Minas lidera número de conflitos por água no país

No Estado, há 58 focos de embate por uso de água, um terço do total registrado no país

Por Ana Paula Pedrosa e Queila Ariadne, O Tempo

Minas Gerais é o Estado onde há maior número de conflitos motivados pela água. São 58, um terço das 172 áreas de tensão registradas no país e mais do que o dobro do segundo colocado, a Bahia, quem tem 24. Os dados são do estudo “Conflitos pela água 2016-2015”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O documento mostra ainda que 54% dos embates por água são causados pela mineração. As hidrelétricas aparecem em segundo lugar, como causadoras de 23% das divergências.

Entre os conflitos listados pela CPT estão os de Conceição do Mato Dentro, onde a atuação da Anglo American é apontada como causadora de variados problemas, como extinção de nascentes, mortandade de peixes, poluição do córrego Passa Sete e desabastecimento de comunidades. A atuação da mineradora está sendo investigada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em 24 inquéritos civis públicos abertos nos últimos dez anos, desde o início do projeto Minas-Rio. Desses, sete têm relação direta com a água – sendo dois contra a prefeitura da cidade e cinco contra a Anglo – e foram analisados pelo coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular e pela CPT. Os resultados estão no dossiê “Ameaças e violações do direito humano à água” , publicado na semana passada.

Entre esses inquéritos está o que investiga a mortandade de peixes ocorrida em 2014 e que se repetiu em junho deste ano no córrego Passa Sete. O curso d’água é o que passa na comunidade de Água Quente, onde moram os irmãos Anísio Santos de Jesus, 46, e José Lúcio Reis dos Santos, 48. “Antes, tinha água boa aqui. Dava para beber, brincar, plantar. Agora, acabou o peixe que tinha, e, se a gente beber a água, dá dor de barriga”, diz Jesus, no meio da água barrenta do córrego.

Nascido no lugarejo, ele nunca deixou Passa Sete para nada e só conheceu água encanada depois que a do córrego ficou imprópria para uso e a Anglo American instalou uma caixa-d’água comunitária que é abastecida por caminhão-pipa. “Acabou nossa vivência”, diz José Lúcio, falando do modo de vida tradicional da comunidade, que estava diretamente ligado ao córrego e não existe mais.
O caso da comunidade de Faustinos, que é abastecida com água não potável pela prefeitura, também está em investigação.

A advogada popular Larissa Vieira, do coletivo Margarida Alves, chama a atenção para fato de que nenhum dos inquéritos foi concluído. Para ela, falta dar prioridade para resolver essas questões. O promotor da comarca, Marcelo Mata Machado, informou que todos os inquéritos estão em andamento e esclareceu que a promotoria “exerce suas funções em todas as áreas, judicial e extrajudicial”, em seis municípios.

2007. A MMX e a Anglo American dão início ao projeto Minas-Rio. Em 2008, a Anglo assume o empreendimento sozinha.

2009. O MPF questiona na Justiça aspectos do licenciamento ambiental, mas perdeu a ação.

2011. Um estudo encomendado pelo MPF aponta que o número de atingidos é maior do que o apontado pela Anglo.

2012. Recomendação conjunta do MPF,do MPMG e da Defensoria Pública pede que a Anglo pare de “ameaçar ou constranger” moradores e comunidades.

2014. Com todas as licenças, o Minas-Rio começa a operar.

2017. É apresentado o projeto de expansão da mina.

Dona Alice, 75, recebe da empresa dez galões de água por semana

Após soterramento de nascentes, água chega de caminhão

Aos 75 anos, dona Alice Rosa dos Santos convive com tremores provocados pela operação do mineroduto do projeto Minas-Rio. A casa dela, em Cabeceira do Turco, comunidade de Sapo, estampa trincas provocadas por detonações que assustam a idosa. “É cada susto”, afirma. Ela não conta mais com água da nascente, recebe dez galões por semana, enviados pela Anglo American. “Eu cozinho, faço café, mas não dá para lavar roupa nem tomar banho”, lamenta.

A idosa lembra de como criou os filhos, plantando mandioca e vendendo farinha. “Hoje não dá mais para plantar. Não tem água e também não tem mais terras, porque os fazendeiros que arrendavam para a gente já venderam tudo”, conta. Com medo, ela vê como única alternativa deixar a casa onde mora há 50 anos.

Vizinho de Alice, Lenilson Antônio da Silva, 35, foi afetado pelo soterramento da nascente que usava, mas não tem o mesmo tratamento. “Meus vizinhos de cima e de baixo recebem os galões, mas eu não. Já pedi para incluir, mas nunca trouxeram”, conta.

A Anglo American afirma que Lenilson Silva possui abastecimento de água tratada pela Estação de Tratamento de Água (ETA) de Sapo, operada pela empresa em parceria com a Prefeitura de Conceição do Mato Dentro. “Dependo da água que vem do caminhão-pipa que a prefeitura traz, mas a gente tem medo de tomar”, confessa. Para beber, ele busca na casa de amigos, há aproximadamente 2 km de onde mora.

ONU 

Em 2010, a Organização das Nações Unidas reconheceu o acesso à água limpa e segura (não contaminada) como um direito humano essencial para a vida e para o exercício dos outros direitos.

Impacto 

A representante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e Caritas, Juliana Deprá, lamenta as perdas da agricultura familiar. “Não tem água suficiente, nem terras”.

Imagem destacada: Anísio de Jesus lembra-se do tempo em que o córrego Passa Sete era limpo e reclama que a água, agora, “dá dor de barriga” – Foto: Douglas Magno/O Tempo.

Enviado para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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