Ao comentar a decisão da Câmara dos Deputados de livrar o pescoço de Michel Temer da guilhotina da Lava Jato, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou que isso mostra que o sistema está funcionando.
Ele se referia ao sistema de freios e contrapesos, ou seja, o conjunto de leis e normas que garantem o equilíbrio e a separação entre os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Cada qual atuando em sua própria missão, mas também limitando a ação dos demais poderes para evitar danos ao país.
Em outras palavras, o Congresso Nacional recebeu vultuosos recursos para pôr um freio nas pretensões da Procuradoria Geral da República de levar o ocupante da Presidência da República a julgamento no Supremo Tribunal Federal a fim de que respondesse a uma denúncia por corrupção passiva. Não é preciso muita reflexão para entender que o comentário do ministro, travestido de resposta técnica, é grávido de opinião.
A verdade é que tanto a separação quanto o equilíbrio entre os poderes no Brasil são mitos tão grandes quanto nossa democracia racial. Na teoria, isso é lindo. Na prática, um filme de terror.
A justificativa técnica para a cassação do mandato de Dilma Rousseff foi de má gestão dos recursos públicos e não as sucessivas denúncias de corrupção contra seu partido e sua administração. Essas ajudaram na criação do caldo de insatisfação, que minou o apoio político no Congresso Nacional. A ponto de os decretos de emissão de créditos suplementares serem considerados argumentos razoáveis para o seu afastamento pela Câmara em abril de 2016.
Contudo, denúncias de corrupção – baseadas em elementos como malas de dinheiro e gravações pouco republicanas com um dono de frigorífico na calada da noite em uma residência oficial – não foram consideradas graves o suficiente para autorizar o afastamento de Michel Temer, pela Câmara dos Deputados, a fim de que fosse julgado. Afinal, ele contava com o apoio da maioria – obtido pela compra de votos através de emendas e cargos, pelas promessas de ajuda para aprovação de lei impopulares, pela concordância com as medidas tomadas por seu governo ou pelo ódio puro e simples ao grupo anterior que estava no poder.
O próprio Gilmar Mendes contribui com o questionamento a respeito da separação entre poderes ao afastar a cassação do mandato de Temer no julgamento de sua chapa com Dilma, por utilização de caixa 2, no Tribunal Superior Eleitoral, do qual ele é presidente. O ministro é amigo pessoal, confidente e conselheiro do ocupante da Presidência da República.
Quando o poder Executivo perde apoio do Legislativo e não conta com suporte no Judiciário, ele se torna vulnerável. Foi o que ocorreu com Dilma Rousseff. E o que não aconteceu com Michel Temer.
Para chegar onde está, Temer prometeu à velha política no Congresso Nacional estancar a sangria da Lava Jato e tocar uma agenda impopular, que nunca seria eleita por voto popular. Prometeu a grandes empresários e ao mercado reformas que reduzissem os gastos do Estado e da iniciativa privada com direitos sociais, trabalhistas e ambientais, mantendo os privilégios dos mais ricos. Para cumprir tudo isso, vai passando por cima do que for necessário.
Gilmar Mendes, um jurista respeitado, também afirmou que ”precisamos pensar hoje se nós temos um modelo adequado de governança, de governabilidade e precisamos encontrar meios e modos de não instabilizarmos a democracia”. Claro que uma Reforma Política, que resgate a representatividade política e permita novas formas de participação, é fundamental para voltarmos a acreditar em nosso país.
O problema é que a promiscuidade entre os Três Poderes é, ao mesmo tempo, uma das principais características de nossa vida pública e uma das maiores fontes de instabilidade de nossa democracia.
Por isso, tendo a concordar com ele. O sistema não está com defeito, pelo contrário. O sistema está funcionando perfeitamente.
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Deputado federal Wladimir Costa (SD-PA), aquele que tatuou com hena o nome de Temer em seu ombro, pede nudes via WhatsApp durante a importante votação desta quarta (2). Ele nega. Foto: Lula Marques