Prepare-se: Se o “Fora, Temer!” cair, assume o “Fora, Maia!”, por Leonardo Sakamoto

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O mercado acredita na imortalidade das reformas. Nessa crença, se Temer voltar ao pó, elas reencarnarão rapidamente no corpo do próximo semovente que ocupe a cadeira do Palácio do Planalto sem o voto popular.

Porque qualquer um que se candidatasse para o cargo em uma eleição direta e tivesse sua proposta de governo debatida de forma aberta, não seria eleito caso defendesse a redução estrutural da proteção aos trabalhadores da ativa e do aposentados, que é a tônica de reformas como a Trabalhista e da Previdência.

Até agora Temer está cumprindo a agenda de redução do Estado de bem-estar social (razão pela qual o poder econômico o ajudou a se manter lá), mas também evitar qualquer medida que faça com que os ricos também paguem pela crise. Nada de taxar dividendos, aumentar o imposto de renda dos mais ricos e isentar a classe média, aumentar os impostos sobre heranças e taxar grandes fortunas, barrar a farra dos subsídios e os programas de refinanciamento de grandes sonegadores de impostos.

Ao prometer ao poder econômico e à velha política (que tenta sobreviver diante dos desdobramentos da Lava Jato) que seria a pessoa perfeita para o serviço, contribuiu com o aprofundamento da desigualdade social e com a proteção aos corruptos.

Se for abandonado pelos deputados federais, que perceberam que precisam se afastar dele para poderem ter chance de reeleição no ano que vem ou de salvação imediata da Lava Jato, Michel Temer poderá ser afastado do cargo por até 180 dias se a Câmara aceitar a abertura de processo contra ele por corrupção, atendendo à denúncia realizada pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribuna Federal.

A substituição, mesmo que temporária, por Rodrigo Maia já foi levada em conta pelo mercado. Como presidente da Câmara dos Deputados, ele tem sido um defensor ferrenho da redução dos direitos dos trabalhadores e um bastião da proteção ao patronado, mais até do que Michel Temer. Chega ao disparate de cravar a inutilidade da Justiça do Trabalho em um país em que a herança da escravidão é sentida diariamente nas relações de trabalho.

Capitaneou, sem pudores, o resgate de um projeto antigo, aprovando a terceirização de todas as atividades de uma empresa e deixando portas abertas para fraudes. E possibilitou que a proposta inicial da Reforma Trabalhista, ruim, porém mais curta e objetiva, que veio do governo federal se transformasse em um monstrengo que afetará imediatamente a qualidade de vida de boa barte da população economicamente ativa.

É claro que Rodrigo Maia como presidente da Câmara dos Deputados é uma coisa e na Presidência da República seria outra. Pois não se contentará em buscar a reeleição, tentando voos mais altos. E as composições e concessões que terá que fazer no poder também são maiores do que aquelas possibilitadas pelo mercado de votos de parlamentares que ocorre por lá. Mas, ao que tudo indica, Maia entraria nessa batalha de forma mais aguerrida que Temer.

A troca de Temer pode ter se tornado necessária para garantir que este período de limbo de representatividade política não seja desperdiçado. Muitos ainda querem que este ano seja usado para refundar a República. Mas, ao invés de garantir que essa repactuação passe por uma Reforma Política que reinvente a representatividade e reforce a democracia, busca-se reduzir o poder de fiscalização e de regulação do Estado ou mesmo de sua presença e ação em nome da competitividade.

Neste momento, em que Temer deixa de ser visto como uma ferramenta útil e passa a ser encarado como um entrave, há um esforço para tentar blindar Henrique Meirelles e sua equipe econômica a fim de garantir uma transição segura para o próximo governo – quando continuarão a tocar esse mesmo projeto.

E quando a política é subordinada completamente à economia, não apenas Nicolau Maquiavel se remexe no túmulo, como bem me ensinou um professor, mas a democracia se torna uma farsa.

Quando as gravações realizadas por Joeslei Batistas se tornaram públicas, foi surpreendente a velocidade com a qual aliados e opositores, grandes empresários, o mercado financeiro nacional e internacional, movimentos e organizações que o apoiam absorveram e processaram as denúncias contra Michel Temer. Mesmo sem os áudios, estabeleceu-se um consenso de que era preciso trocá-lo. E rápido.

Naquele dia, uma reunião para decidir os próximos passos após sua queda foi organizada na casa de Rodrigo Maia. Aliás, da mesma forma que Temer também organizou esse tipo de reunião quando era o próximo da linha sucessória de Dilma Rousseff. ”Aliados” em Brasília não se importam em fazer missa de corpo presente com o defunto ainda respirando.

Quando instituições nacionais estão esgarçadas e desacreditadas, a melhor maneira de combater a escalada de violência de Estado e convulsões sociais é devolver ao povo o direito de escolher diretamente um novo mandatário para governá-lo. Só o povo é capaz de repor a legitimidade que o país precisa.

Qualquer uma das saídas para a crise, sejam eleições diretas ou indiretas para um período tampão na Presidência da República, tem seus problemas – considerando o cenário de instabilidade em que estamos. Nenhuma é perfeita. Mas diante do que está posto, o restabelecimento da vontade popular em detrimento das necessidades de um grupo político (que quer salvar sua própria pele, diante das denúncias de corrupção) e de um grupo econômico (que deseja aumentar sua competitividade mediante a redução de custos que garantem qualidade de vida ao trabalhador) é a opção mais difícil, mas que traria melhores frutos. Pois poderia contar com o apoio popular para encabeçar uma Reforma Política que arrumasse, finalmente, o sistema.

A opção por reiniciar o sistema, contudo, não deve ser tomada pensando no melhor caminho para levar o candidato A ou B ao poder. Deve ser defendida, independentemente de quem ganhe. Pois o objetivo para todos os que se preocupam com a democracia, neste momento, deveria ser destravar um país.

Citado em delações da Odebrecht, Maia não é sangue novo. Pelo contrário, é apenas a próxima reencarnação para o mesmo projeto econômico e político, a nova aposta para que as promessas feitas ao mercado sejam entregues antes de eleições diretas. Ou seja, antes do retorno de uma democracia plena. E, com isso, o aprofundamento da desigualdade e da injustiça social.

Por conta da defesa intransigente dos interesses do mercado e dos grandes empresários, a única certeza é que, junto à população e aos movimentos sociais, o ”Fora, Temer!” dará lugar ao ”Fora, Maia!”.

Foto: Estadão

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