Por Eugênio José Guilherme de Aragão (*), no blog de Marcelo Auler
Depois de uma campanha profissional, como manda o figurino Janot na corporação, o vitorioso da eleição interna para a lista associativa, Nicolao Dino, contou com o peso do cargo de seu padrinho, o Procurador-geral da República, para tornar-se o azarão da vez.
Da lista, numa eleição espontânea, sequer constaria o nome de Nicolao, perdedor de duas eleições para o Conselho Superior. A perspectiva mais provável era Raquel Dodge e Mário Bonsaglia disputando os dois primeiros lugares e Ela Wiecko eleita para o terceiro. O número de votos recebidos por Nicolao surpreendeu até analistas mais experientes.
A pergunta que fica no ar é: o que está acontecendo com o MPF? “Flucht nach vorne” ou “escape ahead” – a fuga para frente, a saída que resta aos que se encurralaram em seus próprios erros?
O porre da “Lava Jato” está cobrando seu tributo. E a ressaca será pesada.
Não há dúvida que o timing da denúncia contra Temer – oferecida a toque de caixa à véspera do pleito, cheia de erros típicos da falta de revisão – favoreceu muito o ganhador.
Depois ainda veio aquela mensagem patética do Procurador-geral da República, pedindo união de todas e todos no Ministério Público Federal, naquilo que hiperbolicamente qualifica de “a maior investigação sobre corrupção do planeta” e chamando de “reacionários e patrimonialistas” os que ousam criticar a postura redentorista de sua gestão. Mui democrático! Tudo calculado para dar o máximo de efeito na eleição da lista tríplice associativa. A pieguice convenceu e a categoria embriagada pediu bis.
O discurso moralista pequeno de Janot fez mais estragos do que reparos à combalida paisagem política do país. E os que hoje o aplaudem porque, num “grand finale”, resolveu enfrentar o golpista que deixou correr solto para derrubar uma presidenta honesta eleita por 54 milhões de brasileiras e brasileiros, se esquecem que estão empoderando um monstro. Este, com métodos policialescos de combate a organizações mafiosas, está atacando a democracia, a soberania popular e o tecido institucional. Qualquer presidente eleito terá, a partir de agora, que fazer “caramuru” ao Ministério Público, se quiser sobreviver até o final de seu mandato.
O que sobrou dessa luta encarniçada, não contra a corrupção, mas a favor da alavancagem corporativa do Ministério Público, é uma economia destruída, a falta de liderança para tirar o país do buraco e o império de uma mídia tanto oportunista, quanto golpista na defesa dos interesses de uma minoria endinheirada. E a corrupção vai bem, obrigado, porque sem mexer nas causas, apenas reprimindo seus efeitos, a bactéria que alimenta a doença vai se tornando mais resistente.
Por falar em causas, diz, nesta quarta-feira (28/06), Nicolao aos jornais que brigará por uma reforma política se nomeado procurador-geral. O óbvio ululante: o país precisa de ampla reforma política. Mas não de iniciativa de um PGR! Lá vai ele pelo mesmo caminho de Janot, se metendo onde não foi chamado.
Talvez confunda seu almejado mandato logrado com apoio corporativo com um mandato parlamentar. Quem tem que resolver sobre a reforma política são os representantes da soberania popular e não um burocrata de um órgão persecutório penal. O burocrata deve se bastar em cumprir seu dever de acusar com muito cuidado e discrição, preocupado em garantir o devido processo legal e um julgamento justo àqueles que estão em sua mira. Nada mais. E isso já é muito, pois Janot e seus acólitos não o têm conseguido.
Se numa futura gestão do PGR tivermos mais do mesmo, será, em verdade, o Ministério Público que deverá ser reformado, pois democracia nenhuma no mundo aguenta suas instituições viverem sob o porrete do direito penal.
Esse é o alto preço que os procuradores irão pagar por conta de suas etílicas andanças trôpegas. Sobreviverá na sociedade apenas o consenso de que os malfeitores – corruptos, corruptores, autoridades abusivas e arbitrárias – devem ser acusados sem exceção e o golpista Temer julgado para pagar por seu ataque à Constituição.
Mas, que tudo se faça com a dignidade própria das civilizações. E que se deixe incólume a soberania popular que pertence a nós todas e todos e não é monopólio dos acusadores.
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(*) Eugênio José Guilherme de Aragão é ex-Ministro da Justiça, Subprocurador-geral da República aposentado, Professor da Universidade de Brasília e Advogado.