Ministério Público tenta obrigar governo a garantir resgate de escravizados, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

O Ministério Público do Trabalho solicitou à Justiça que o governo federal seja obrigado a garantir a continuidade das operações que fiscalizam trabalho escravo contemporâneo e resgatam pessoas dessas condições.

A ação civil pública, que tramita na 21ª Vara do Trabalho de Brasília, pede que seja cobrada multa diária de R$ 100 mil caso o Ministério do Trabalho não viabilize financeiramente os grupos móveis de fiscalização e garanta recursos suficientes para combater esse crime.

Ao contrário do que informou o governo Michel Temer, de que recursos para operações de fiscalização para o combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil estariam garantidos mesmo com os cortes no orçamento, o dinheiro para executar essas ações acabou na semana passada. Também se esgotaram recursos em caixa para qualquer fiscalização em território nacional que tiver que ser feita fora das capitais ou das cidades em que exista um escritório regional do ministério. E, ainda assim, desde que os auditores fiscais não precisem de combustível para deslocamento.

Isso inclui fiscalizações para verificar irregularidades no trabalho rural, em grandes obras de engenharia, no trabalho urbano em cidades menores, com seus portos e canteiros de obras da construção civil. A paralisação afeta até a checagem de ocorrência de acidentes que resultaram em mortes e da situação de emprego de pessoas com deficiência.

Diante das críticas por essa ”pane seca”, o Ministério do Trabalho tem afirmado que remanejamentos internos estão sendo realizados para garantir as ações previstas.

O ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira teria se empenhado pessoalmente para garantir os recursos para a fiscalização e R$ 10 milhões foram planejados para a área. Mas tiveram outro destino por decisões externas ao ministério. Faltam recursos para combustível, veículos, deslocamento aéreo e diárias para hospedagem e alimentação dos funcionários públicos.

O núcleo do enfrentamento ao trabalho em condições análogas às de escravo no Brasil tem sido os grupos móveis de fiscalização, coordenados por auditores fiscais do trabalho e que contam com a participação de policiais federais e rodoviários federais e de procuradores do Ministério Público do Trabalho. A falta de orçamento afeta diretamente a ação dessas equipes, mas também ações organizadas por equipes de fiscalização rural nos estados.

”Ao esvaziar o grupo móvel e, com isso, prejudicar diretamente a vida de trabalhadores submetidos a condição de escravidão, o Ministério do Trabalho adota uma postura ilegal e imoral”, afirma Tiago Cavalcanti, que está à frente da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho e é um dos procuradores que ajuizaram a ação.

”Ilegal porque contraria não apenas dispositivos internos que proíbem a exploração abusiva, mas também compromissos internacionais firmados pelo Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. E é também uma postura imoral porque o governo vira as costas para as vítimas e dá as mãos a quem as explora”.

Desde 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência de formas contemporâneas de escravidão e criou o sistema nacional de enfrentamento ao problema, mais de 50 mil pessoas já foram resgatadas dessas condições por equipes de fiscalização subordinadas ao governo federal.

Manifesto – Auditores que atuam no combate a formas contemporâneas de escravidão divulgaram um manifesto, nesta quinta (24), com o objetivo de alertar à sociedade sobre a interrupção nas ações de fiscalização. Até a publicação deste post, 222 auditores haviam assinado o documento.

”Sendo a submissão de pessoas ao trabalho análogo ao de escravo um crime, todo agente público que, por ação, omissão ou inação, deixa de assegurar a continuidade de seu combate, também está cometendo conduta criminosa, o que exige atuação da sociedade civil e das instituições do Estado (especialmente o Ministério Público), que devem zelar pela garantia dos direitos fundamentais”, diz o manifesto.

Entre os nomes está o de Ruth Beatriz Vilela, ex-secretária nacional de inspeção do trabalho e uma das responsáveis pela criação do sistema brasileiro de combate ao trabalho escravo e dos grupos móveis de fiscalização em 1995. Também assinam ex-coordenadoras dos grupos como Marinalva Dantas, Valderez Rodrigues, Virna Damasceno, Calisto Torres, Marcelo Campos, entre outros.

As principais atividades econômicas em que esses grupos flagraram trabalho escravo foram criação de gado, extração vegetal e mineral, produção de carvão vegetal para a siderurgia, produção de soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batata, cebola, construção civil e vestuário.

O país, até agora, tem sido considerado um exemplo internacional no combate a esse crime. Contudo, em abril do ano passado, agências das Nações Unidas no Brasil divulgaram documento demonstrando preocupação com retrocessos no combate a esse crime, que têm ocorrido por pressões de determinados setores econômicos e de parlamentares que os representam.

Trabalhadores vítimas do tráfico de pessoas para o trabalho escravo são resgatados no Pará (Foto: Leonardo Sakamoto)

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