Justiça Federal suspende ação criminal que tornou acusados réus por homicídio no desastre de Mariana

Samarco, Vale, BHP Billiton, VogBR e 22 pessoas são rés na ação. Decisão foi dada após pedido de anulação feito por advogado de dois réus, que alega ilegalidade em escutas telefônicas.

Por Fernando Zuba, Flávia Cristini e Pedro Ângelo, TV Globo e G1 MG

A Justiça Federal em Ponte Nova, na Zona da Mata de Minas Gerais, suspendeu o processo criminal que tornou rés 22 pessoas e as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR por causa do desastre com a barragem de Fundão, em Mariana, em novembro de 2015. A reportagem teve acesso à decisão, que data de 4 de julho deste ano. A defesa do diretor-presidente licenciado da Samarco, Ricardo Vescovi, e do diretor-geral de operações, Kleber Terra, alegou que escutas telefônicas usadas no processo foram feitas de forma ilícita.

O despacho é assinado pelo juiz Jacques de Queiroz Ferreira. Os advogados de Ricardo Vescovi e Kleber Terra pediram a anulação do processo, alegando que a quebra de sigilo telefônico ultrapassou período judicialmente autorizado e que as conversas foram analisadas pela Polícia Federal e usadas pelo Ministério Público Federal (MPF) na denúncia.

A pedido do MPF, companhias telefônicas foram oficiadas pela Justiça sobre o esclarecimento das informações e o processo fica suspenso até que elas entreguem os dados solicitados. No pedido, o MPF também se manifestou pela não interrupção do processo, o que não foi atendido pelo juiz.

Ainda conforme a Justiça, os advogados também afirmaram que houve desrespeito à privacidade dos acusados porque dados fora do período requisitado – contudo informados pela própria Samarco – foram analisados e considerados na denúncia.

“Acresceram que outra nulidade ocorreu quando da determinação dirigida à Samarco para que apresentasse cópias das mensagens instantâneas (chats) e dos e-mails enviados e recebidos entre 01/10/2015 e 30/11/2015, visto que a empresa forneceu dados não requisitados, relativos aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, que, da mesma forma, foram objeto de análise policial e consideradas na denúncia, desrespeitando a privacidade dos acusados”, explica trecho da decisão.

O magistrado afirmou que a defesa dos réus levantou “duas graves questões que podem implicar na anulação do processo desde o início” e determinou a suspensão do processo até a decisão sobre as duas alegações.

Procurado pelo G1, o MPF contestou as alegações da defesa dos dois réus, afirmando que as interceptações usadas na denúncia estão dentro do prazo legal.

“As interceptações indicadas pela defesa como supostamente ilegais sequer foram utilizadas na denúncia, por isso, não teriam a condição de causar nulidade no processo penal”, informou o órgão em nota.

Por telefone, o advogado Paulo Freitas, que representa Vescovi e Terra, reforçou que considera as interceptações telefônicas foram ilegais.

O G1 entrou em contato com a Polícia Federal sobre o período da quebra de sigilo telefônico e aguarda retorno.

A Vale foi procurada pelo G1, que aguarda retorno. O posicionamento será incluído nesta reportagem assim que recebidos

A Samarco, a BHP e a VogBR disseram que não vão se pronunciar.

Dezenove pessoas morreram na tragédia; um corpo nunca foi encontrado (Foto: Reprodução/G1)

Desastre ambiental de Mariana

barragem se rompeu no dia 5 de novembro de 2015, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, e atingindo várias outras localidades. Os rejeitos também atingiram mais de 40 cidades do Leste de Minas Gerais e do Espírito Santo. O desastre ambiental, considerado o maior e sem precedentes no Brasil, deixou 19 mortos. Um corpo nunca foi encontrado.

No dia 18 de novembro de 2016, a Justiça Federal aceitou denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra 22 pessoas e as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR pelo rompimento da barragem e eles se tornam réus por crimes ambientais e por homicídios.

Dentre as denúncias, 21 pessoas são acusadas de homicídio qualificado com dolo eventual – quando se assume o risco de matar. Eles ainda respondem por crimes de inundação, desabamento, lesão corporal e crimes ambientais. A Samarco, a Vale e a BHP são acusadas de nove crimes ambientais. A VogBR e um engenheiro respondem pelo crime de apresentação de laudo ambiental falso.

Segundo o MPF, os acusados podem ir a júri popular e, se condenados, terem penas de prisão de até 54 anos, além de pagamento de multa, de reparação dos danos ao meio ambiente e daqueles causados às vítimas.

A procuradoria pediu a qualificação do homicídio por motivo torpe, justificando ganância da empresa e impossibilidade de defesa por parte das vítimas. “Em relação ao motivo torpe, o MPF trouxe indícios de que a obtenção de rápidos lucros, sem que se atentasse devidamente para as condições da barragem, pode ter contribuído para o ocorrido”, descreveu o juiz Jacques de Queiroz Ferreira na decisão.

Imagem destacada: Vista aérea do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, após o rompimento de barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

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