O agronegócio, imbricado nas estruturas do Estado brasileiro, encontrou no judiciário terreno fértil para fazer germinar e enraizar a tese do marco temporal
Luiz Henrique Eloy* – Mídia Ninja
Há pouco mais de uma semana, ainda durante a realização da 10ª Grande Assembleia Terena, ocorrida na Terra Indígena Buriti Mato Grosso do Sul, as lideranças Terena recebiam a notícia de que o STF negara o recurso da União Federal, não reconhecendo a área Buriti como de ocupação tradicional, corroborando a aplicação da chamada tese do “marco temporal”. Segundo esta tese absurda, os índios só teriam direito as terras que eles estivessem ocupando no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
É importante reprisar alguns pontos, dentre eles, que esta tese do “marco temporal” não nasceu no judiciário exatamente no julgamento do caso da Raposa Serra do Sol.
É possível ver já este argumento nas justificativas das proposições legislativas da bancada ruralista no início dos anos 2000. E, é claro, diante da intensa mobilização do movimento indígena, notadamente das lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), várias dessas questões pautadas não avançaram.
Foi neste movimento de mudança de postura, que ministros do STF começaram, na contramão da jurisprudência daquela Corte Constitucional e do movimento constitucionalista latino americano, a mitigação do direito originário dos povos indígenas a favor dos interesses econômicos e políticos que pesam sobre as terras indígenas e suas riquezas.
Com os Terena de Buriti não foi diferente.
Há algum tempo atrás li o texto intitulado “Duas no pé e uma na bunda: da participação Terena na guerra entre o Paraguai e a Tríplice aliança” dos antropólogos Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira. Este texto traz o relato do ancião da aldeia Buriti Sr. Armando Gabriel, que ao ser questionado sobre a participação dos Terena na guerra defendendo seus territórios e, consequentemente o Estado brasileiro, argumentou que seu povo recebeu do governo imperial apenas três botinas por lutarem ao lado do exército brasileiro na guerra contra o Paraguai: “duas no pé e uma na bunda”. Pois, ao fim da guerra, o governo havia loteado todo o território do povo Terena, concedendo aos “amigos do império”.
A história registra que quando as tropas paraguaias dominaram o atual município de Miranda (MS), entre 1864 e 1866, foram justamente os Terena que fizeram a resistência armada contra as tropas invasoras e em defesa de seus territórios. Interessante notar que as armas utilizadas pelos Terena na resistência foram justamente as que os militares brasileiros deixaram em Miranda por ocasião da rápida fuga que fizeram diante da invasão das tropas inimigas. Ou seja, os Terena não correram da guerra!
Com o fim da guerra e posterior advento da República em 1889, várias famílias Terena, já desterritorializadas, tiveram que se submeter a situação de “cativeiro”. Com seu território esbulhado e no âmago de manter os lanços com sua “mãe terra”, se submeteram a situação de exploração do trabalho indígena em fazendas de gado, em regime de servidão.
Mesmo com a nascente República brasileira os povos indígenas não tiveram seus direitos respeitados. No caso dos Terena, o governo central transferiu terras indígenas não tituladas para o então Estado de Mato Grosso, incluindo extensões do território Terena na Serra de Maracaju. Neste interim, o então estado governado desde seu nascimento pelo agronegócio assenhorou-se de extensas áreas, declarou-as como terras devolutas e posteriormente repassou a terceiros. Estes terceiros são os atuais defensores de seus “justos títulos de propriedades” que querem fazer crer ser um direito natural e sagrado.
Certo é que os Terena nunca desistiram de seus territórios. Seja num primeiro momento se submetendo a situação de servidão para manter o vínculo com sua terra, seja pela ativa participação política junto aos órgãos responsáveis pela política indigenista.
É possível ver já este argumento nas justificativas das proposições legislativas da bancada ruralista no início dos anos 2000. E, é claro, diante da intensa mobilização do movimento indígena, notadamente das lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), várias dessas questões pautadas não avançaram.
Foi neste movimento de mudança de postura, que ministros do STF começaram, na contramão da jurisprudência daquela Corte Constitucional e do movimento constitucionalista latino americano, a mitigação do direito originário dos povos indígenas a favor dos interesses econômicos e políticos que pesam sobre as terras indígenas e suas riquezas.
Com os Terena de Buriti não foi diferente.
Há algum tempo atrás li o texto intitulado “Duas no pé e uma na bunda: da participação Terena na guerra entre o Paraguai e a Tríplice aliança” dos antropólogos Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira. Este texto traz o relato do ancião da aldeia Buriti Sr. Armando Gabriel, que ao ser questionado sobre a participação dos Terena na guerra defendendo seus territórios e, consequentemente o Estado brasileiro, argumentou que seu povo recebeu do governo imperial apenas três botinas por lutarem ao lado do exército brasileiro na guerra contra o Paraguai: “duas no pé e uma na bunda”. Pois, ao fim da guerra, o governo havia loteado todo o território do povo Terena, concedendo aos “amigos do império”.
A história registra que quando as tropas paraguaias dominaram o atual município de Miranda (MS), entre 1864 e 1866, foram justamente os Terena que fizeram a resistência armada contra as tropas invasoras e em defesa de seus territórios. Interessante notar que as armas utilizadas pelos Terena na resistência foram justamente as que os militares brasileiros deixaram em Miranda por ocasião da rápida fuga que fizeram diante da invasão das tropas inimigas. Ou seja, os Terena não correram da guerra!
Com o fim da guerra e posterior advento da República em 1889, várias famílias Terena, já desterritorializadas, tiveram que se submeter a situação de “cativeiro”. Com seu território esbulhado e no âmago de manter os lanços com sua “mãe terra”, se submeteram a situação de exploração do trabalho indígena em fazendas de gado, em regime de servidão.
Mesmo com a nascente República brasileira os povos indígenas não tiveram seus direitos respeitados. No caso dos Terena, o governo central transferiu terras indígenas não tituladas para o então Estado de Mato Grosso, incluindo extensões do território Terena na Serra de Maracaju. Neste interim, o então estado governado desde seu nascimento pelo agronegócio assenhorou-se de extensas áreas, declarou-as como terras devolutas e posteriormente repassou a terceiros. Estes terceiros são os atuais defensores de seus “justos títulos de propriedades” que querem fazer crer ser um direito natural e sagrado.
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*Indígena da etnia Terena, advogado e doutorando em Antropologia Social no Museu Nacional/UFRJ e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Dança na Aldeia Buriti, no Mato Grosso do Sul, durante a 10° Grande Assembleia Terena . Foto: Mídia NINJA