Indígenas Guarani Mbya no Rio Grande do Sul divulgam documento final após encontro de lideranças

No Cimi

Lideranças Guarani Mbya reunidos na Terra Indígena Jatai’ Ty, Canta Galo, município de Viamão, Rio Grande do Sul, analisaram a conjuntura das políticas indigenistas no país. No fim do encontro que ocorreu de 28 a 30 de junho divulgaram documento que cobram explicações sobre as paralisações nas demarcações das Terras Indígenas e as indicações de políticos ruralistas para cargos nos órgãos indigenistas do governo no Sul do país. 

Representantes de 11 terras indígenas assinaram o texto que exige da Funai agilidade nas demarcações das Terras Indígenas. Sobre o direito originário das suas terras, as lideranças demonstram preocupação com os instrumentos jurídicos, como o Marco Temporal, que buscam reforçar a suspensão das homologações dos territórios tradicionais. “O Marco Temporal é mais uma estratégia de morte contra nossos povos e vai legitimar todo um passado de grilagem de nossas terras, vai legitimar a expulsão e a violência praticada contra nós, no passado e no presente”, declaram no documento.

Sem-terra, em acampamentos indignos, indígenas Guarani Mbya estão expostos às violações dos seus direitos básicos. “Em função dessa política de omissão quanto a esse direito que temos, nossas famílias são obrigadas a viverem em pequenas áreas de terras degradadas ou em acampamentos improvisados nas margens das rodovias”.

A nota repudia ainda as interferências de parlamentares ruralistas em órgãos indigenistas do governo, como na Fundação Nacional do Índio e na Secretaria Especial de Saúde Indígena. “Repudiamos essa intervenção política e a denunciamos, pois é inaceitável que sejam loteados cargos públicos para atender aos interesses de setores que não escondem sua raiva e desprezo por nós”. Na última semana uma delegação dos povos Kaingang e Guarani protestou em Brasília contra as indicações políticas a Funai e Sesai do Interior Sul.

Leia o documento final abaixo: 

Documento Final do Encontro de Lideranças Guarani Mbya no Rio Grande do Sul 

Nós, lideranças indígenas do Povo Guarani  Mbya, nos reunimos  na terra indígena  Jatai’ Ty, entre os dias 28 a 30 de junho  de 2017 para discutirmos sobre as grandes questões da conjuntura política e econômica que afetam nossos direitos, nossas terras e nossas vidas.

Estamos muito preocupados com os rumos que estão sendo dados para a atual política indigenista. Percebemos que há muita interferência de políticos ruralistas em assuntos que afetam a nossa vida, inclusive com a indicação dessas pessoas para cargos e funções importantes dentro da FUNAI. Repudiamos essa intervenção política e a denunciamos, pois é inaceitável que sejam loteados cargos públicos para atender aos interesses de setores que não escondem sua raiva e desprezo por nós, e querem impedir que se demarquem nossas terras e que se respeitem os nossos direitos.

Manifestamos nossa indignação com a paralisação das demarcações das terras indígenas, especialmente aquelas de nossas comunidades no Sul e Sudeste do país. Há muitos anos a Funai não vem cumprindo com suas obrigações de demarcar e fiscalizar as terras indígenas. Em função dessa política de omissão quanto a esse direito que temos, nossas famílias são obrigadas a viverem em pequenas áreas de terras degradadas ou em acampamentos improvisados nas margens das rodovias.

Lamentavelmente a Funai, nos últimos tempos, tem atuado no sentido de impor limites aos procedimentos de demarcações de terras e, para isso, usa de estratégias perversas, por exemplo, de criar grupos de trabalho para realizar os estudos de identificação e delimitação das terras e depois os paralisa sem uma conclusão ou solução. Mantém, com isso, a incerteza e a insegurança para nosso povo, ao mesmo tempo em que desrespeita um preceito da Constituição Federal, no qual se afirma que as terras indígenas devem ser demarcadas (art 231). A Funai tem utilizado, nos últimos anos, uma postura no mínimo antiética, pois sugere que os laudos antropólogos, depois de concluídos, contenha uma carta conclusiva afirmando que as terras estudadas não são de ocupação tradicional indígena. Isso é grave porque, ao mesmo tempo, nega nossos direitos às terras e desperdiça recursos públicos, utilizando toda a estrutura do órgão indigenista não para resguardar nossos direitos, mas sim os interesses de grupos que invadiram ou saquearam as nossas terras.

Nós estamos muito preocupados com o que vem sendo tratado, no campo jurídico, como marco temporal da Constituição Federal de 1988. Esse argumento jurídico foi criado para tentar anular o direito inalienável e imprescritível às nossas terras, conforme se estabelece na lei maior dos brancos. Solicitamos que nossos apoiadores e parceiros de luta nos ajudem a discutir com os juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores essa questão, porque ela agride nossa história passada, agride nossa existência no presente e vai comprometer nosso futuro. O Marco Temporal é mais uma estratégia de morte contra nossos povos e vai legitimar todo um passado de grilagem de nossas terras, vai legitimar a expulsão e a violência praticada contra nós, no passado e no presente.

Com bastante preocupação nós vemos que no campo da saúde, a política não vem sendo desenvolvida para atender as nossas necessidades. Também percebemos que há indicações de cargos e funções dentro da Secretaria Especial de Saúde Indígena que atendem exclusivamente aos interesses de políticos governistas. Isso é inaceitável porque compromete o desenvolvimento das atividades administrativas e de assistência em nossas comunidades. Ao invés de se priorizarem as ações em saúde para que possam melhorar nossa qualidade de vida e garantir condições adequadas de assistência aos guarani e a todos os povos indígenas há preocupação apenas com os cargos e os salários. Defendemos a permanência daqueles servidores comprometidos com a saúde indígena, e os que não são comprometidos devem ser dispensados.

Para enfrentar todos esses desafios, nossos líderes religiosos, os Karaí, as Kunhã Karaí nos animam com as palavras de sabedoria e de luta. Eles repetem que não podemos deixar de nos unir e lutar por nossos direitos e que, com a presença forte de Ñhanderu nas nossas vidas e com a força dos Guarani, dos outros povos indígenas e de nossos aliados, vamos conseguir enfrentar todos os inimigos. Seguiremos caminhando para proteger as nossas terras, as nossas matas, as nossas águas e todos os bens que a natureza nos oferece.

Canta Galo, 30 de junho de 2017.

Foto: Ruy Sposati.

 

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