Choca ver esse tipo de reação do Itamaraty.

Ao tentar encobrir ou atenuar as ameaças de retrocessos aos direitos indígenas e ao meio ambiente, em andamento no Congresso Nacional, aduzindo uma falsa efetividade dos parâmetros de proteção existentes, o Estado brasileiro fere a tradição existente no âmbito dos Sistemas Internacionais de Proteção de Direitos Humanos, de reconhecimento da responsabilidade do país na ocorrência das mencionadas violações e a proposição do aprimoramento de ações de prevenção e também de reparação dos danos.

Esse tipo de comportamento do Ministério das Relações Exteriores lembra outra situação emblemática, a publicação de uma nota do Ministério de Relações Exteriores após a outorga pela CIDH da Medida Cautelar de Belo Monte (MC nº 382/2010).

Em 2011, antes das obras iniciarem, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitou ao Brasil a suspensão da construção de Belo Monte até que se consultassem os povos indígenas e ribeirinhos afetados, após receber um pedido de Medida Cautelar de sete organizações de direitos humanos devido à iminência da licença de instalação da usina. Como resposta, o país oficialmente lançou nota aduzindo que as medidas eram “precipitadas e injustificáveis”, além de tomar medidas identificadas como de retaliação ao sistema.

Nesse ínterim, o Estado Brasileiro participou da criação de um grupo de trabalho, juntamente com outros Países signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos, para propor a reforma da CIDH, em um momento no qual não era claro se a proposta seria pelo enfraquecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos; e iniciou as obras civis de Belo Monte, ignorando o chamado da Comissão e as denunciadas violações de direitos humanos, deixando claro que este projeto não era negociável.

Assim, o caso se tornou emblemático não só pelos impactos socioambientais de grande magnitude, ou pelos inúmeros imbróglios judiciais no contexto interno, mas principalmente, no contexto internacional, por evidenciar um choque entre a política de desenvolvimento brasileiro e as normas internacionais de direitos humanos.

Agora, o Estado brasileiro dá mais uma vez ao mundo um triste exemplo de autoritarismo, deixando claro que o país está fechado para o diálogo quando contrariado em instâncias internacionais.

A defesa incondicional da CPI da Funai busca encobrir que, composta apenas por congressistas da bancada ruralista, estes agiam em interesse próprio, ao analisar documentos e testemunhas relacionados a processos de identificação e demarcação de terras indígenas e de territórios quilombolas, considerados “obstáculos ao desenvolvimento”, ao limitarem a ampliação da fronteira do agronegócio.

O relatório final da CPI, aprovado em 30 de maio de 2017, consiste em uma clara tentativa de criminalizar antropólogos, lideranças indígenas, indigenistas, membros do Ministério Público Federal, servidores da FUNAI, religiosos e cientistas sociais que, cumprindo os preceitos constitucionais nas suas respectivas esferas de trabalho, defendem os direitos indígenas no Brasil.

As ameaças aos direitos indígenas, meio ambiente, e a falta de efetividade da proteção constitucional a ambos, são amplamente conhecidas e documentadas pela sociedade civil e instituições de pesquisa.

Nesse sentido, verifica-se que atuação desta CPI consistiu em um desrespeito à normativa internacional de direitos humanos, que o Brasil em ato de soberania se tornou signatário.

Pensando em possibilidades de reação, uma possível resposta seria lançar uma carta coletiva de repúdio, chamando parceiros da sociedade civil para assinarem.

Interessante pontuar que, há 10 dias, um grupo de diplomatas brasileiros, sem a participação da cúpula do Ministério, lançou carta pública inédita criticando o “uso da força” para conter as manifestações que vem ocorrendo em todo o país e pedindo que líderes políticos “abram mão de tentações autoritárias, conveniências e apegos pessoais ou partidários em prol do restabelecimento do pacto democrático no país”. O estopim para a carta teria sido uma nota oficial nesse mesmo teor divulgada pelo Itamaraty na sexta-feira passada, em resposta a críticas feitas por órgãos internacionais de direitos humanos sobre a violência policial no país.

Flávia do Amaral Vieira é Doutoranda em Direitos Humanos da Universidade Federal do Pará, mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC. Advogada, atuou como consultora da AIDA (Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente) no caso de Belo Monte na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Atualmente trabalha na Clínica de Direitos Humanos da UFPA.

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