MPF investiga licença ambiental de termelétrica próxima a estação ecológica em SP

Procuradores começaram a suspeitar do projeto porque o processo está avançando mais rápido do que o normal, sem que a população da cidade de Peruíbe, no Litoral Sul, tenha tempo para discutir ou conhecer o plano

Por Ricardo Gouveia – CBN

O Ministério Público Federal investiga a licença ambiental de uma usina termelétrica em Peruíbe, no litoral paulista. Os procuradores começaram a suspeitar do projeto porque o processo está avançando mais rápido do que o normal, sem que a população tenha tempo para discutir ou conhecer o plano. Especialistas afirmam que os estudos apresentados pela empresa responsável pela obra omitem informações como os riscos à saúde da população e a degradação do meio ambiente em uma cidade que depende do turismo.

O empreendimento de R$ 5 bilhões é da Gastrading Comercializadora de Energia e prevê, além da construção da usina termelétrica, a construção de um porto offshore, a 10 quilômetros da costa da cidade de Peruíbe, no Litoral Sul de São Paulo. De lá, navios com gás importado forneceriam a matéria-prima para a usina por meio de um gasoduto que passaria pelo mar.

O Ministério Público Federal abriu um inquérito para investigar a construção da usina. O processo de licenciamento ambiental já era investigado pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente, do Ministério Público Estadual.

Especialistas ouvidos pela CBN alegam que o projeto apresentado pela Gastrading omite diversas informações, como os riscos para a saúde da população da região de Peruíbe. Além de problemas respiratórios e até um possível risco no aumento da incidência de câncer, o professor e médico Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, alerta para outro problema: a usina mudaria a infraestrutura urbana da cidade. Os R$ 5 bilhões investidos pela Gastrading até poderiam gerar empregos, mas exterminariam outros, baseados na vocação turística de Peruíbe.

“Será que isso seria o melhor?”, indaga Saldiva. “Em um sistema que estava vocacionado para o turismo e preservação, talvez fosse importante não uma usina de eletricidade, mas um centro de capacitação para atuar na rede hoteleira e no turismo ecológico. A ideia de que você vai construir uma termelétrica do lado de uma reserva preservada não me parece saudável do ponto de vista da vocação histórica do local.”

A professora Sonia Hess dá aula de gestão ambiental na Universidade Federal de Santa Catarina e elaborou uma parecer próprio sobre os impactos atmosféricos da termelétrica. Ela diz que o estudo de impacto apresentado pela Gastrading não menciona que a operação da usina vai provocar chuva ácida na região de Peruíbe, degradando um dos últimos pontos do estado de São Paulo onde ainda se encontra Mata Atlântica com cobertura nativa: a Estação Ecológica da Juréia, que fica a poucos quilômetros do local onde serão instaladas as chaminés da usina.

“Principalmente nas regiões que estão cobertas com vegetação nativa haverá uma degradação da qualidade do solo. As plantas são maltratadas tanto pelo empobrecimento do solo quanto pelos danos aos seus tecidos. A tendência é que as florestas sejam bastante afetadas, como já aconteceu em outros lugares do mundo. Morrem muitas árvores e ficam degradadas as florestas por causa deste ataque químico”, explica a professora Sonia.

O presidente da Gastrading, Alexandre Chiofetti, diz que o projeto segue rigorosamente a legislação. Ele afirma que contratou uma empresa para fazer o projeto de licença ambiental e nega que a termelétrica possa provocar dano ao meio ambiente ou à saúde.

“A chuva ácida não aparece no projeto porque não é o que se observa. Todas as simulações que foram feitas dentro do escopo do projeto não apresentaram este efeito. Não vai alterar a qualidade do ar, que continua boa e a melhor possível dentro de todos os requisitos”, garante Chiofetti.

Apesar das controvérsias, o projeto está avançando com rapidez e foi isso que chamou a atenção do Ministério Público Federal. O procurador da República Yuri Corrêa da Luz estranha a velocidade com que o projeto está correndo com o aval da Cetesb, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Yuri diz que projetos muito menores costumam ter um processo de licença ambiental muito mais lento e cuidadoso:

“Este empreendimento envolve um investimento econômico muito grande. Este interesse econômico, aliado a supostos interesses da política local de fazer este empreendimento vingar, pode ser o que explique a celeridade que está sendo impressa a este projeto. O fato que é muito estranho que um empreendimento deste tamanho, muito mais complexo do que a média, esteja andando tão rápido. Para se ter uma ideia, as audiências públicas foram marcadas todas uma depois da outra em espaço de um dia”, constata o procurador.

A Cetesb afirma que o licenciamento da usina está sendo devidamente conduzido por meio de um Estudo/Relatório de Impacto Ambiental e que as audiências públicas estão obedecendo o rito estabelecido pela lei.

Foto: Estação Ecológica da Juréia, um dos últimos pontos nativos de Mata Atlântica em SP. Crédito: Adriana Mattoso / Sistema Ambiental Paulista

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

dois − um =