Médico do Incor: Lamentável que ministros do STF prefiram acreditar em “pesquisador” pago pela indústria do amianto aos cientistas da IARC; ouça o áudio

por Conceição Lemes, Viomundo

Nesta quinta-feira (24/08), o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4066, que questiona a validade da lei federal 9.055/1995, que disciplina extração, industrialização e comercialização do amianto.

É a chamada “lei do uso controlado”, que cientificamente é uma falácia.

Será a quarta sessão de um julgamento, iniciado em 10 de agosto.

Naquele dia, publicamos: Está nas mãos do STF evitar que tragédias como as dos seis da “Silva Simões” continuem a ocorrer 

Quatro “Silva Simões” já faleceram devido à asbestose, uma fibrose pulmonar causada pelo amianto; dois ainda estão vivos, mas sofrem da doença.

Havia então grande expectativa de que finalmente o Brasil finalmente iria banir a fibra cancerígena, como já acontece em mais de em mais 70 países, entre quais todos da Europa, Japão, nossos vizinhos, Chile, Argentina e Uruguai, e, em 1º. de janeiro de 2018, será a vez do Canadá.

Naquela sessão, o voto impecável do ministro Dias Toffoli pela proibição do amianto reforçou a confiança.

“Dia do juízo final do amianto está muito próximo”, observou a a engenheira Fernanda Giannasi, fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) e referência no mundo da luta contra a fibra assassina.

No segundo dia de julgamento, 17 de agosto, o voto da ministra Rosa Weber, relatora da ADI 4066 , só fez crescer essa esperança.

A ministra posicionou-se pela inconstitucionalidade da lei federal de 1995, portanto pela proibição da exploração, industrialização, comercialização e venda de produtos com amianto.

Ela ressaltou:

Não é mais razoável admitir, à luz do conhecimento científico acumulado sobre a extensão dos efeitos nocivos do amianto para a saúde e o meio ambiente, e a evidência da ineficácia das medidas de controle da Lei 9055/1995, a compatibilidade de seu artigo 2º com a ordem constitucional de proteção à saúde e ao meio ambiente”.

Ela lembrou que, segundo a Constituição Federal de 1988, a saúde é um direito social de todos, que abrange também o direito à prevenção inclusive no local de trabalho:

“Os preceitos constitucionais que elevam a saúde à categoria de direito social incumbem ao Estado o dever de garanti-la mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e assegure aos trabalhadores a redução de riscos no trabalho e adoção de agenda positiva para a proteção desses direitos”.

A ministra salientou que a Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do banimento do amianto, admite a continuidade de sua produção em determinadas condições, sempre regulamentada por meio de lei, mas orienta a substituição progressiva à medida em que surjam tecnologias alternativas.

Observou que a convenção, que tem status de norma supralegal no Brasil, prevê a atualização periódica da legislação, mas que isso não ocorreu, pois a Lei 9055 já tem mais de 20 anos de sua promulgação.

“Embora pudesse ser constitucional em 1995, não detém o mesmo status atualmente. Não é possível expor os trabalhadores ao risco de uma doença laboral unicamente para potencializar a capacidade produtiva de uma empresa ou determinado setor econômico”.

“Cada vez que um processo produtivo se revele um perigo para a saúde do profissional, o empregador deverá reduzir, até o limite máximo oferecido pela tecnologia, os males causados ao trabalhador”.

“Quando, porém, os incômodos forem de tal monta a ponto de minar a saúde do trabalhador, havendo um conflito entre a exigência produtiva e o direito, este último deverá prevalecer”.

“O voto da ministra foi muito bem fundamentado. Ela se pautou no estado-da-arte da ciência. Deu-nos uma grande esperança de que finalmente o Supremo vai avançar num marco civilizatório em defesa e prevalência da vida”, elogiou Fernanda Giannasi, na semana passada, logo após a sessão de 17 de agosto.

Porém, na sessão dessa quarta-feira (23/08), o STF mais uma vez falhou em proteger a saúde.

Os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Marco Aurélio discordaram de Rosa Weber e votaram pela constitucionalidade da lei federal de 1995, portanto a favor da indústria do amianto.

Edson Fachin e Ricardo Lewandowski seguiram Rosa Weber no sentido da inconstitucionalidade da lei.

O julgamento será retomado na sessão desta quinta-feira (24) com os votos dos ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia (presidente). Os ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, que se declararam impedidos, não votam nesta ação.

O que mais me causou espanto nos votos a favor do amianto é o fato de os ministros Marco Aurélio e Fux terem respaldado os seus votos no atraso científico. Mais precisamente em David Bernstein, elevando-o à categoria dos mais brilhantes cientistas do mundo e especialista de amianto.

