No Justificando
O juízo da 1ª Vara Federal de Chapecó (SC) acolheu um pedido do Ministério Público Federal (MPF) para busca e apreensão de computadores no campus Abelardo Luz do Instituto Federal Catarinense (IFC), além de celulares de professores. Sob acusação de “imposição ideológica e política” e “ingerência na gestão”, Ricardo Scopel Velho e Maicon Fontaine foram afastados dos cargos. A decisão foi da magistrada federal Priscilla Mielke Wickert Piva.
O MPF alegou que houve “diversas irregularidades no campus envolvendo a participação de integrantes do MST e a intensa imposição de ideologia política dentro do Instituto”. O órgão também conta que colheu informações de que teria sido criado um novo curso superior em pedagogia para “inserir membros do MST dentro do campus, como professores”, bem como professores ligados ao movimento teriam obtido informação privilegiada para passar no concurso da instituição.
Tal instituto é conhecido por ser localizado no interior de um assentamento do MST e por atender às demandas de camponeses da região. Segundo o site oficial do IFC, o campus “é resultado da pauta apresentada pelo MST, em 2011, à presidenta Dilma, para atender à necessidade da região, em especial, dos agricultores familiares e camponeses” (…) “O objetivo do campus é atender às demandas históricas, dos camponeses e camponesas, por uma educação do campo pública gratuita e de qualidade”.
A decisão – a qual o Justificando teve na tarde da quinta (17) – que atendeu os argumentos do MPF é pautada principalmente no depoimento de uma professora e de um cidadão que não quis se identificar. Ambos teceram comentários acerca de um suposto convite feito com “certo tom de imposição” para que morassem no assentamento, bem como alegaram terem sido questionados por não seguirem a ideologia do movimento.
“Percebe-se a relação conturbada que os docentes vivem no campus devido às admoestações de membros do movimento, chegando até mesmo a ter suas qualificações questionadas por não seguirem a mesma ideologia. Tais ingerências ocorreram até mesmo sobre aspectos da vida privada, como relatado pela professora (…), que aduziu que, em sua chegada ao campus, foi convidada a morar no assentamento por militantes do MST em certo tom de imposição” – afirmou a juíza.
Algumas evidências, na visão da magistrada, comprovavam a influência do MST sobre o instituto. Uma delas foi o apoio da direção à ocupação no campus promovida por estudantes no final do último ano:
“Em atitude contrária a tais princípios, observa-se a militância dos diretores em prol de manifestações de cunho político-partidário e vinculados ao MST no exercício de função pública. Como exemplo, destaca-se a conversa trocada no grupo de Whatsapp dos servidores, em que se percebe o apoio da direção à ocupação das instituições de ensino pelos estudantes, ocorrida em novembro de 2016″.
A juíza ainda considerou suspeita que no instituto localizado em um campus do Movimento Sem Terra não há matérias disciplinares sobre o agronegócio, tema mais afeito ao latifundiário – “ainda que o campus se localize em um assentamento da reforma agrária, reflete-se sobre a razoabilidade de excluir de sua grade matérias sobre agronegócio, uma vez que uma instituição de ensino deve visar formar profissionais para atuar em diversas áreas e localidades, e não somente em local específico”.
Para ela, em razão da proximidade do instituto com o movimento, a situação presente no campus seria de “caos”: “o que se pode concluir é que paira uma situação de caos no campus do IFC de Abelardo Luz. A confusão entre o MST e o IFC pode ser percebida através da elaboração de práticas e projetos de curso, da proximidade do MST com a diretoria e coordenação do Instituto e da profusão de ideologias do movimento dentro da instituição de ensino” – afirmou.
“Tem faltado ao campus a necessária neutralidade estatal em relação às diversas concepções morais, políticas e filosóficas, situação que se agrava ainda mais ao ponderar que se trata de uma instituição de ensino, que deveria primar pelo debate de diferentes pontos de vista, e não buscar a predominância de determinada ideologia. Não se objetiva proibir ou coibir o ensino de determinadas ideias, mas justamente o contrário: permitir que, de forma ampla e democrática, seja possibilitado o debate saudável entre diversos pontos de vista, já que é assim que acontece a evolução da sociedade como um todo” – completou a juíza.
Por estar sob segredo de justiça, a redação deixa de publicar a íntegra da sentença.
Críticas à decisão
A decisão causou espanto. Em nota, o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica (Sinasefe) afirma que a ação decorre de perseguição política. No texto, o sindicato diz que este é “mais um caso de escola sem partido que não teve aprovação, mas está cada dia mais vigente nas escolas públicas como um todo, também no Instituto Federal. Por meio dessas decisões, os dois estão afastados da função pública, ou seja, o objetivo é perseguir, demitir e criminalizar“.
Já o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) afirmou que a decisão “é parte de uma ofensiva do estado em negar o direito à educação aos povos do campo” e explicou a história do campus Abelardo Luz do Instituto Federal Catarinense.
Confira abaixo a íntegra da nota:
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O MST vem a público esclarecer que o ocorrido na manhã da última quarta-feira (16) é parte de uma ofensiva do estado em negar o direito à educação aos povos do campo. Ministério Público e Polícia Federal promoveram uma ação de apreensão de instrumentos de trabalho dos servidores públicos Maicon Fontanive e Ricardo Velho. Além disso, solicitaram o afastamento deles de suas funções no Instituto Federal Catarinense – Campus Avançado Abelardo Luz/SC, e quebraram o sigilo telefônico dos funcionários e da reitora Sonia Regina.
No Brasil há somente duas unidades de Institutos Federais localizadas em áreas de Reforma Agrária. Desde o início da implementação do campus em Abelardo Luz, foram inúmeras denúncias infundadas, parte de uma ofensiva que visa retirar o IFC do meio rural. Neste mesmo sentido, nas últimas décadas, milhares de escolas do campo têm sido fechadas, demonstrando a negação ao direito a educação aos trabalhadores e trabalhadoras do campo e a estratégia de inviabilizar seu modo de vida.
Um dos argumentos das denúncias é que o Instituto Federal Catarinense – Campus de Abelardo Luz fica a 30km de distância da cidade, dificultando o acesso ao mesmo. Olhado por outro ponto de vista, esse argumento corrobora com a denúncia feita pelo MST há décadas: as instituições públicas regularmente ficam longe dos moradores da zona rural, que deveriam ter os mesmos direitos de acesso aos serviços públicos.
O MST, ao longo de sua história, luta junto com outros movimentos pela educação do campo, e construiu em parceria com estes movimentos e instituições de ensino superior diversos cursos de formação, da alfabetização até a pós-graduação. As parcerias sempre respeitaram a autonomia das instituições e já formaram milhares de pessoas. A atuação do Ministério Público, em relação ao ocorrido na última quarta-feira, configura-se como mais um caso de perseguição ideológica e criminalização da construção de processos em parceria com movimentos sociais e organizações sociais em geral. Visivelmente é parte da estratégia que vem sendo construído pela Escola Sem Partido, que está dentro de uma lógica inconstitucional de inibição da pluralidade de ideias no espaço escolar.
O MST segue a luta pela Reforma Agrária, pelo direito de viver e de se educar no campo. E se solidariza com os educadores e educadoras do Instituto, que visam construir, nas dificuldades de uma escola rural, uma educação de qualidade historicamente negada a essa população.
Educação do campo: direito nosso, dever do estado!