Se o PT aceitar Agnaldo Timóteo, pode encomendar o velório do partido, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

”Eu quero ir para o PT como soldado de Lula.” Agnaldo Timóteo declarou ao jornal O Globo a intenção de se filiar ao partido. Caso o PT aceite, será mais um banho de água fria em quem acredita na possibilidade de reflexão e renovação do partido após o impeachment de Dilma Rousseff.

Para falar a verdade, será uma pá de cal mesmo.

É difícil para quem mora em São Paulo e se lembra dos mandatos de Agnaldo Timóteo como vereador pelo PR esquecer sua atuação em favor do que há mais retrógrado. Em um discurso na Câmara, em 2007, ele não apenas relativizou a exploração sexual de adolescentes, como fez apologia a ela.

”Ninguém nega a beleza da mulher brasileira. Hoje as meninas de 16 anos botam silicone, ficam popozudas, põem uma saia curta e provocam. Aí vem o cara, se encanta, vai ao motel, transa e vai preso? Ninguém foi lá à força. A moça tem consciência do que faz”, declarou. ”O cara [turista] não sabe por que ela está lá. Ele não é criminoso, tem bom gosto.” Para Timóteo, há ”demagogia” e ”frescura”. Criticado pelos seus colegas e na imprensa, ele negou que apoiasse o turismo sexual.

Seguindo sua linha de raciocínio, poderíamos legalizar uma série de situações em que há um descompasso entre a lei e a realidade. Deixaríamos de ter, em um passe de mágica, toda a exploração sexual de crianças e adolescentes, o trabalho escravo, o tráfico de seres humanos, fora preconceitos de raça, credo e classe social, a violência policial, a tortura, o assassinato de opositores pelas mãos do Estado, o desaparecimento de corpos de inimigos políticos.

Cinco anos depois, Agnaldo Timóteo defendeu o coronel e açougueiro Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo como torturador durante a ditadura. Em discurso na Câmara, em agosto de 2012, afirmou que ”deveríamos colocar a bunda para a lua e agradecer” aos militares.

Durante uma reunião da Comissão da Verdade do município, ele criticou o trabalho de busca de ossadas em valas clandestinas de cemitérios: ”é insuportável a maneira parcial com que todos que vão lá e falam do regime”. Chamou de ”frescura” a posição de quem não concordava com ele. ”Se acharam 1.000 corpos lá [no cemitério de Perus], e descobriram que um era vítima do regime, deveriam perguntar: era inocente ou um terrorista disposto a matar? Então, tem que estar disposto a morrer”, completou.

Em abril do mesmo ano, o político-cantor já havia exaltado a ditadura e defendido os militares que mandaram ”meter porrada” em opositores. “É uma lástima que os meios de comunicação não se disponham a contar as coisas maravilhosas que foram realizadas neste país pelo regime militar.”

Claro que Agnaldo Timóteo verbaliza a visão de uma parte da sociedade que, mal informada e com medo ou ódio de si própria, reproduz processos que mantém a opressão, a dor e o preconceito. Ele não está sozinho, parte de São Paulo e do país vai no mesmo barco que ele. Ou seja, triste, mas não novidade. Basta ver quem é o segundo colocado na disputa para a Presidência da República no ano que vem neste momento.

O que vai admirar algumas pessoas, contudo, é se um partido, que se diz progressista, aceitar essa filiação. O que suas cúpulas vão explicar à parte de seus militantes que abraçam a causa da proteção à infância e à juventude e lutam para que os horrores de ditadura militar nunca mais aconteçam no país? Os dirigentes terão não apenas abraçado um fã de torturador. Mas torturado eles mesmos o significado da palavra ”autocrítica” no dicionário.

Talvez isso tenha que entrar na fila de explicações sobre período em que o PT esteve no poder. Por que não houve uma reforma agrária decente? Por que os territórios indígenas não foram entregues a seus povos? Por que acordões que repartiram estatais com os partidos da base aliada, permitindo a corrupção, ocorreram? Por que os gastos mirabolantes para executar uma Copa do Mundo, gerando estádios abandonados como o Maracanã? Por que aceitaram ampliar o impacto social e ambiental na Amazônia através da construção de hidrelétricas, como Belo Monte? Por que os projetos habitacionais que jogam a população pobre para a periferia ao invés de encampar uma reforma urbana de verdade? Por que a aposta incondicional no agronegócio para sustentar a balança de pagamentos, elegendo usineiros de cana como ”heróis”? Por que a desoneração de empresas como saída para o crescimento, engordando os bolsos dos mais ricos? Por que o estelionato eleitoral de outubro de 2014? Por quê?

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