Só que não é nada disso.

Na reportagem Perito “suiço” em amianto foi pago pela indústria brasileira do amianto (na íntegra, ao final), publicada em 28 de setembro de 2008, o Viomundo o desmascarou.

Bernstein defende que o tempo que a fibra de amianto persiste no pulmão é que indica o seu grau de nocividade. É o que ele chama de biopersistência.

Em 1999, ao participar de uma audiência pública sobre o tema na Câmara dos Deputados, em Brasília, foi saudado como “cientista suíço, autoridade máxima e de reconhecimento internacional em estudos de fibras e partículas”. Na ocasião, apresentou-se como pesquisador independente.

Faltou com verdade aos deputados brasileiros. Físico de formação e estadunidense de nascimento, Bernstein acabou se dedicando à toxicologia e foi morar na Suíça.

Em 2008, sua máscara de neutralidade e independência lhe foi arrancada em plena Corte do Distrito de Ellis County, Texas, Estados Unidos.

As pesquisas de Bernstein e suas conclusões foram usadas pela indústria no mundo inteiro, inclusive no Brasil, com os objetivos de: inocentar a crisotila dos males do amianto, adiar leis e regulamentos de restrição ou banimento do mineral e não pagar indenizações às vítimas.

Na reportagem de 2008, na íntegra abaixo, esta repórter enviou em 3 de setembro seu primeiro e-mail a David Bernstein. Perguntou:

1) Sabemos que teve pesquisas financiadas pela indústria brasileira do amianto. O senhor confirma isso? Que companhia, especificamente, financiou seu trabalho?

2) Se a informação que temos é totalmente verdadeira, poderia nos dizer quanto recebeu? Para que pesquisas esses financiamentos foram utilizados? Uma delas é sobre a biopersistência da crisotila brasileira. Há outras?

Primeiro e-mail, nenhuma resposta. Segundo, idem. Terceiro, também. No quarto: “Todos os financiamentos estão referidos na primeira página de cada publicação e se você quiser mais informação, por favor, contate as respectivas companhias”.

Solicitamos então o envio de uma cópia dos trabalhos por e-mail. Ou, considerando que eram públicos, que dissesse o nome das empresas que o financiaram e quanto pagaram. Esquivou-se, de novo: “Estou viajando e não os tenho disponíveis. Você pode fazer o download deles no website da revista Inhalation Toxicology. Espero que você leia as publicações”.

Bernstein veio ao Brasil financiado pelo lobby do amianto: Instituto Brasileiro do Crisotila e Eternit, que se calaram quando os questionei sobre quanto  a indústria brasileira do amianto havia pago pelos serviços do “cientista”.

E ,agora, com surpresa, nove anos depois, assisto ao “renascimento” do “cientista” da indústria.

Talvez Fux e Marco Aurélio tenham buscado socorro em Bernstein por dois motivos: é gringo, e a nossa elite tem síndrome de vira-lata; os médicos que trabalhavam para a indústria do amianto, particularmente a Eternit, e estavam ligados a universidades brasileiras já foram exaustivamente desmascarados aqui.

Na reportagem de 2008, eu entrevistei o  médico Ubiratan de Paula Santos, da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Incor/HC/FMUSP). Ele desmontou a teoria de Bernstein.

Hoje, 24 de agosto de 2017, voltei a falar com doutor Ubiratan sobre Bernstein e  teoria fajuta dele.

Ubiratan é responsável pelo ambulatório de doenças respiratórias ocupacionais do Incor, onde cuida também  pessoas expostas ao amianto.

Perguntei-lhe o que achava de os ministros do STF se calcarem em Bernstein para defender o amianto.

“Acho que tentaram usar argumento de um “pesquisador” para justificar posição que já tinham de defender a indústria do amianto”, diz Ubiratan.

“Preferem considerar o Bernstein ao grupo de pesquisadores internacionais da IARC [Agência Internacional de Pesquisa do Câncer]”!, lamenta.

“Não há argumento, evidência que sustente considerar mais válidos, criveis, os estudos experimentais do Bernstein do que as avaliações da IARC feita por comitês de pesquisadores e levam em conta estudos experinentais e epidemiológicos em humanos”, prossegue.

“Bernstein é pago pela indústria do amianto; portanto, conflito escancarado de interesse”, arremata o doutor Ubiratan.

Ouça também o áudio que o doutor gravou especialmente para o Viomundo.

Abaixo, cartaz feito por um sindicato:

Enviado para Combate Racismo Ambiental por Fernanda Giannasi.

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