A Volta da Capela em Barra Longa/MG: violações e incertezas

Por Karine Gonçalves Carneiro, Monique Sanches Marques e Tatiana Ribeiro de Souza*, no MAB

Há quase dois anos do desastre-crime sociotecnológico provocado pela Samarco e suas controladoras (Vale e BHP Billiton), a lama, considerada pelas empresas como inerte, avança. E avança com o auxílio dessas mesmas empresas e suas máquinas extremamente eficientes em violar direitos e interferir no cotidiano das pessoas.  Esta é a situação dos núcleos familiares que residem na Volta da Capela, localidade de Barra Longa/MG.

Apesar de terem sua dinâmica cotidiana alterada desde o dia 05 de novembro de 2015 – data do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana – essas pessoas não tiveram, num primeiro momento, a lama chegando em suas portas tal como ocorreu com outros moradores da cidade. Entretanto, com o passar do tempo, elas vêm observando e sentindo os efeitos da retirada da lama do leito do Rio do Carmo e sua realocação em dois equipamentos públicos da cidade – o parque de exposições e o campo de futebol – confrontantes com seus quintais e os atingindo diretamente. Mediante a autorização da gestão municipal anterior, os rejeitos estão sendo colocados em lugares que eram espaços de lazer e de socialização da comunidade barra-longuense, sem nenhum tipo de estudo de impacto ambiental ou de vizinhança.

O efeito dessas ações tem trazido a necessidade de um olhar mais cuidadoso sobre estas pessoas e a situação que enfrentam. Um relatório, de março de 2017, produzido pelo Greenpeace e pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, já indicava a situação de vulnerabilidade da Volta da Capela onde a grande maioria dos moradores tem renda familiar de até um salário mínimo, o que configura a região com menor renda do município. Ainda, seus moradores estão mais vulneráveis à contaminação ambiental e seus efeitos sobre a saúde em função da proximidade com o leito do rio, o que é agravado pela disposição da lama de rejeitos em suas portas. Esse fato traz indícios inequívocos de “racismo ambiental” já que as consequências do desastre incidem de modo assimétrico entre as populações de um mesmo território e de modo mais incisivo nessa população já historicamente vulnerabilizada.

De modo prático, o que se observa na Volta da Capela são as investidas ou ações das empresas Vale/Samarco/BHP, sob a rubrica da Fundação Renova, dando continuidade ao crime. O rejeito continua a ser derramado sobre populações vulneráveis expropriando-as dos seus biomas, violando seus modos de vida e seus territórios.  O que se vê é a expansão de terras para depósito da lama, assim como a ampliação do espectro das populações atingidas.

É um cotidiano de poeira, barulho e inoperâncias, produzido pelos mesmos causadores do maior desastre-crime sociotecnológico e ambiental do Brasil. Crianças e animais andam, brincam e percorrem o local que hoje é um canteiro de obras, mas que, antes, configurava seus territórios de vida e existência, correndo o risco de se acidentarem por falta de um sistema de segurança que já levou à morte animais.

Localizada numa faixa de terra entre o Rio do Carmo e a via que dá acesso ao centro da cidade de Barra Longa, a Volta da Capela sofre também com as consequências da colocação de um tapume ao longo da via e em toda a extensão do território da comunidade que impede a dissipação da poeira.  Ou seja, de certo modo fechados dentro do próprio canteiro de obras, os moradores do local respiram cotidianamente os rejeitos de minério e sofrem com os barulhos provocados pelas obras. Dessa forma, o modo de vida destas pessoas foi drasticamente alterado e, para além dos problemas de saúde físicos, são também vítimas da incerteza que recai sobre seu futuro.

 As casas localizadas nesta região começam a ter suas estruturas comprometidas em função dos procedimentos utilizados para a compactação da lama no local e da movimentação de tratores, caminhões e máquinas pesadas. Como forma de solucionar o problema, a proposta das empresas é de que as famílias saiam do local. Nesse sentido, o que se percebe é que ainda sem resolver o problema do reassentamento das comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e de Gesteira, em Barra Longa, as empresas vislumbram a remoção de mais famílias. Para isso, redigiram a proposta de um termo de acordo que não as colocam como protagonistas do processo, alijando os moradores das decisões acerca do seu futuro.

Para evitar que mais violações recaiam sobre aqueles que desde 2015 vêm sofrendo cotidianamente com o desastre-crime, a Comissão dos Atingidos de Barra Longa, os Ministérios Públicos Federal e Estadual de Minas Gerais – este representado pela Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social (CIMOS) –, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA/UFOP) vêm buscando formas de trabalhar com os atingidos no sentido de esclarecer sobre os seus direitos, principalmente diante do conflito de informações promovido pelas empresas.

Uma dessas frentes de ação diz respeito ao direito das pessoas atingidas a uma assessoria técnica – o que inclusive já foi reconhecido pelas empresas. Não há como as  populações atingidas obterem a reparação integral dos danos sofridos e a garantia dos seus direitos sem contar com profissionais, escolhidos por elas, para atuar em diversas áreas. Entretanto, até o momento a contratação dessa assessoria, no caso de Barra Longa, ainda não foi homologada judicialmente, permitindo que novas violações de direitos sigam acontecendo.

*Karine Gonçalves Carneiro, Monique Sanches Marques e Tatiana Ribeiro de Souza, professoras adjuntas do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFOP (Univeridade Federal de Ouro Preto) e pesquisadoras do GEPSA ( Grupo de Estudos e Pesquisa Sócio Ambientais ) UFOP.

Foto: Joka Madruga/Terra Sem Males

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