Delegação Terena em Brasília: “Queremos repostas concretas”

Por Egon Heck, do secretariado nacional Cimi

Como encaminhamento da 10ª Assembleia do Povo Terena, que aconteceu de 31 de maio a 03 de junho na Aldeia Buriti, em Dois Irmãos do Buriti (MS), decidiu-se que uma delegação de lideranças viria até Brasília para agenda de reinvindicações. A assembleia ressaltou a necessidade de acompanhar e fortalecer a cobrança sobre os processos de demarcação das Terras Indígenas junto a Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Ministério da Justiça, no Supremo Tribunal Federal e demais instâncias governamentais responsáveis por criarem políticas específicas aos povos indígenas. A delegação composta por lideranças dos povos Terena, Kinikinawa, Kadiwéu e Atikum esteve em Brasília na última semana, de 25 a 30 junho. 

As pérolas do Ministro da Justiça

Na quinta feira (29) a comissão de indígenas vinda do Mato Grosso do Sul foi recebida pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, e pelo presidente interino da Funai, Franklimberg Ribeiro de Freitas. As autoridades ouviram em alto e bom tom as lideranças dos povos presentes. Na reunião o grupo de aproximadamente 50 indígenas expos suas indignações e exigiram seus direitos, especialmente o de suas terras tradicionais. Em vários momentos externaram que só lhes resta o caminho da volta aos seus territórios, por isso serão persistentes nas retomadas e autodemarcações. Diante as reinvindicações, o presidente da Funai repetiu as afirmações evasivas expostas na reunião do dia 26.

Após as exigências das lideranças o ministro da Justiça deixou claro a que e em nome de quem veio. Quando o assunto era o Marco Temporal (imoral e inconstitucional), enfaticamente rejeitado pelas lideranças, Torquato Jardim não propôs sua revogação. Disse ser necessário reformular, dentro de mecanismos legais disponíveis, mas em momento algum ouviu o desejo dos indígenas de anular a proposta. Esta tese jurídica propõe uma interpretação restritiva dos direitos indígenas, ao definir que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

Contudo, durante toda a reunião a defesa mais enfática (e nada casual, já que se repete) defendida pelo ministro da Justiça foi a proposta de explorar economicamente as terras indígenas já demarcadas. Jardim fez a pergunt em nome do agronegócio: “Será que é mais terra que os índios querem e precisam?”, e respondeu: “ou é a instalação de escolas de primeiro mundo, técnicas, uma escola do século 21?  Com essas escolas e a produção mecanizada vamos reforçar o DNA indígena”. Tais afirmações são muito semelhantes às levantadas na década de 1970, pela ditadura militar.

Ao ser contestado por lideranças que deixaram claro suas necessidades –  territórios demarcados e respeitados, sem a mercantilização da terra –  se apressou em dizer que não havia falado em mercantilização. Foi então a vez de uma das lideranças se levantar e, aproximando-se do ministro e presidente da Funai, afirmar que não quer ficar rico, não quer riqueza, mas apenas deseja a terra para viver a sua cultura e em paz.

Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

A doente saúde indígena

“Se não houver previdências por parte da coordenação nacional da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) nos próximos três dias, nós mesmos vamos tomar nossas providências. Vamos fechar a Administração Regional da Sesai em Campo Grande”. Foi o aviso dos caciques da delegação com 50 lideranças do povo Terena, Kinikinawa, Kadiwéu e Atikum para o secretário do órgão vinculado ao Ministério da Saúde. A reação do atual secretário da Sesai, Marco Antônio Toccolini, há quatro meses no cargo, foi imediata: “Assim vocês me deixam em saia justa. A decisão de demissão do atual administrador regional depende da Casa Civil e não de mim”.

Durante mais de duas horas as lideranças fizeram relatos indignados de omissões, má gestão, descaso, falta de remédios e funcionários.  No final da reunião ficou evidente a gritante realidade do descaso com a vida da população indígena e a impossibilidade de uma política coerente e ações eficazes de política de saúde. Em resposta, o presidente do órgão se limitou a informar que está construindo uma nova Sesai.  Ao lembrar as frequentes solicitações de caixões para enterrar as vítimas desse descalabro e engessamento do órgão não se conteve e foi às lágrimas.

Funai: nossa terra sagrada foi roubada.

Na segunda-feira (29) a delegação se reuniu com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Queremos nossas terras. Caso os processos continuem paralisados, nós voltaremos às nossas terras. Não aceitaremos retrocessos, como no caso de Limão Verde”, foi a mensagem que ressoou durante todo o encontro.

O presidente interino da Funai, general Franklimberg Ribeiro Freitas, apesar de se identificar como índio Mura, não demonstrou ter maiores conhecimentos e informações sobre a realidade indígena. No final de aproximadamente duas horas de conversas, cobranças e informações, a delegação pediu informações por escrito sobre cada uma das situações das terras indígenas na região do pantanal sul mato-grossense e região. Franklimberg não soube dar informação. A Funai se comprometeu a entregar esses relatórios aos representantes das terras indígenas.

STF e a promessa de agilidade

Em diferentes circunstâncias e com diferentes interlocutores, a atual presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, manifestou intensão de dar agilidade ao julgamento a mais de uma centena de processos envolvendo o reconhecimento de territórios indígenas. Infelizmente parece que a falta de análise de tais processos interessa aos ruralistas. Enquanto nada se decide eles mantêm ocupadas inúmeras terras indígenas. Estas, enquanto judicializadas, estão efetivamente na posse e produção do agronegócio.

A delegação dos povos Terena, Kadiwéu, Kinikinawa e Atikum, que passou a semana em Brasília lutando pelos direitos de todos os povos indígenas do Brasil. Novamente fizeram chegar aos ministros do Supremo Tribunal Federal o veemente pedido de julgamento das ações e garantia das terras indígenas. São exigências que fazem a partir da Constituição Federal de 1988.

Representantes da terra indígena Limão Verde, município de Aquidauana (MS), que está demarcada, mas sob a ameaça de retrocesso, externaram a decisão de seus parentes. “Nossa comunidade mandou dizer que jamais sairão da terra já totalmente regularizada. Só sairemos se formos mortos”. Limão Verde já foi homologada e registrada, contudo encontra-se enquadrada em processo da segunda turma do STF sob orientação do Marco Temporal, que consolidar como terra indígena a ser demarcada apenas as ocupadas pelos indígenas na ocasião da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

O povo Terena

O povo Terena trata-se de um povo bastante conhecido pela etnografia brasileira, especialmente a partir da guerra contra o Paraguai. No combate, indígenas Terena tiveram função importante no suprimento de alimentação dos combatentes.

Por serem exímios agricultores, conseguiram uma produção agrícola importante no abastecimento da população regional. Através do estabelecimento de famílias nas cidades desenvolveram uma estratégia para a comercialização de sua plantação. Montaram uma rede de produção e comercialização direto da aldeia para a cidade, evitando assim os atravessadores.

Esse movimento de ida para a cidade levou a especialização em várias áreas do conhecimento. Permitiu-se então uma estratégia de ocupação de espaços dos não índios. Com muita agilidade foram migrando para vários ambientes da região, em especial para a cidade de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul.

Os Terena e suas estratégias de resistência e afirmação de suas identidades surpreendem. No início de 2002 iniciaram um promissor processo de retomada de suas terras. Com a retomada de Buriti, no município de Miranda (MS), seguiram buscando o seu lugar junto a Mãe Terra. Atualmente são mais de uma dezena de terras retomadas e outras tantas reivindicada. Hoje a população Terena é de quase 30 mil pessoas.

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