O agro é tóxico

Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo, nesta terça-feira (27), alertou sobre os perigos do uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil, que em 2010 se tornou o maior consumidor de venenos do mundo

Por Leonardo Fernandes
Da Página do MST

Nesta terça-feira (27), foi realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a audiência pública “Uso de agrotóxicos – seus efeitos na saúde e no meio ambiente”. O debate foi convocado pelos deputados estaduais do Partido dos Trabalhadores (PT), Carlos Neder e Marcos Martins, que integram a Comissão de Saúde da Alesp, e contou com a participação de representantes de movimentos sociais e de instituições ligadas ao tema, como o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Carla Bueno, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, fez uma apresentação sobre a cadeia produtiva do agronegócio e demonstrou a forte dependência desse modelo em relação ao uso de agrotóxicos na produção de alimentos. Um modelo que, segundo ela, além de representar uma concepção torpe de desenvolvimento, significa um aumento da concentração de terras e o consequente empobrecimento do país.

“Quanto maior a concentração de terras, maior a concentração de renda e menor o índice de desenvolvimento humano”, afirmou.

Bueno destacou ainda os elementos negativos da atual conjuntura política em relação ao controle dos agrotóxicos no Brasil. “Os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil vêm sofrendo uma série de ataques aos seus direitos, e em relação ao campo não é diferente”.

Segundo ela, a bancada ruralista do Congresso “ameaça revogar a atual lei dos agrotóxicos”, através da flexibilização das normas de autorização e registro de novos venenos. Ela citou a Lei 6299/02, que busca substituir o termo ‘agrotóxico’ por ‘defensivo fitossanitário’ e retira da Anvisa a competência para a avaliação de novos agrotóxicos no país, ficando exclusiva ao Ministério da Agricultura.

Por outro lado, Bueno destacou que os movimentos se articulam para a aprovação de um projeto que ajude a reduzir o uso de venenos na produção de alimentos. “Enquanto a bancada ruralista avança numa comissão especial, noutra, estamos iniciando a tramitação na Câmara Federal da Política Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara). Por isso é tão importante fazer esses debates nos estados. Primeiro porque existem legislações estaduais que precisam ser monitoradas e acompanhadas, com luta e com articulação social. E segundo porque os estados têm a responsabilidade de contribuir com esse debate a nível federal”, afirmou.

Ameaça à saúde pública

A pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Márcia Sarpa, destacou as graves falhas na classificação toxicológica dos agrotóxicos pela Anvisa. Segundo ela, a agência utiliza um curto período de exposição ao veneno como critério de avaliação, desconsiderando os efeitos a longo prazo. “Ao longo de uma vida de 20 ou 30 anos de exposição qualquer um deles pode levar ao desenvolvimento de câncer”, alertou.

Sarpa mencionou um estudo realizado pelo Inca com mil agricultores do Rio Grande do Sul, que comprovou a relação direta da exposição aos agrotóxicos e o desenvolvimento de doenças mentais e depressão. Para ela, ‘não existem limites seguros para a exposição a essas substâncias’.

Já Luiz Cláudio Meireles, da Fiocruz, fez um panorama do cenário atual em relação ao uso de agrotóxicos no Brasil. Segundo ele, o país se tornou o líder mundial no consumo de venenos graças a uma série de falhas no sistema de controle, entre elas, a insuficiência na avaliação toxicológica, o controle precário do comércio desses produtos, a inadequação de medidas de proteção individual e coletiva, além de uma enorme lacuna nos mecanismos de transparência e no direito à informação. “O trabalhador ou consumidor intoxicado não tem informações suficientes para reconhecer os tipos de agrotóxicos e se proteger”, afirmou.

Meireles denunciou ainda a ausência de registros específicos de doenças provocadas pela exposição aos agrotóxicos e a falta de recursos que deveriam ser disponibilizados pelo Ministério da Saúde para os programas de controle e vigilância.

Campo e cidade: aliança por uma alimentação saudável

Representando a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Daniel Gaio, Secretário de Meio Ambiente da entidade, destacou o papel dos movimentos urbanos na conscientização sobre os perigos do modelo de agricultura baseado na utilização de venenos. Para ele, “esse é um ponto que envolve toda a sociedade e pode convergir para saídas políticas importantes” para a atual crise que o país enfrenta.

Segundo Gaio, enquanto central sindical, a CUT tem buscado observar e debater as consequências do uso de agrotóxicos para todos trabalhadores, para além da categoria rural. “Estamos fazendo um resgate sobre toda a cadeia de produção, desde a produção química e a exposição que os trabalhadores da indústria química enfrentam, o transporte, que sequer é levado em conta quando se debate esse assunto, o comércio, ou seja, é uma realidade para muitos trabalhadores, além dos camponeses. E por isso esse é um assunto que aglutina diversos setores da sociedade em torno dele”, afirmou.

O Caminho é lutar

A representante do MST, Kelly Mafort, informou que assim como na Alesp, audiências públicas e debates estão sendo realizados no interior do estado e em outros estados do Brasil. Segundo ela, ‘essa tem sido uma forma de convocar a sociedade para se informar sobre o crime que se comete com o uso indiscriminado de agrotóxicos’.

Ela destacou o sucesso da 2ª Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada em São Paulo no mês de maio, e que teve como eixo o tema da alimentação saudável. “Através desse debate e compreendendo a alimentação como um ato político, é possível levar essa discussão para escolas e diversos outros espaços. Uma prova da forte da preocupação da população urbana com a sua alimentação, foi que em quatro dias, 170 mil pessoas compareceram a 2ª Feira Nacional da Reforma Agrária, aqui em São Paulo”.

Mafort defendeu que somente a luta pela terra, a mobilização popular, será possível derrotar o modelo do agronegócio, que envenena a sociedade. “Se as pessoas querem ter uma alimentação saudável, elas têm que se colocar nas fileiras de defesa do MST, da Reforma Agrária, dos movimentos populares, da agroecologia”.

Uma forma de acompanhar de maneira permanente os debates e se engajar nas mobilizações em torno do tema dos agrotóxicos é assinar a plataforma Chega de Agrotóxicos. A ferramenta, criada pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, busca coletar assinaturas em apoio ao Pronara, além de ser um importante canal para se informar sobre o tema.

*Editado por Maura Silva 

Foto: Carla Bueno da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida

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